terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Progresso em autismo


O pequeno Ivan Coimbra, que é autista
                                               ALYSSON MUOTRI
     É comum familiares de pessoas afetadas com algum tipo de síndrome acharem que a ciência anda muito devagar. Uma vez um pai perguntou: “se conseguimos colocar um homem na Lua, por que não conseguimos curar de vez o autismo?”. 
     Essa percepção reflete a demora que temos em transferir o conhecimento gerado dentro dos laboratórios para a clínica. Isso é ainda mais vagaroso em doenças que envolvem crianças, pois o teste clínico muitas vezes requer uma série de regulações éticas que servem para proteger os pacientes de um eventual efeito colateral.
No entanto, vejo o momento oportuno e sou otimista quanto a futuras terapias. O progresso científico nos últimos tempos tem sido fantástico, mesmo com crises econômicas afetando as maiores potências científicas mundiais. Tomemos o exemplo do ano passado e das pesquisas com síndromes do espectro autista.
     Pelo “PubMed” (portal de busca de trabalhos biomédicos), foram publicados mais de mil artigos sobre a genética e estrutura cerebral de pacientes autistas, número três vezes superior ao mesmo período de tempo de uma década atrás. Tem muita informação nova chegando, com técnicas cada vez mais sofisticadas.
     Aprendemos, por exemplo, que é possível observar diferenças no padrão de EEG (eletroencefalografia) em crianças autistas antes do primeiro ano de idade. Detecção precoce significa possibilidade de intervenção precoce. De fato, estudos de 2012 confirmaram que autistas em terapia intensiva tiveram mais que o dobro de melhora comportamental do que aqueles que receberam apenas tratamentos tradicionais, com alguns casos de pacientes até saindo do espectro autista.
    Continuamos não sabendo o que causa o autismo. A alta concordância em estudos envolvendo gêmeos idênticos e a associação com outras síndromes genéticas, como a síndrome de Rett, tem confirmado as bases genéticas do autismo e levado a buscas por alterações genômicas em famílias com pacientes autistas. Com o custo do sequenciamento diminuindo, o número de trabalhos nessa área tem crescido exponencialmente.
     O que descobrimos é infinitamente mais complexo do que imaginávamos alguns anos atrás, com centenas de genes implicados. Muitos dos genes descobertos estão também presentes em outras condições, como em esquizofrenia e epilepsia. Variações genéticas estão presentes em pelo menos 25% das crianças, mas nenhuma dessas variações contribui com mais de 1-2% de casos e muitas são alterações particulares, ou seja, aparecem em apenas uma criança.
     Uma das descobertas mais curiosas é a alta frequência de mutações espontâneas. Essas alterações genéticas não estão presentes no genoma dos pais e, portanto, não seriam hereditárias, mas surgem espontaneamente antes ou no momento da concepção. Algumas alterações genéticas podem acumular no genoma do esperma do pai e aumentar de frequência com o passar dos anos devido a replicação de células progenitoras de espermatozoides.
     Pais com mais de 40 anos tem um maior número de mutações e correm um risco significativamente mais elevado de gerar uma criança com autismo quando comparados com pais com menos de 30 anos.
     E as causas ambientais? Diversos fatores, como exposição a poluição, pesticidas e antidepressivos têm sido propostos como fatores de risco. A maioria dos estudos baseia-se na exposição da mãe durante a gestação. Muitos desses trabalhos são ainda preliminares devido ao pequeno número amostral. De qualquer forma, grande parte dos cientistas assume que os fatores ambientais interferem com a suscetibilidade genética, mas sabemos muito pouco como isso acontece.
Casos de mutações específicas de famílias de autistas, alterando vias metabólicas conhecidas, como degradação de aminoácidos, sugerem que dietas alimentares podem ser benéficas no tratamento de algumas formas de autismo. Esses estudos nos lembram que doenças genéticas muitas vezes podem ser corrigidas pelo ambiente, ou seja, podem ser reversíveis. Algo impensável há poucos anos. De fato, muitos pesquisadores já concordam com o conceito da reversibilidade e isso tem atraído mais e mais interesse de outros grupos de pesquisa e da indústria farmacêutica (ainda tímida, mas interessada).
     De acordo com dados epidemiológicos, o autismo afeta hoje em dia 1 em cada 88 crianças, um aumento de 78% desde 2002. O motivo desse aumento ainda é um mistério, mas, com certeza. melhorias no diagnóstico contribuem para esse acréscimo. Independente das causas, cerca de 1% das crianças afetadas é algo que merece urgência. Se o número de crianças autistas está crescendo realmente, quais seriam os fatores ambientais responsáveis por isso?
     A ausência de um agente tóxico óbvio ou mesmo um micro-organismo torna a busca pelas causas do autismo muito difícil. Precisamos olhar com mais atenção, especialmente as pistas que estão surgindo ultimamente. Muitos especialistas acreditam que a exposição pré-natal seria um período critico. Observações recentes de que o cérebro sofre diversas modificações durante o primeiro ano de vida, muito antes dos efeitos comportamentais, suportam essas ideias e são consistentes com esse período de risco. Porém, dados em camundongos sugerem que o período crítico não seria tão essencial como se tem pensado, contrastando com essa teoria. Mas camundongos não são humanos e o argumento continua válido.
     Existem milhares de questões a serem respondidas sobre o autismo e tenho percebido um crescente interesse da comunidade científica. O debate sobre o autismo é frequentemente contencioso: uns veem o autismo como uma doença, alguns como uma lesão e outros como identidade. Esse debate é importante pois coloca o autismo na mídia, diminuindo o preconceito e pressionando a classe política por mais recursos para pesquisa. O importante é que muitos pesquisadores agora enxergam o autismo como uma forma de “insight”, ensinando cientistas de diversas áreas sobre genética, evolução, neurociência e comportamento. Seja qual for sua posição, estamos vivendo um período de intenso progresso cientifico que irá, certamente, beneficiar a qualidade de vida dos pacientes e seus familiares.
 Foto: Arquivo Pessoal Espiral
                                                         http://g1.globo.com/platb/espiral


Nova lei obriga diretor de escola a matricular alunos com autismo

Gestores poderão ser multados ou demitidos; 
norma vai assegurar acesso também a saúde e moradia, entre outros.
    Gestores de escolas que se recusarem a matricular alunos com autismo serão punidos com multa e, em caso de reincidência, poderão perder o cargo. A regra integra a Política de Proteção dos Direitos de Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, sancionada na semana passada pela presidente Dilma Rousseff.
    “A lei representa um passo importante, mas, agora, tem de ser colocada em prática”, afirmou a presidente da Associação Brasileira de Autismo, Marisa Furia Silva. O texto prevê a participação da sociedade em todas as etapas da política: desde a implementação até o controle da execução das ações.
Para Marisa, um dos maiores avanços do texto é deixar claro que o autista deve ser considerado como deficiente. “Até hoje, pessoas com transtorno estavam à margem do sistema de atenção”, avalia.
Ela conta que em muitos casos havia dúvida se o tratamento deveria ser feito na área de saúde mental, se o autista deveria ter asseguradas todas as garantias previstas na política de pessoas deficientes. “Isso agora está resolvido”, diz.
    O mesmo ocorre com o acesso à educação. “Como todo cidadão, o autista deveria ter assegurado todo atendimento e assistência. Mas isso, muitas vezes, ficava apenas no papel, incluindo as vagas nas escolas.”
    A lei assegura a participação da comunidade na elaboração e no controle da política. As ações deverão ser feitas de forma intersetorial. “A ideia é criar estratégias dentro de várias áreas: saúde, educação, previdência”, completa a presidente da associação.
    A lei foi batizada de Berenice Piana, em homenagem à autora do projeto apresentado no Congresso, também mãe de autista. A ideia é assegurar, com a norma, acesso a ações e serviços de saúde, educação, ensino profissionalizante, moradia, mercado de trabalho, previdência e assistência social.
    Diagnóstico precoce. Marisa considera essencial garantir o diagnóstico precoce da doença. “Há ainda muito o que melhorar”, avalia. Ela observa que quanto melhor a qualidade da assistência, menor o gasto, tanto do governo quanto das famílias de autistas.
    Outro ponto importante, completa, é a formulação de um sistema de tratamento para pacientes em todas as fases da vida: desde a infância até a terceira idade. “Quem vai cuidar do idoso autista? Os pais morrem, os irmãos possivelmente também já estarão na terceira idade. É preciso ações para crianças, para estudantes, jovens e idosos.”
    De acordo com o governo, para o cumprimento das diretrizes de saúde, educação e ensino profissionalizante, o poder público poderá firmar contrato de direito público ou convênio com pessoas jurídicas de direito privado.

Por Lígia Formenti, do Estadão
http://portal.aprendiz.uol.com.br/2013/01/04/
nova-lei-obriga-diretor-de-escola-a-matricular-alunos-com-autismo/