sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Análise do comportamento e autismo

Daniel Del Rey, Denise Vilas Boas e João Ilo  
  Veridiana Scarpelli    

Em artigo publicado nesta seção, a  presidente da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, Nilde Jacob Parada Franch ("Autismo e psicanálise", 13/9), referiu-se à abordagem da psicologia comportamental para o tratamento de autismo de forma simplista e equivocada.
No passado, o autismo foi visto como resultado de problemas emocionais e o tratamento recomendado era a genérica psicoterapia.
Com o avanço das neurociências, da genética e da própria psicologia, passou a ser compreendido como um problema de desenvolvimento. Referência mundial para a psiquiatria, o DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais) corrobora esse entendimento.
O foco das intervenções passou então a ser educacional, visando a desenvolver e aprimorar habilidades e repertórios necessários para o bem-estar e a inserção social do autista.
Foi nesse cenário que a tecnologia de ensino e de aprendizagem compreendida na ABA (análise comportamental aplicada) se sobressaiu e se tornou o tratamento privilegiado para pessoas com quadro do espectro autista. Isso se deve ao fato de a ABA historicamente ter se mostrado eficaz, e não pela propaganda de supostos benefícios.
Os "rituais autísticos" mencionados por Nilde Franch, convém esclarecer, podem ter, em alguns casos, função de esquiva social, conforme ela mencionou. Mas, na maioria das vezes, decorrem da sensibilidade alterada do autista a estímulos ambientais, dificuldade de integração sensorial e ausência ou deficit acentuado de repertórios comportamentais básicos, como expressão verbal e aspectos paralinguísticos (expressões faciais, entonação da fala...).
O estereótipo da psicologia comportamental como um método baseado em repetição e recompensa não passa de desconhecimento.
A análise do comportamento não é um método, mas uma abordagem científica que examina a interação do sujeito com o seu entorno. Sua tecnologia de intervenção é efetiva porque articula um referencial teórico-conceitual sólido e dados empíricos robustos. Os métodos são embasados em estudos --atendimento em consultório e acompanhamento terapêutico no ambiente em que o cliente vive possibilitam a identificação de suas necessidades e o seu desenvolvimento.
Basta consultar o banco de dados de periódicos como o "Jaba" (Jornal da Análise Comportamental Aplicada, na sigla em inglês) e os mais de 200 artigos sobre o autismo ali publicados para se conhecer os avanços científicos obtidos na área.
   Uma intervenção comportamental bem planejada tem de incluir o desenvolvimento de linguagem funcional, ensino de habilidades sociais, organização de rotina e estabelecimento de metas acadêmicas.
Não é simplismo desenvolver pré-requisitos para se alcançar essas metas e para extinguir comportamentos autolesivos e estereotipados. Desses pré-requisitos dependem também o bem-estar do cliente e a possibilidade de um futuro com independência, produtividade acadêmica e equilíbrio emocional.
Autismo é um transtorno grave que, se não for cuidado adequada e precocemente, comprometerá aspectos básicos para a sobrevivência e qualidade de vida das pessoas diagnosticadas com o problema. Seu tratamento exige a participação de equipes interdisciplinares envolvendo psicólogos comportamentais especializados, médicos, fonoaudiólogos e terapeutas ocupacionais.
A preocupação com a eficácia do tratamento é legítima. Famílias, órgãos governamentais e a sociedade precisam estar cientes dos riscos que despender tempo e recursos com propostas sem eficácia comprovada cientificamente representam. Tratamento inadequado pode resultar em consequências devastadoras para o desenvolvimento social, acadêmico e afetivo do autista.

DANIEL DEL REY, 31, psicólogo, é mestre em análise do comportamento pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)
DENISE VILAS BOAS, 36, doutoranda em análise do comportamento pela PUC-SP, é vice-presidente da Associação Brasileira de Psicologia e Medicina Comportamental

JOÃO ILO, 48, doutor em ciência do comportamento pela Universidade Federal do Pará, é presidente da mesma associação

Projeto investe em condomínio voltado para adultos autistas

Nos EUA, residência a ser lançada visa inspirar uma 
“vida com propósito”
 FOTO: Winni Wintermeyer/The New York Times
 Uma das casas que fazem parte do condomínio na Califórnia A-G Comunidade.

No Sweetwater Spectrum, uma residência para 16 adultos autistas, 
há diversas atividades, algumas no saguão social

SONOMA, EUA.

Eis uma verdade sobre crianças com autismo: elas crescem e se tornam adultos com autismo. Defensores estimam que ao longo da próxima década, 500 mil desses indivíduos se tornarão adultos nos Estados Unidos.
Ninguém pode afirmar com certeza o que a vida adulta lhes reserva. Para começar, onde eles vão morar e trabalhar? Um estudo de 2008 da Easter Seals descobriu que 79% dos adultos jovens com distúrbios do espectro do autismo continuam a residir com os pais. A maioria deles nunca procurou emprego.
Mesmo assim, a expectativa de vida dos autistas é mais ou menos igual à média. Então, crianças com autismo não podem ficar em casa para sempre.
Essa percepção – tão óbvia quanto preocupante – despertou recentemente uma reação de pesquisadores, arquitetos e, especialmente, dos pais. Em 2009, duas acadêmicas, Kim Steele e Sherry Ahrentzen, colaboraram em “Propostas de habitação para todo o espectro”, diretriz abrangente para projetar casas para adultos autistas; um livro mais detalhado sobre o tema deve ser lançado no ano que vem.
O primeiro avanço dentro deste modelo pode ser o Sweetwater Spectrum, residência para 16 adultos cujas capacidades e deficiências abrangem todo o espectro autista. O projeto inovador de US$ 10,4 milhões (R$ 22,7 milhões) foi inaugurado em janeiro no centro da região vinífera da Califórnia; as famílias fundadoras e a diretoria esperam torná-lo um modelo para experimentos similares pelos EUA.
A dupla de acadêmicas citou uma lista de projetos habitacionais novos ou futuros. Uma das iniciativas mais promissoras é o Airmount Woods, Ramsey, em Nova Jersey, que vai receber moradores em novembro.
Cotidiano. 
É fácil planejar um dia agradável em Sweetwater. 
Comece a manhã com 30 minutos no aparelho elíptico na sala de ginástica. Para o café, ovos frescos do galinheiro na cozinha comunitária. Depois, semear um canteiro de sementes de tomate na enorme estufa, treinar arremessos na cesta de basquete ao ar livre. E se for sexta-feira, por que não dar uma passadinha na noite de atividades no saguão social?
Tais comodidades são fundamentais para o empreendimento, afirmou a CEO e diretora executiva do Sweetwater, Deirdre Sheerin, 53. Segundo ela, a imagem pública de ter autismo é a de letargia e isolamento social. Pense em alguém “sentado em uma poltrona com videogame, comendo coisas estranhas”. Em contrapartida, tudo a respeito do Sweetwater existe para inspirar uma “vida com propósito”.
Custos. 
Para começar, os moradores escolheram se mudar para lá, e também escolheram com quem dividir a casa. De forma similar, as famílias contratam seu próprio atendimento, seja auxílio 24 horas ou ajuda casual. Segundo Deirdre, de certa forma, o Sweetwater é um locador glorificado: todo inquilino assina um contrato de aluguel de 12 meses, pagando aluguel de US$ 650 (R$ 1.430)e taxa de associação, no valor de US$ 2.600 (R$ 5.730), mensais.
A declaração da missão do Sweetwater alinha princípios ambiciosos. Os moradores vão poder envelhecer ali. A comunidade deveria “acomodar uma ampla gama do espectro financeiro”, subsidiando a moradia de um quarto dos inquilinos. E os atendentes (que não são empregados do condomínio) deveriam receber incentivos para formar relações de tratamento estáveis e de longo prazo.
“Você escuta sobre organizações planejando essas coisas, mas demora até as fontes de financiamento funcionar”


FONTE:
MICHAEL TORTORELLO
THE NEW YORK TIMES
Sherry Ahrentzen

colaboradora