sábado, 22 de outubro de 2011

Camundongo transgênico abre novos caminhos para compreensão do autismo

GENÉTICA

Mayana Zatz

Uma das maiores geneticistas do país responde dúvidas de leitores
      O autismo, atualmente referido como transtornos do espectro autista (TEA), que atinge um em cada 150 indivíduos, tem sido objeto de muitas pesquisas. Trata-se de uma doença complexa e heterogênea e a maioria dos casos parece obedecer a um mecanismo de herança multifatorial com interação entre os genes e o ambiente. Uma das causas genéticas recentemente identificadas, que entretanto acomete menos de 1% dos casos, são alterações do número de cópias (pode faltar = deleção; ou pode estar a mais = duplicação) de um pedaço no cromossomo 16.
     Pesquisar como alterações genéticas produzem as características do comportamento autístico tem sido de grande interesse. Um grupo de cientistas liderados pela Dra. Alea Mills acaba de gerar um modelo de camundongo com as mesmas mutações encontradas em seres humanos. A pesquisa publicada no   Proceedings of the National Academy of Sciences ( 3 de outubro) permitirá estudar nos camundongos vários parâmetros de grande relevância porque entender é o primeiro passo para gerar novos
 tratamentos.    
             Para falar mais sobre isso entrevistei a Dra. Maria Rita Passos-Bueno,uma das grandes autoridades no assunto, que coordena importantes pesquisas em autismo no Centro de Estudos do genoma Humano.
     A sua equipe vem testando essa mutação em pacientes com suspeita de autismo desde 2010. Quantos pacientes apresentaram essa alteração?

Dra. Maria Rita
Passos-Bueno

     Até o momento foram testados 350 pacientes com suspeita de autismo e em 3 casos detectamos esta alteração do cromossomo 16: 2 com duplicação e 1 com duplicação (0.8%).
     O que os pesquisadores observaram no modelo animal contendo essas alterações genéticas?
     Estes pesquisadores “construíram” alguns animais com deleção e outros com duplicação equivalente a região do cromossomo 16 que está alterada em pacientes com TEA. Eles verificaram alterações de comportamento, principalmente nos animais com deleção. Observaram ainda que algumas das estruturas cerebrais estudadas eram maiores nos animais com deleção do que naqueles com duplicação.
     Essas alterações são comparáveis ao que se observa em seres humanos?
     Estes resultados mostram que esta região cromossômica é tambem importante para o desenvolvimento do cérebro em outros animais que não o homem. As comparações entre camundongos e humanos devem ser feitas com muita cautela. Contudo, a correlação entre o tamanho do cérebro e a presença de deleção (maior) e duplicação (menor) observada nestes animais é um resultado bastante relevante e comparável a macrocefalia (cérebro de tamanho aumentado) e microcefalia (cérebro de tamanho diminuido) que são observadas nos pacientes com deleção e duplicação da regiao 16p11.2, respectivamente.
     Como esses achados poderão ajudar em futuros tratamentos?
     Esta região do cromossomo 16 que pode estar faltando (deleção) ou que pode estar a mais (duplicação) envolve mais de 25 genes. Sendo assim, uma questão muito importante é descobrir qual ou quais destes genes são de fato os causadores do autismo. A expectativa dos cientistas é que entendendo a causa do autismo seja possível identificar drogas que possam auxiliar no tratamento destes pacientes. Uma outra vantagem de se dispor de um modelo animal com alterações mensuráveis é a possibilidade de testar-se medicamentos experimentalmente antes usá-los em humanos.
     Qual é a importância de testar-se pacientes para essa ou outras mutações?
     Uma das grandes angústias dos pais de crianças portadoras de algum problema é saber o “por quê”. A identificação da alteração no cromossomo 16 pode ser uma resposta a esta questão. Além disso, ela possibilita estimar com precisão se há risco de repetição em novas gestações. Além da alteração do cromossomo 16, estamos conseguindo identificar a causa genética do autismo em alguns outros pacientes.         
     Apesar da proporção ser relativamente pequena, isso permite conhecer e entender melhor a variabilidade clínica e prognóstico destes casos, o que certamente irá contribuir para um diagnóstico clínico mais precoce e mais preciso em um futuro próximo.
Revista VEJA 21.10.2011
Fotos - Google