terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

O Silêncio dos Inocentes

Em Portugal, uma em cada mil crianças em idade escolar tem autismo.
Novas terapias dão esperança aos pais

De olhos arregalados, o Marco dá-nos as boas-vindas. As palavras que ainda não adquiriram vontade própria são substituídas pela expressividade dos sentimentos que aos poucos vão encontrando formas de se exprimirem. Sentado no balouço azul, estrategicamente colocado no centro de uma sala ampla, de paredes claras, Marco deixa-se levar pelo movimento de vaivém que pontualmente o aproxima do reflexo do espelho colocado à sua frente. A imagem de um menino curioso que hoje toma forma pouco tem a ver com aquela que levou os pais suspeitar que algo não estaria bem.

"Quando o Marco tinha 18 meses deixou de dizer as palavras que já tinha aprendido, passou a andar na ponta dos pés, não respondia quando o chamávamos, não olhava, isolava-se. Procurámos uma clínica de pediatria do desenvolvimento, na qual ele foi analisado e diagnosticado como autista", conta Cristina Menier, mãe do Marco, de 5 anos, residentes em Lapela, no concelho de Monção. A ‘sentença' imposta pelo diagnóstico trouxe um mar de dúvidas e inquietações, facto que foi amenizado pelo conhecimento de uma nova terapia que aposta no desenvolvimento das capacidades do pequeno Marco.

O método 3I, criado pela Associação de Autismo Esperança no Rumo da Escola (AEVE), em França, é, por definição, Intensivo, Interactivo e Individual, dado que pressupõe que a criança esteja cerca de oito horas diárias em interacção com um adulto, de modo a ser estimulada, quer física como cognitivamente, através de jogos e brincadeiras. Para que tal seja possível, a ajuda de voluntários é essencial.

"O Marco está a beneficiar deste método há um ano e meio. Hoje tem um olhar mais presente, reage, interage. No início não aceitava os voluntários, gritava e não deixava que ninguém lhe tocasse. Hoje é ele que estabelece o primeiro contacto com eles, agarra-os pela mão, dá-lhes um beijinho e pede para ir brincar", conta. Porém, dos 45 voluntários necessários, apenas 27 mantém o vínculo, facto que limita o sucesso da metodologia. "Não sabemos se é pela zona do País, se pela cultura, a afluência tem sido pouca. Os voluntários têm sido à base do boca-a-boca", lamenta.

Dos amigos que foram passando pela sala adaptada para as necessidades do Marco, poucos ainda permanecem. Celine Gonçalves é uma das excepções. "Toda a gente está reticente com o método. Mas é preciso experimentar. No início também eu critiquei mas depois vi resultados que não consegui alcançar em dois anos enquanto educadora", conta, emocionada com os progressos do "seu menino", aquele que, sem pedir, faz parte dos números que engrossam a incidência do autismo em Portugal.

A DOENÇA SEM ROSTO

"O autismo é uma perturbação do neurodesenvolvimento e do comportamento que reflecte uma disfunção cerebral. Como sintomas nucleares caracteriza--se por défices na relação social e de comunicação, bem como por comportamento repetitivo. Em Portugal, a incidência do autismo é de um caso em cada mil crianças em idade escolar", revela Guiomar Oliveira, autora do estudo ‘Epidemiologia das Perturbações do Espectro do Autismo em Portugal', distinguido com o Prémio Pfizer em 2005. A investigação incidiu sobre crianças dos 6 aos 9 anos, o que quer dizer que, destas, 3400 sofrem de autismo. Embora as causas ainda não sejam totalmente conhecidas, os últimos anos possibilitaram avanços significativos nesta área.

"Esta patologia é mais frequente nas crianças do sexo masculino, com uma proporção de 4/5 rapazes para uma rapariga. Tem-se discutido se esta discrepância se deve a factores genéticos ligados ao cromossoma X. Pensa-se que existem indivíduos com mais susceptibilidade para desenvolver o autismo, facto que é sustentado pela realização de estudos que têm vindo a identificar múltiplos e variados genes que levam à prevalência desta patologia", explica Susana Martins, pediatra da consulta de desenvolvimento do Centro de Desenvolvimento do Hospital de Santa Maria, em Lisboa.

Além disso, "parece existir uma certa predisposição para o autismo, o que explica a incidência de casos de autismo nos filhos de um mesmo casal e a evidência demonstrada em estudo de gémeos. Por outro lado, alguns factores como a rubéola materna, hipertiroidismo, a prematuridade ou infecções graves neonatais podem ter influência no aparecimento desta patologia". Actualmente "estão a ser feitos estudos no sentido de analisar as anomalias nas estruturas e funções cerebrais, bem como ao nível da genética, para tentar perceber quais os genes que determinam a susceptibilidade de uma criança ter autismo".



Fonte: O Correio da Manhã
Por:Joana Nogueira