segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

A deficiência. Quando ela é notícia?

Ao contrário do que se supõe, a deficiência não é noticiada apenas em datas comemorativas ou em situações de discriminação. Isso acontece todo o dia, o ano inteiro. Conheça a seguir os resultados de pesquisa realizada pela Inclusive sobre a relação entre mídia e deficiência.
     No último 15 de agosto, durante mesa redonda promovida pelo “Memorial da Inclusão: os caminhos da pessoa com deficiência” em evento paralelo ao VI Encontro Internacional de Tecnologia e Inovação para Pessoas com Deficiência, apresentamos os dados preliminares de uma pesquisada realizada pela Inclusive – Inclusão e Cidadania a respeito da relação entre os temas “deficiência” e “comunicação social”. Até a data de apresentação, havíamos publicado apenas os dados preliminares da pesquisa, além de uma exposição rápida da metodologia empregada em texto divulgado na própria Inclusive (ver aqui) e por alguns outros meios de comunicação. No texto a seguir, procuraremos apresentar a íntegra dos dados obtidos, bem como retornar brevemente aos aspectos metodológicos e de contextualização da pesquisa.
     Ao longo dos últimos anos, não foram muitas as oportunidades presenciais de debater a relação entre os assuntos “deficiência” e “comunicação social”, assim como poucos foram os estudos realizados nesse sentido. Embora os meios de comunicação expressem e consolidem representações sociais, o tema deficiência ainda parece muito mais relacionado às ciências da saúde e ciências sociais do que aos temas pertinentes à comunicação social de um modo geral. A proposta central desta pesquisa é, portanto, procurar resgatar o interesse pelo cruzamento dos temas e, quem sabe, fomentar novos estudos, debates e questionamentos, isso tanto no tocante à esfera governamental, meio acadêmico, quanto aos movimentos sociais propriamente ditos. Queremos crer que estas informações possam fomentar tanto o desenvolvimento de intervenções programadas em políticas públicas quanto mobilizem novos diagnósticos e investigações.
     Desde 2003, quando a ANDI – Agência de Notícias da Infância realizou, em parceria com a Fundação Banco do Brasil, um abrangente trabalho de pesquisa – intitulado Mídia e Deficiência, não há muitos registros sistematizados sobre a relação entres os assuntos, embora sem dúvida tenha sido produzido conhecimento a respeito, especialmente em projetos de pesquisa de cunho acadêmico e também em trabalhos de educação em direitos humanos dirigidos aos profissionais dos meios de comunicação, estes realizados em sua maioria por ONGs e consultorias especializadas.
     No meio acadêmico, encontram-se principalmente trabalhos dirigidos à análise de discurso, mas não análises de ocorrência, como é o foco aqui. Dentre estes, destaca-se o trabalho de mestrado de Ana Carolina Soares Costa Vimieiro, defendido em 2010 na UFMG. A dissertação, intitulada “Cultura pública e aprendizado social: a trajetória dos enquadramentos sobre a temática“, recupera as práticas discursivas sobre as diferentes expressões da deficiência em três grandes veículos de mídia: a revista Veja e os jornais Folha de São Paulo e O Globo, no período entre 1969 e 2008. Pela extensão da abrangência, é possível perceber a migração de sentido, ocorrida através dos anos, do conceito político de integração e das representações sociais de caráter predominantemente assistencial, expressos pela caracterização piedosa e centrada nos aspectos médicos da deficiência, para o conceito mais contemporâneo de inclusão social. Segundo a pesquisadora, é em meados dos anos 80 que a proposta inclusiva ganha força no Brasil e, a partir de então, toma o centro das abordagens jornalísticas, ainda que com a subsistência do antigo discurso e das práticas mais disseminadas anteriormente.
     Além desta pesquisa, mas ainda na perspectiva da análise do discurso, encontramos o trabalho de Ruvana de Carli que, em “Deficiente versus pessoa portadora de deficiência” , analisa as representações socioculturais nos jornais Correio do Povo e Zero Hora, ambos de Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul. Trata-se de um trabalho que enfocou especialmente a questão terminológica, sendo que toma ainda por preferencial o termo “pessoa portadora de deficiência” ao invés do “pessoa com deficiência” consolidado principalmente após a promulgação daConvenção sobre Os Direitos da Pessoa com Deficiência – CPCD, de 2008. O trabalho em questão foi defendido e apresentado bem antes disso, no ano de 2003.
Dados quantitativos
     Os dados que apresentaremos a seguir são de caráter estritamente quantitativo e foram obtidos através de uma metodologia baseada na utilização dos dados processados pela search engineGoogle News ©, em conteúdos do tipo “notícia” e “reportagem”, no período compreendido entre junho de 2013 e junho de 2014. Trata-se de uma abordagem que tem limitações particulares, mas que procurou valer-se dos recursos de pesquisa disponíveis empregando técnicas de pesquisa por cruzamento direto e filtragens seletivas.
     As principais limitações referem-se à abrangência de indexação da própria ferramenta que, por razões de interesse particulares e preservação de direitos autorais de determinadas fontes de conteúdo, não obtém apresentar resultados totalizantes. Dessa forma, todas as ocorrências numéricas obtidas na pesquisa são dados absolutos e não resultado de amostragem, dada a conformação desigual dos resultados e a ausência de uma fixação ideal do universo de pesquisa. Isso significa dizer que nenhum dos resultados numéricos referem-se a um percentual totalizante, mas um valor único e singular de ocorrências.
     No gráfico a seguir, apresentam-se as principais ocorrências temáticas em relação aos temais transversais à questão da deficiência obtidos dentro do período já mencionado.
[Gráfico de colunas verticais – temas transversais: acessibilidade (1130), cultura (1690), educação (9610), esporte (9370), legislação (1080), saúde (12450), trabalho (7452), violência (4735)]
Gráfico 1 – Temas transversais
     O que se pode examinar de forma rápida é a predominância de conteúdos relacionados à saúde das pessoas com deficiência em detrimento de outros temas, como as questões de acessibilidade e legislação, por exemplo. Nesse caso, é importante considerar que o universo de publicações especializadas na área do Direito não foi selecionado para o efeito da pesquisa, o que pode explicar o pequeno enfoque jornalístico dado ao tema. Em relação aos demais, parece haver um certo equilíbrio, com exceção dos conteúdos sobre “cultura”, também de menor prevalência.
     O próximo gráfico demonstra as ocorrências obtidas em cruzamento com os temas “inclusão” e “exclusão”, no qual se verifica a predominância do primeiro, o que pode traduzir um maior enfoque informacional às ações sociais de caráter efetivamente inclusivo. Essa interpretação coincide com avanços sociais obtidos principalmente na última década, quando o desejo e as políticas públicas voltadas à inclusão da pessoa com deficiência na sociedade tiveram grande desenvolvimento, mesmo que sem anular completamente situações de exclusão, verificadas em outra espécie de manifestação social, como o preconceito, a discriminação, violência, etc.
[Gráfico de colunas verticais – exclusão (618), inclusão (1480)]
Gráfico 2 – Exclusão x Inclusão
Discriminação e preconceito são os dados apresentados no gráfico a seguir.
[Gráfico de colunas verticais – discriminação (306), preconceito (210)]
Gráfico 3 – Discriminação x Preconceito
     Como a discriminação é propriamente um gesto real enquanto que o preconceito um sentimento individual ou social, está claro que o registro da presença da discriminação deveria ser maior do que o observado sobre o preconceito propriamente dito. Mesmo que diversas iniciativas, campanhas e produtos de informação tenham sido produzidos no sentido de minimizar o preconceito social contra as pessoas com deficiência, seu caráter mais abstrato parece impor uma presença menor nos meios de comunicação. Isto não equivale a dizer que ele (o preconceito) não exista ou seja menos relevante, mas apenas que é menos registrado.
     Os próximos dados referem-se à oferta de educação e modelos de escola.
[Gráfico de colunas verticais – escola inclusiva (4350), escola especial (2970)]
Gráfico 4 – Educação
     Apesar da ainda grande presença de conteúdo relacionado às escolas especiais, as experiências educacionais inclusivas contaram com uma presença maior nas informações. É importante distinguir, neste ponto, a diferença que há entre “escola” e “educação” especial. A educação especial é uma modalidade de ensino que permanece dentro do conceito de educação inclusiva, sendo a esta transversal e tem uma conotação diferente de “escola especial”, que se refere a estabelecimentos de ensino dirigidos exclusivamente ao público de pessoas com deficiência, na qual as pessoas com deficiência não compartilham do mesmo espaço social dos demais estudantes.
     O gráfico a seguir apresenta os dados referentes ao cruzamento com os termos “assistência social” e “políticas públicas”.
[Gráfico de colunas verticais – assistência social (791), políticas públicas (1970)]
Gráfico 5 – Assistência social x Políticas públicas

     Aqui, talvez seja interessante observar a migração de sentido relacionado aos temas. Enquanto que naquela pesquisa realizada pela ANDI em 2003 predominavam dados sobre assistência social, atualmente as informações sobre políticas públicas são as mais difundidas. Decorrência do aperfeiçoamento democrático e de políticas de Estado cada vez mais orientadas ao desejo por mais inclusão social, este resultado talvez indique uma apropriação política do tema pelas próprias pessoas com deficiência, já não tão dependentes da condução do Estado como em décadas anteriores. Evidentemente, trata-se de uma interpretação possível e não de uma conclusão taxativa.
O próximo gráfico verifica as ocorrências a respeito da CPCD e do projeto de lei do antigo Estatuto da Pessoa com Deficiência, denominado desde meados de 2014 por “Lei Brasileira da Inclusão”.
[Gráfico de colunas verticais – Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência (220), Estatuto da Pessoa com Deficiência (291)]
Gráfico 6 – Legislação
     Mesmo que, do ponto de vista da hierarquia legal, a CPCD ocupe posição superior ao Estatuto, aparece menos que ele, demonstrando talvez um pequeno esforço de divulgação nesse sentido, se tomados os dados em comparação. Coforme o já mencionado, nestes dados não estão consideradas as publicações especializadas em Direito, mas apenas os meios de comunicação escrita. Outra explicação reside na longa tramitação do antigo Estatuto, que já dura uma década de muita controvérsia.
     Os dados apresentados no gráfico a seguir relacionam-se à terminologia utilizada na redação jornalística e informativa em relação ao assunto.
[Gráfico de colunas verticais – deficiente (11600), portador de deficiência (2143), portador de necessidades especiais (1640), pessoa com deficiência (3100)]
Gráfico 7 – Terminologia
     A predominância do uso do termo “deficiente” ao preconizado pelo próprio movimento social e também pelas normais legais “pessoa com deficiência” pode demonstrar, talvez, que a correspondência realizada de forma mais apressada ainda identifique as condições de deficiência como um atributo pessoal e não como a expressão da interação da pessoa com o meio social, como o expresso na compreensão vigente incorporada pela própria CPCD, do “modelo social da deficiência”. Ainda assim, é possível observar que os números referem-se a uma crescente utilização do termo “pessoa com deficiência” em relação ao “portador de deficiência” ou ao “portador de necessidades especiais”.
     Os dados a seguir, os últimos que coletamos, indicam que, ainda assim, a compreensão do modelo social da deficiência é crescente, em detrimento à interpretação do modelo médico. Para mais referências sobre os modelos de compreensão da deficiência, indicamos a leitura de “Deficiência, direitos humanos e justiça” , de autoria dos pesquisadores Débora Diniz, Lívia Barbosa e Wederson Rufino dos Santos, publicada na Sur – Revista Internacional de Direitos Humanos.
[Gráfico de colunas verticais – modelo médico (1770 - 60), modelo social (2640-152)]
Gráfico 8 – Modelo social x Modelo médico
     Os números entre parênteses que acompanham os principais referem-se às ocorrências coletadas em pesquisa adicional sobre a produção acadêmica recente sobre os temas. Nesse caso em  específico os números foram recuperados em um outro sistema de informações, a Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações, mantida por bibliotecas e instituições de ensino superior de todo o país sob a coordenação do IBICT – Instituto Brasileiro  de Informação em Ciência e Tecnologia.
Conclusões
     Ainda que os dados aqui apresentados sejam meramente de natureza quantitativa, queremos crer que podem significar e apresentar um determinado recorte social pertinente ao modo pelo qual a temática da deficiência vem sendo veiculada mais recentemente nos meios de comunicação. Sem nos determos exatamente no “como”, procuramos nos centrar mais no “quando”, ou seja, procuramos verificar as formas e o conteúdo pelo qual a temática vem sendo expressa pela mídia escrita. Dessa forma, procuramos destacar que a realidade social é mais determinante das informações do que por elas determinada, tendo-se em vista que a proliferação dos meios de comunicação e ascensão das redes sociais de trocas de informação operou nos últimos anos uma guinada importante a respeito da forma como as pessoas consomem, produzem e relacionem-se com a informação escrita. Um estudo específico sobre as ocorrências na perspectiva da convergência das redes sociais seria muito interessante no sentido de estabelecer-se um comparativo aos meios de comunicação convencionais.
     De qualquer maneira, ainda nos parece que a repercussão da realidade social acontece de forma relevante nos meios de comunicação impresso, através dos quais as informações continuam a ser conhecidas e compartilhadas. A proliferação de fontes secundárias e o protagonismo crescente das próprias pessoas com deficiência, que tomaram para si a tarefa de construir sua própria narrativa social e relatar sua experiência, de alguma maneira relativiza em muito a repercussão daquelas fontes principais de informação, antes detidas pelas instituições, governos e etc. A forma pela qual as pessoas interagem com a informação, discutem-na e atribuem a ela maior ou menos significado seria também um capítulo ainda a ser mais bem compreendido, mas em análises qualitativas bem mais detalhadas que o levantamento de dados aqui empreendido.
     Se na atualidade a credibilidade das informações perdeu um pouco o “endereço” certo e é acreditada ou desacreditada em meio à torrente de informações que circula na internet e nas redes sociais, é igualmente relevante entender o quando e o porquê de determinadas temáticas obterem as linhas e os holofotes da mídia. Entender a presença de um ou outro elemento, nesse sentido, pode ser tanto chave de interpretação como de provocação social.
     Já que a sociedade parece nunca ter sido tão permeável à opinião pública quanto parecer ser atualmente, os meios de comunicação certamente refletirão as mudanças do desejo social, configurando um espaço mais aberto e democrático de produção e consumo de informações. Dessa forma, compreender a representação social e cultural das pessoas com deficiência nos meios de comunicação é elemento central tanto para a compreensão do comportamento da sociedade civil quanto da repercussão das ações institucionais, seja das esferas de governo ou dos movimentos sociais. Nessa perspectiva, nossa pesquisa procurou tão somente fazer um pequeno recorte diagnóstico. Ainda que contenha imprecisões ou limitações metodológicas, se puder fomentar um pensamento mais racional e programado sobre a realidade presente da relação entre a temática da deficiência em relação à comunicação social, assim como novas investigações sobre o tema, terá cumprido a maior parte de seus objetivos iniciais.
fonte: Inclusive - Observatório da Imprensa - Postado por Lúcio

domingo, 21 de dezembro de 2014

Autismo na Vida Adulta - Congresso


quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Google está ajudando a entender a origem do autismo

Um dos motivos para que o Google seja o líder absoluto no mercado mundial de buscas na internet é o simples fato de que a empresa passou os últimos 15 anos melhorando o seu motor de pesquisas. Com isso, a companhia consegue fuçar no mar de informações da internet e identificar os dados exatos (ou algo muito próximo disso) que as pessoas precisam.
Contudo, a Gigante de Mountain View está dando um passo a mais e se distanciando do mercado comercial de buscas. De acordo com as informações divulgadas nesta semana pelo site Wired, o Google firmou parceria com a Autism Speak, organização voltada ao estudo e tratamento do autismo, para estudar a doença em questão e tentar encontrar a origem dela dentro do próprio organismo humano.
Um trabalho muito pesado
O Google vai armazenar os dados do genoma de 10 mil pessoas que têm autismo e de seus familiares. A companhia e seus parceiros acreditam que, através desse banco de dados e das habilidades de pesquisa da Gigante das Buscas, vai ser possível encontrar padrões em comum para determinar a origem do autismo. Essa descoberta deve deixar a medicina muito próxima de encontrar a cura ou um tratamento mais eficiente.
Para que esse projeto seja possível, o Google vai utilizar uma ferramenta chamada de Google Genomics, recurso lançado há alguns meses e que trabalha com a plataforma da nuvem da companhia. Além disso, o barateamento para que o mapa do genoma humano seja construído facilitou o agrupamento de dados, fazendo com que a empresa possa trabalhar com um grande volume de informações – para você ter ideia, o genoma de uma pessoa equivale a 100 GB, de modo que o acesso remoto auxilia os pesquisadores.

O pessoal do Wired também lembrou que esta não é a primeira empreitada do Google no ramo da medicina, já que a companhia tem investido parte de seus fundos em outras frentes, como o estudo do câncer, por exemplo.

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Uma praga da ciência brasileira: os artigos de segunda

CIÊNCIA
A profusão de periódicos que publicam qualquer estudo, por menos rigoroso que ele seja, bastando apenas que o autor pague por isso, é uma praga a que o Brasil vem aderindo com preocupante entusiasmo — mesmo aquelas instituições que deveriam zelar pela excelência da pesquisa no país

Um espectro assombra a comunidade científica in­­ternacional: o dos periódicos sem credibilidade. Não é difícil entender o porquê. Alguns dos avanços mais extraordinários da ciência vieram a público pela primeira vez sob a forma de artigos editados em veículos de peso. Neles prevalece aquilo que está no coração da própria metodologia científica, a peer review, ou seja, a revisão pelos pares. Esse processo visa a replicar os resultados de um estudo, a fim de comprová-lo, sem a presença de seu autor 
ou autores. Não há outra maneira de fazer a ciência merecer esse nome — e andar para a frente. Dois exemplos bastam para dar a dimensão exata da importância dos autênticos periódicos científicos: a teoria da relatividade, do alemão Albert Einstein, teve seu registro de nascimento documentado numa série de quatro ensaios veiculados entre março e setembro de 1905 nos Annalen der Physik, um dos mais antigos mensários do gênero, fundado em 1790, em Berlim; já a estrutura do DNA, desvendada pelo britânico Francis Crick e pelo americano James Watson, foi apresentada ao mundo num breve texto assinado por eles na edição de 25 de abril de 1953 da Nature, prestigiosa revista inglesa cujo número de estreia circulou em novembro de 1869. Além de colocarem as novas pesquisas — e seus autores, claro — no centro das atenções, as publicações que primam pelo rigor científico impulsionam os estudos nas áreas envolvidas, fazendo girar, assim, a roda do conhecimento.
Um fenômeno recente, no entanto, está pondo em risco esse círculo virtuoso: a proliferação de editoras que mantêm periódicos cujo único obstáculo para a veiculação de artigos pseudoacadêmicos é o pagamento de uma taxa de publicação, que varia muito, mas costuma começar na casa dos 600 dólares. Pouco importa se os textos se baseiam em má ou nenhuma pesquisa; se são originais ou plagiários; se obedecem a mínimos critérios de metodologia e seriedade. Como a produção ensaística é um valioso critério para ascensão profissional no universo acadêmico, e tendo em vista que a publicação de artigos em veículos de credibilidade costuma seguir um implacável e lento processo de seleção, um número cada vez mais expressivo de cientistas tem recorrido ao expediente de pagar para ter, rapidamente, seus textos editados. Se para os pseudocientistas o volume de artigos publicados pode permitir galgar importantes degraus de prestígio intelectual — inflando também a vaidade pessoal —, para os proprietários dos periódicos científicos de segunda linha, como em qualquer negócio, o aumento de clientes costuma significar um faturamento maior.
Não era esse, é verdade, o objetivo inicial das publicações do chamado modelo open access, surgidas na Europa e nos Estados Unidos na década de 90. A ideia era ampliar a difusão do conhecimento e oferecer mais oportunidades aos intelectuais de países em desenvolvimento. Não demorou, porém, para que o escopo ganhasse outros contornos. Abrindo mão do rigor — a americana Science (1880), para se ter uma ideia, publica apenas 7% dos artigos que recebe — e reduzindo ao mínimo o tempo para a veiculação dos textos, os novos periódicos viraram um atalho para os maus cientistas e uma boa fonte de renda para quem se dispôs a, digamos assim, empreender nesse novo ramo. As revistas e jornais científicos tradicionais não cobram especificamente pela edição de artigos, embora, muitas vezes, exijam que os textos venham acompanhados de gráficos e fotos, o que incorre em custos, e, após a divulgação, cobram de todos aqueles que quiserem visualizar o paper — em média, 32 dólares. De qualquer modo, não parecem exigências descabidas.
Nem todo veículo open access, ressalte-se, tem como principal característica o desleixo científico; entretanto, todo meio científico desleixado é open access. O Brasil aderiu a esse modelo com preocupante entusiasmo. Já são mais de 1 000 publicações no gênero, o que põe o país atrás apenas dos EUA (onde elas passam de 1 200). Ao mesmo tempo, um rápido levantamento on-line permite constatar que é grande o número de pesquisadores brasileiros que recorrem a periódicos questionáveis, daqui ou do exterior, para divulgar seus trabalhos. Impressiona ainda mais o fato de muitos desses veículos serem bem avaliados pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), agência de fomento à pesquisa ligada ao Ministério da Educação. Sob sua batuta está o Qualis, um sistema de avaliação da qualidade dos periódicos científicos, que atribui a eles conceitos A, B e C, decrescentes, segundo determinados parâmetros. Tais notas são consideradas por universidades e instituições na hora de conceder financiamentos ou mesmo promoções aos pesquisadores que frequentam as páginas daqueles veículos. Se as publicações que desprezam o apuro científico forem bem avaliadas pela Capes — e isso ocorre, como se verá adiante —, é evidente que decorrerá disso uma grave distorção.Haverá pesquisadores beneficiados a partir de falsos méritos. E isso, muitas vezes, com recursos públicos. Agora, o pior: é possível detectar entre os clientes dos meios sem credibilidade professores que fazem parte da Capes, ou seja, exatamente aqueles que deveriam zelar pela excelência da produção acadêmica do país.
Se fossem quadros de baixo escalão, já seria péssimo. Contudo, o próprio presidente da instituição, o biomédico Jorge Almeida Guimarães, aceitou se valer de um veículo de credibilidade duvidosa para publicar o trecho de um livro do qual é coautor. Mediante pagamento de 670 euros (cerca de 2 100 reais), a editora croata InTech Open disponibilizou na internet o capítulo “Lesão renal aguda induzida por cobras e artrópodes venenosos”, escrito por Guimarães e dois pesquisadores das universidades federais de Minas e do Rio Grande do Sul. No texto, eles afirmam que picadas de cobras e de artrópodes venenosos são importantes problemas de saúde pública negligenciados pelas autoridades brasileiras e estrangeiras. A InTech, que já mudou de nome pelo menos quatro vezes desde que foi fundada, em 2004, está na lista negra de periódicos científicos elaborada por Jeffrey Beall, bibliotecário da Universidade do Colorado, nos Estados Unidos, uma referência no assunto. A exemplo do índex preparado por Lars Bjørnshauge, ex-diretor das bibliotecas da Universidade de Lund, na Suécia, a relação montada por Beall é consultada periodicamente por instituições e pesquisadores do exterior na hora de fazerem suas avaliações. Procurada por VEJA, a assessoria de imprensa da Capes respondeu que Guimarães não tinha disponibilidade de agenda para tratar do assunto.
Outro acadêmico cuja posição implicaria cuidar da qualidade das pesquisas no Brasil, mas que também usufrui as facilidades dos veículos de baixa credibilidade, é Jailson Bittencourt de Andrade, professor da Universidade Federal da Bahia, conselheiro da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e consultor do CNPq, da Capes, da Fapesp e da Finep. Andrade — que não respondeu ao pedido de entrevista da reportagem — assina como coautor um texto publicado na Scientific Research Publishing (Scirp) ao preço de 1 000 dólares (pouco mais de 2 500 reais). Essa editora chinesa é a mesma usada pelo egípcio Mohamed El Naschie, pretenso contestador da teoria da relatividade, cuja trajetória de derrapagens foi apontada pela Nature em 2008. Em 2010, a revista publicou outro texto alertando para as práticas antiéticas da própria Scirp, que copiava artigos respeitáveis de outros sites e os adicionava às páginas de seus mais de 200 jornais com o propósito de fazê-los parecer confiáveis. Além disso, a Scirp acrescentava ao seu quadro editorial nomes vistosos que nem sabiam de sua existência.
Esse recurso, aliás, é mais frequente no submundo acadêmico do que se poderia supor. Dele se vale, para ficar em apenas mais um caso, a editora Multidisciplinary Digital Publishing Institute (MDPI) — onde também constam artigos de Andrade. O fundador da MDPI, Shu-Kun Lin, tem seu nome associado a casos de corrupção e plágio.
A editora diz estar baseada na Suíça e até cobra pela publicação de artigos na moeda local, no entanto grande parte de seus funcionários fica na China. O biólogo e geneticista italiano Mario Capecchi, que ganhou o Nobel de Medicina em 2007, foi incluído no conselho editorial da MDPI sem ser consultado. Nessa problemática editora, que cobra 1 600 francos suíços (4 200 reais) para veicular artigos científicos, foi publicado o paper “Diagnóstico molecular e patogênese da hemocromatose hereditária”, que tem entre seus autores o pr­ó-reitor de pesquisa da USP, José Eduardo Krieger. “Em trabalhos escritos a muitas mãos, nem sempre minha vontade prevalece”, justifica-se Krieger.
Pode-se alegar que muitos pesquisadores acabam publicando artigos em veículos sem rigor acadêmico induzidos pela pontuação que eles ostentam no Qualis. O nigeriano African Journal of Agricultural Research aparece com o conceito A2 na classificação da Capes, ou seja, apenas um degrau abaixo da nota máxima, A1, atribuída à Science e à Nature. Pois bem: o jornal virou motivo de chacota na Indonésia no início deste ano após aceitar um documento científico copiado da web e com o nome dos verdadeiros autores substituído pelo de dois artistas da região.
A fim de testar a idoneidade de editoras do modelo open access com perfil duvidoso, o biólogo e jornalista John Bohannon enviou um manuscrito científico falso a 304 periódicos sediados em dezenas de países. Um deles foi a publicação brasileira Genetics and Molecular Research (GMR), de propriedade do biólogo Francisco Alberto de Moura Duarte, professor titular aposentado da Universidade de São Paulo e presidente da Fundação de Pesquisas Científicas de Ribeirão Preto. Além de o trabalho conter erros crassos, os biólogos que o assinavam (Roboodee Agnor, Annyassee Barree e Bellakah Motoday) foram simplesmente inventados, assim como o Instituto de Medicina Wassee, do qual diziam fazer parte, supostamente sediado na Eritreia. Das 304 editoras, 157 caíram na armadilha do americano e publicaram o artigo falso. A GMR, que tem jornais classificados com as notas A1 e A2 no Qualis, estava entre elas. “O jornalista agiu de m­á-fé”, defende-se Duarte. A experiência de Bohannon, que rendeu uma longa reportagem na Science no ano passado, lembra um escândalo que ficou conhecido como Caso Sokal. Em 1996, o físico e matemático Alan Sokal, da Universidade de Nova York, enviou propositalmente um artigo-embuste para a revista pós-moderna Social Text, vinculada à Duke University Press. A ideia era comprovar que um ensaio cheio de meias verdades e teorias sem sentido poderia ser publicado se fosse bem escrito e exaltasse as posições ideológicas dos editores. O paper afirmava, entre outras coisas, que o número pi, uma das mais antigas constantes da geometria, não passava de um produto do pensamento ocidental, ou seja, se tivesse sido descoberto por chineses, não seria igual a 3,1416 — e ainda assim foi publicado sem restrições. Simultaneamente com a veiculação da Social Text, Sokal anunciou a fraude em outra publicação, a Língua Franca, e descreveu o artigo como “um pasticho de jargões esquerdistas, referências aduladoras, citações pomposas e completo nonsense”.
Embora os efeitos perversos dos periódicos científicos desleixados sejam ainda pouco discutidos — e até pouco conhecidos — no Brasil, em outros países já provocaram terremotos acadêmicos. Em fevereiro deste ano, Ibrahim Gashi, reitor da Universidade de Pristina, em Kosovo, foi parar na imprensa por divulgar artigos em várias revistas suspeitas. Seu objetivo era acelerar um processo de promoção. Os estudantes da universidade se revoltaram e precisaram ser contidos pela polícia. A situação só se acalmou quando Gashi renunciou. Caso similar ocorreu naquele mesmo mês na Universidade da Islândia, onde Þórhallur Örn Guðlaugsson, professor associado de administração, que ganhava bônus por texto publicado, foi suspenso após a descoberta de que se valia de veículos sem credibilidade para divulgar seus artigos.
A revolta dos estudantes de Kosovo é completamente justificável. Ao usufruir os serviços de um jornal, revista ou site acadêmico que tudo publica mediante pagamento, o pesquisador contribuiu para uma cadeia de equívocos — que pode até influenciar na escolha de uma universidade bem posicionada num ranking de instituições de ensino superior baseado, em parte, na produtividade do corpo docente. Tal tipo de distorção, infelizmente, já alcança o Brasil. Na análise da Thomson Reuters, empresa com a maior base de dados sobre trabalhos científicos no mundo, o país galgou onze posições, entre 1993 e 2013, no ranking das nações que produzem a maior quantidade de estudos — hoje ocupa o 13º lugar.

Se esses estudos fossem de boa qualidade, teriam impacto em outro levantamento, o da revista britânica Times Higher Education. Trata-se do mais respeitado ranking internacional de universidades, que leva em conta treze indicadores para elencar as 500 melhores instituições de ensino superior do mundo. A excelência das pesquisas é o item que mais influencia a classificação. Há anos que apenas duas universidades brasileiras figuram entre as 500 e, de 2011 a 2014, tanto a Universidade de São Paulo (USP) como a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) perderam posições — a USP caiu 35 e a Unicamp, 38. Diz o editor Phil Baty, responsável pelo levantamento da Times Higher Education: “O Brasil não deve se preocupar em aumentar o volume de suas publicações, mas, sim, focar em estudos de alto impacto que ampliem os limites de nossa compreensão do mundo”. Em outras palavras, as instituições acadêmicas do país precisam não perder de vista que veículos científicos de segunda só publicam artigos de segunda. E, com eles, a ciência não vai a lugar algum.

FONTE
http://veja.abril.com.br/noticia/ciencia/uma-praga-da-ciencia-brasileira-os-artigos-de-segunda
Fone:
Fernanda Allegretti
Negreiros/VEJA

domingo, 7 de dezembro de 2014

Deficiência intelectual e autismo podem ter causa comum

Doenças como a deficiência intelectual e os transtornos do espectro autista podem ter como causa alterações na mesma via molecular. O resultado de pesquisa foi divulgado no artigo “Molecular Convergence of Neurodevelopmental Disorders”, publicado em outubro com destaque no American Journal of Human Genetics e abre possibilidade de novas abordagens para a forma como entendemos essas enfermidades conhecidas como doenças de neurodesenvolvimento.
“Ao se definir completamente a principal via molecular pela qual essas síndromes ocorrem, uma opção viável é posteriormente focar o tratamento nessa via”, disse Elizabeth Suchi Chen, professora do Departamento de Morfologia e Genética da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Com a pós-doutoranda Carolina de Oliveira Gigek, da mesma instituição, Chen divide a autoria principal do artigo. A professora contou com apoio FAPESP na modalidade Bolsa de Pesquisa no Exterior para realizar a investigação na McGill University, em Montreal, no Canadá.
Essas doenças são relacionadas a alterações moleculares das células neuronais, que formam o sistema nervoso e o cérebro humano, no momento em que o embrião está se desenvolvendo. Para estudar esses efeitos, as pesquisadoras trabalharam com células neuronais fetais de linhagem comercial, produzidas para fins de pesquisa por empresas especializadas.
A equipe também utilizou linhagens de células desenvolvidas no próprio laboratório. Fibroblastos, células da pele, foram reprogramados para se transformar em células precursoras neuronais. Esse trabalho foi executado pela equipe do professor Carl Ernst, do Departamento de Psiquiatria da universidade canadense, que também assina o artigo.
A diferenciação em neurônios teve de ser reproduzida em laboratório e parte das células investigadas teve reduzida a expressão de dois genes específicos, o TCF4 e o EHMT1. “Nos pacientes com doenças agrupadas como síndrome do neurodesenvolvimento, é observada a redução de cerca de 50% da expressão desses genes; por isso, modificamos as linhagens para apresentarem redução semelhante”, disse Gigek.
Após a diferenciação, as células com redução de expressão foram comparadas ao grupo controle, que não sofreu modificações nos genes, para se analisar quais modificações moleculares haviam ocorrido. Para isso, a equipe lançou mão de tecnologia de sequenciamento de última geração.
“O objetivo foi saber quais alterações moleculares seriam decorrentes da redução da expressão desses genes nas células neuronais”, disse Chen. A descoberta foi que, alterados separadamente, esses genes provocaram alterações moleculares semelhantes nessas células. Isso levou à conclusão de que, isoladamente, tanto o TCF4 como o EHMT1 podem gerar alterações moleculares que levam a doenças do neurodesenvolvimento similares. Além disso, observou-se que uma mesma modificação celular pode provocar diferentes enfermidades desse tipo.
De acordo com Chen, até a pesquisa, o que se sabia era que diversas alterações em diferentes genes estavam associadas a doenças do neurodesenvolvimento. “No entanto, observamos que a redução da expressão nesses dois genes levou a uma convergência de alterações moleculares”, disse.
Diferenciação celular prematura
Outra descoberta importante do trabalho foi a relação entre a redução de expressão dos genes estudados nas células neuronais e o fato de elas iniciarem mais precocemente o seu processo de diferenciação.
“As células alteradas parecem apresentar uma diferenciação prematura em relação ao desenvolvimento celular normal, o que poderia ser uma causa do problema”, disse Gigek. A diferenciação celular é o processo em que a célula-tronco adquire as características que definirão sua função no organismo.
O gatilho dessa diferenciação precoce da célula, todavia, não pôde ser confirmado na pesquisa. As pesquisadoras desconfiam que alguns RNAs e microRNAs possam estar envolvidos. “Com base na função do gene, isso pode ser sugerido; porém, serão necessárias outras pesquisas para que a causa seja levantada”, disse a pós-doutoranda.
Os microRNAs associados ao desenvolvimento celular, de acordo com Chen, são um foco interessante para um futuro estudo.
As pesquisadoras explicam que, caso sejam comprovadas a relação deles com a diferenciação prematura e as consequentes doenças de neurodesenvolvimento, poderão ser abertas alternativas de terapias moleculares.
“Caso o problema seja provocado pela superexpressão do RNA, por exemplo, poderiam ser ministrados inibidores para que a célula não seja estimulada a se diferenciar cedo”, exemplificou Gigek. Ela ressaltou, no entanto, que tal terapia ainda dependerá de muito trabalho de pesquisa.
Agora, as pesquisadoras pretendem validar os resultados em outras linhagens de células neuronais, para confirmar os resultados. Também é preciso saber se as alterações moleculares no desenvolvimento humano comportam-se da mesma maneira que as culturas estudadas isoladamente nos modelos. “Por isso, é preciso ainda muito trabalho de pesquisa para confirmar as descobertas, mas o avanço obtido foi considerável”, disse Chen.
O artigo Molecular Convergence of Neurodevelopmental Disorders doi: 10.1016/j.ajhg.2014.09.013), de Elizabeth S. Chen, Carolina O. Gigek e outros, poder ser lido por assinantes do AJHG em http://www.cell.com/ajhg/abstract/S0002-9297(14)00396-6

FONTE:
Fabio Reynol - Agência Fapesp - 06.12.2014 - 17h22
http://www.ebc.com.br/tecnologia/2014/12/deficiencia-intelectual-e-autismo-podem-ter-causa-comum

Direitos autorais: Creative Commons - CC BY 3.0

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

DESPERCEBIDAMENTE!

Aquele sorriso torto
TAXI...
“Esse seu é calminho, hein? O nosso, quando tinha esse tamanho, dava medo.”
E assim começamos a conversar. No trânsito. Infernal, como todo e qualquer trânsito. Para ir ao centro de Porto Alegre há muito tempo desisti de ir dirigindo. O caos é tamanho que terceirizar o stress é uma medida necessária. Isso significa ir de transporte coletivo ou tomar um táxi.
Levei um susto porque demorei um pouquinho a entender o assunto da conversa. Com meu filho sentado ao meu lado, logo percebi que o assunto era ele. Não, não era ele. Era o irmão dele. Do taxista. Um “downzinho” como o “meu”.
Para quem não está familiarizado com o termo, “downzinho” é o coletivo/genérico empregado às crianças que nasceram com a síndrome de Down, principalmente entre familiares. Eu até confesso que mantive por muito tempo muita relutância em usar o termo. Mas, diante de outros usados mais ou menos abertamente e claramente depreciativos (ver lista ao final*), “downzinho” hoje eu considero carinhoso. Não me incomodo mais. Verdade que não.
Unido de repente a essa grande família sindrômica, despertei do choque inicial da conversa e aproveitei para indagar ao taxista sobre o downzinho “deles”. É uma curiosidade sem medida essa, como bem sabem todos os pais e mães. Porque mal tive tempo de perguntar seu nome, não vou usar nenhum nome aqui e tentar dissipar qualquer referência concreta o quanto antes. Essa é uma história real e não desejo nem por um instante expor a ninguém. Então pensei em pedir que ele contasse mais sobre o irmão, mas nem precisou. E ele então prosseguiu.
O downzinho “deles”, segundo me contou, era incontrolável. Mordia os colegas. Era medicado para conseguir dormir algumas poucas horas por noite. Foi expulso das escolas onde tentaram mantê-lo, quase sempre em virtude do comportamento agressivo. Mesmo na APAE foi difícil mantê-lo na infância. Ele era considerado “ineducável”. Disseram-lhes que era autista também. Ou esquizofrênico. A jornada médica foi terrível, por anos a fio. A família gastou o que não tinha para procurar tratamentos. Mudaram do interior para a capital para tentar recomeçar a vida, levando pouco mais que a mala podia portar. Mas foi então que as coisas começaram a mudar, no mais improvável cenário que se pode imaginar.
Estamos quase chegando ao nosso destino. Estou levando meu filho ao oftalmologista, para revisar o grau dos óculos e pegar receita para fazer nova armação. É a terceira do ano. As outras duas foram perdidas. E sob muita reclamação. O taxista parou o carro e continuou contando. Não me atrevi a insinuar que era hora de descer, que estávamos quase atrasados. Era verdade, se o dissesse. Mas queria ouvi-lo mais. E ele, por sua vez, queria falar mais também.
O “nosso downzinho”, disse ele, “teve de começar a trabalhar comigo. Vendíamos flores nos cruzamentos. Às vezes na rodoviária. Nos parques da cidade. Ele era um grande vendedor de flores. Bastava abrir o sorriso ‘meio torto’ que as mulheres, principalmente, se derretiam. E alguns homens também. Se houvesse um prêmio de vendedor de flores, ele mereceria um troféu, de tantas que vendeu.” Isso durou dois anos e esse dinheiro fez com que a família pudesse se estabelecer. Alugaram uma casa melhor e, embora ele não quisesse sair das ruas, voltou a estudar. A mãe não aguentava mais sofrer em saber que ele andava por aí, mesmo que sob a proteção do irmão. Não havia onde mais acender velas na casa. Isso que era uma casa de três cômodos.
“Na APAE de novo?”, eu perguntei.
Não foi na APAE, mas em outra escola especial, que o aceitou apesar da idade já mais avançada. Perguntei em que ano foi isso e ele falou que foi no começo dos anos noventa, mais ou menos na época do impeachment do presidente Collor. Calculei rápido e concluí que hoje ele deveria estar por volta dos quarenta anos.
“E a agressividade aquela, onde foi parar?”, precisei perguntar.
“Logo depois que começou a sair comigo, melhorou muito.” O que ele precisava era cansar, segundo o irmão. E conversar, mesmo que daquele jeito embaralhado. E andar mais solto. Quando voltou à escola, a mãe acompanhava ele todos os dias, mas logo não foi mais preciso. Começou a ter aulas de judô. E começou a tomar banho sozinho. A cuidar mais de si mesmo. Ele estava é apaixonado, mas não contava nada. E dali em diante não teve mais um dia na vida em que não estivesse “enrabichado” com alguém. A mãe e o pai deixavam. E assim foi que ele voltou a trabalhar e nunca mais pareceu aquele capeta.
“E hoje, como ele está?”, foi quase minha última pergunta. A consulta estava atrasando de verdade agora.
Muito melhor que eu, ele foi dizendo. Trabalha numa farmácia e namora a farmacêutica, que é dona da farmácia. “Sério?”, pergunto. “Claro, aquilo é um safado de marca maior”. E então ele riu bastante. E eu também. “Mas ela não é down, claro que não”, ele disse. “E como foi que ele conquistou a moça?”, perguntei já conferindo o troco. Ele demorou um pouco antes de responder, em meio a um tipo de suspiro, talvez..
“Eu acho que foi aquele sorriso torto..”
Então o tempo fechou e choveu muito, embora nossas roupas na rua, depois, continuassem secas e enxutas.. Não consegui perguntar mais nada. Fomos saindo. Eu e o meu menino. Ele, o taxista, também não olhou mais pelo retrovisor, mas teve tempo de desejar boa sorte. E disse para carregar na dose de paciência. E que, no fim, valia a pena. Que tudo iria dar certo.
Só me arrependo mesmo de não ter ficado com o endereço da farmácia para um dia desses ir lá conhecer o “ineducável”. É que educar dá trabalho mesmo, mas compensa.
Postado por Lucio

http://morphopolis.wordpress.com/

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Autismo como uma reflexão diária é tema de minicurso do Encontro de Saberes

Isolamento, falta de comunicação, mundo interior, criatividade. Todas essas palavras vêm à mente da maioria das pessoas quando se fala em autismo, mas o que poucas pessoas entendem é como lidar e compreender o ponto de vista dos autistas. Pensando na perspectiva educacional, vários questionamentos são levantados: como incluí-los na sala de aula? Como trabalhar as nossas dificuldades em relação a eles quando os ensinamos algo? Como construir uma ponte de comunicação com eles? E, por fim, será que o autista quer realmente ser incluído? Durante o minicurso “O autismo no contexto educacional: disciplinaridade, transdisciplinaridade e indisciplinaridade”, que integrou a programação do Encontro de Saberes, o Centro de Atenção Psicossocial Infanto Juvenil (Capsi) buscou discutir esses questionamentos que, na realidade, não possuem respostas exatas.
     “No Capsi de Ouro Preto, trabalhamos com 11 autistas que precisam ser acompanhados diariamente e, com esse trabalho, podem aos poucos ser inseridos em escolas e melhorar a relação em casa”, explica a terapeuta ocupacional Paula Oliveira. A coordenadora Christine Vianna e o psiquiatra e professor de medicina da UFOP Ricardo Moebus mostraram um pouco desse trabalho do Capsi de Ouro Preto e deixaram aberta a discussão sobre o que as pessoas presentes no minicurso entendiam sobre o autismo.      Dessa forma, queriam somar ideias para adquirir mais conhecimento.
     Fazendo um panorama do assunto, discutiu-se sobre como antigamente as doenças e suas deficiências eram tratadas às escondidas por amigos e familiares, fazendo com que essas pessoas ficassem à margem das relações. Christine conta que, diferentemente disso, hoje existe um importante trabalho de inserção dessas pessoas na sociedade . “Será que só a nossa vontade de inclusão é o que vale?”, questiona.
     A coordenadora também diz que essa inclusão deve ser mais discutida, a partir da compreensão da vontade de o autista também ser incluído em um meio comum. “Muitas vezes ele constrói uma ponte para se comunicar com os outros e nós não percebemos. Aceitar o que não é semelhante a nossas opiniões é muito difícil e, por isso, o foco é aprendermos a construir meios de comunicação com eles”, explica.
     A administradora Shirley Dias é mãe de uma criança autista e foi assistir ao minicurso. Ela conta que, como acabou de mudar para Ouro Preto e seu filho é o primeiro caso de autismo dentro da escola, uniu-se aos membros da instituição em busca de conhecimento sobre a forma correta de lidar com o caso, respeitando a vontade e o interesse dele em participar das atividades.
Sobre o autismo
     O psicólogo conta que devemos lembrar que o autismo é uma doença e que as dificuldades existem. “Essas visões que muitos colocam apenas com pontos negativos ou positivos devem ser eliminadas”, comenta Ricardo. E ainda acrescenta. "Assim como em alguns casos existem a enorme criatividade e a facilidade em desenvolver diversas habilidades, as limitações também devem ser levantadas”. Ricardo enfatiza que devemos aprender a lidar com as diferenças, pois elas existem em todos os lugares, e lembra que a categorização que muitas pessoas usam, como, por exemplo, falar que brasileiro gosta de futebol e samba, desconsiderando a opinião de milhões de outras pessoas que não pensam assim, é o que acontece também com o autismo, quando não se tratando cada um como único e sim como um grupo.
     Já Paula explica como lida com os casos em que trabalha. “O indivíduo autista deve ser ensinado a ter sua própria autonomia, criar seus vínculos e aprender a querer e a discordar, fazendo suas próprias escolhas”. Ela também comenta que a comunicação pode ser o ponto mais difícil e que deve ser centrada na questão de fazer com que os autistas expressem seus sentimentos e dificuldades. “Trata-se de um processo contínuo de entender e interpretar cada um e, a partir da confiança, começar a realizar esse estudo. Nenhum indivíduo é capaz de conseguir fazer e ser bom em todas as coisas, e com os autistas isso também acontece. Impor exigências em torno deles para que consigam realizar diversas tarefas não é necessário, pois a vontade deles deve ser respeitada”.
     O intuito do minicurso foi o de dar continuidade ao assunto, buscando o entendimento para cada caso de autismo, para cada indivíduo, respeitando a individualidade de cada um dos que possuem essa doença, bem como daqueles que não a possuem. Entender que não existe um conceito sobre o que é o autismo, que esse conceito deve ser construído diariamente, e levar a temática para a universidade, para as escolas, para a casa, enfim, para todos os espaços do público foi um dos objetivos.
FONTE:
Daiane Bento

                   http://www.ufop.br/index.php?option=com_content&task=view&id=15702&Itemid=196
Foto: Google.

sábado, 22 de novembro de 2014

“FOI DE RASGAR O CORAÇÃO”

“FOI DE RASGAR O CORAÇÃO”
Mara Gabrilli Programa Jô Soares – 19.11.2014

Nesta semana, o autismo, foi um assunto que agitou as postagens nos facebooks e similares da vida, e eu que não falei nada, embora tivesse compartilhado a repercussão, recebi algumas mensagens dizendo que se nada falasse a respeito era por que ainda não tinha saído das eleições presidenciais. Pelo contrário, saí e decidi que: o Brasil que perdeu, ganhou.  
Embora a imprensa brasileira nos últimos tempos, noticie um pouco mais sobre o autismo, não o faz com ênfase, até por estar dando mais atenção aos complexos temas que envolvem o Brasil nas páginas policiais que são mais espetaculares, sem se flagrar com a importância de assunto como políticas de saúde que não funcionam, com base no viés aparente de que cada povo tem o governo que merece.
O foco era a entrevista que a Mara Gabrilli, deputada federal reeleita, um ícone das pessoas com deficiência neste país, e relatora da Lei 12.764/12 (Lei Berenice Piana) que instituiu a política de proteção aos autistas concedeu ao Jô Soares, sobre a qual, observei para alguns que horas antes pela agitação e com o interesse na discussão, a audiência teve grande repercussão deixando, felizmente, vários temas para discussão.
O ponto principal da repercussão foi o de que o Jô “abriu uma oportunidade” para discutir o autismo no seu programa, tema ao qual ele resistia expor, por questões de ordem pessoal e isso é indiscutível, tendo em vista a irreparável perda do seu filho Rafinha, pessoa na condição de autista, até 51 anos de idade, dias antes, quando voltou para a Pátria Espiritual, legítimo lugar a que pertencia.
A presença extraordinária da Mara Gabrilli, falando com segurança sobre autismo, trouxe novo alento para que milhões de pais de autistas suscitem nova reação contra a falha no zelo das suas reais finalidades, do Conselho Nacional da Pessoa com Deficiência - CONADE, que deixou inserir no texto de regulamentação da Lei 12.764/12, uma anomalia subliminar que destina os autistas para serem tratados nos CAPS – Centro de Atenção Psico Social onde lhes falta capacidade e capacitação, no mesmo nível de pessoas com esquizofrenia e dependentes químicos.
A única razão que autoriza o CONADE usar do artifício subliminar como a cilada disposta no artº 3º, Alínea “C” do texto da regulamentação da Lei 12.764/12, é a de ratificar o favorecimento comercial da iniciativa privada no âmbito das políticas publicas de saúde, colidindo frontalmente com a Constituição Federal.
As respostas pontuais dadas por Mara Gabrilli ao ser questionada por Jô Soares, que com sua experiência em autismo discutiu a seu tempo o apoio as necessidades da disciplina ser implantada nas faculdades de Medicina, tendo em vista a falta de capacitação existente, a exemplo dos tempos em que os médicos nada sabiam a respeito, bem como desconheciam os males da síndrome.
Os CAPS, que procedem a tratamento a dependentes químicos, alcoolismo, e outros transtornos, são apenas fornecedores de remédios reducionistas controlados, enquanto deveriam ser também uma instituição para atendimento, onde estaria incluído o tratamento terapêutico específico para autistas, mas não o é, resguardadas as especialidades e comorbidades inerentes à síndrome.
Autista se não é tratado adequadamente fica infeliz, e faz a família infeliz, disse Mara Gabrilli. Jô emendou exemplificando que quando seu filho Rafinha tinha dois anos, um médico disse à mãe dele: “esse menino aí, o melhor que você tem a fazer é fazer outro, porque esse não vai falar andar e escrever”. A expressão foi para comprovar a falta de conhecimento do médico que não tinha ideia do que fazer.
Existe uma “mania global” de dizer que o autismo é bonito, em face caracterização hollywoodiana de responsabilidade da indústria da mídia, a partir do filme Rain Man. O mais importante sobre a disfunção da imprensa com o autismo, é o aspecto qualitativo que ela pode apresentar, a partir do ponto essencial que é analisar e criticar sem agressividade, como costumeiramente acontece pelo mau uso da palavra.
Pais e interessados no autismo quando sabem das suas complexidades não se deixam iludir por ele.  A capacidade mesmo limitada de cada um permite saber que o autismo não pode ser considerado um erro moral e deve ser tratado como causa e não como um sintoma fantasioso, o que permite o aprendizado de todos.  
Já temos o nome da deputada federal Mara Gabrilli, do senador Paulo Paim, Berenice Piana de Piana a idealizadora da Lei 12.764/12, Ulisses Costa e Fernando Cotta destacadamente, gravados indelevelmente na história em favor das pessoas com deficiência, pela influência e na ajuda de inestimável valor na vida dos nossos filhos autistas. Quis agora a Providência Divina trazer Jô Soares para juntar-se a nós e outros certamente virão pelo que podem fazer por eles, interferindo com seus saberes pela exclusão da alínea “C” do decreto, como um primeiro passo.
O Ministério da Saúde tem conhecimento das sugestões para criação de centros de excelência para estudos do autismo custeados pelo Estado, e pela iniciativa privada para inclusão e independência dos autistas, sem a postura tradicional do assistencialismo, mas sim científica, por ser a Ciência a única forma para atingir os resultados necessários e promissores ao tratamento do espectro, porém só atendem sugestões de quem está ligado a interesses preexistentes discutíveis.
Os autistas tem capacidade de aprender. Temos que ter capacidade de ensiná-los.
Que a lei saia do papel, disse Mara.
Cabe-nos fazer com que nossos filhos não sofram mais do que o inevitável.  

Nilton Salvador

sábado, 15 de novembro de 2014

Como ensinar o conceito de tempo a crianças com Autismo

O conceito de tempo é fundamental na nossa vida. As mudanças de estação (que aqui no Brasil não são sentidas com tanta intensidade), os períodos do dia e as tarefas próprias de cada horário (café da manhã, almoço, jantar, hora de dormir e de ir para escola) são questões comuns a vida de cada um de nós e precisa ser compreendida.
     Pensando na criança com Autismo, a ausência do conceito de tempo pode gerar comportamentos indesejados e situações desafiadoras para os pais e familiares. Sendo assim, separamos as sugestões de Penina Rybak, uma especialista em Autismo, e acrescentamos algumas outras ideias de como ensinar e trabalhar com os pequenos o conceito de tempo.
Brinquedos e a tecnologia (por que não?) aparecem como facilitadores desse processo. O conceito de tempo vai ajudar na compreensão e na causalidade dos fatos; a entender o tempo sequenciado dos movimentos e das conversas (entenda aqui conversas e narrativas). Utensílios domésticos e fotos digitais podem ajudar na compreensão do antes e depois; do começo, meio e fim que indicam a passagem o tempo.
Aqui estão algumas sugestões:
– Escolher livros de histórias e chamar atenção para o começo, o meio e o fim; revendo sempre a sequência dos fatos.
– Atividades de arte também são excelentes escolha porque têm um produto final e etapas para sua realização. A arte pode até ser exposta em casa ou na internet para os parentes e amigos mais distantes.
– Atividades de culinária que têm um produto final também são ótimas para o conceito de tempo.
Fato: como as atividades de arte e a culinária dependem de um tempo para seguirem para o próxima etapa e serem finalizadas, um cronômetro pode ajudar, tornando esse tempo “mais concreto” e ajudando as crianças.
– Assistir um vídeo ou filme, parar em intervalos regulares para rever e discutir a ordem dos eventos.
– Nos lugares onde o Outono mostra “suas folhas”, uma brincadeira na pilha de folhas ao ar livre pode ser registrado. O antes e depois de jogar pode ser clicado!
É válido usar a tecnologia, os aplicativos que usam algumas das atividades, como as descritas acima, para ajudar também no aprendizado do conceito de tempo. Aqui no reab.me já mostramos o Buddy’s Time, um app que tem uma proposta neste sentido. Clica aqui e confere!
Aprender o conceito de tempo é um dos passos necessários para aprender sobre a causalidade. Causalidade envolve previsões de resultados. Previsões se fazem com base em uma ação emocional ou ação física no ambiente. Ou seja, tudo está interligado e garante um bom funcionamento no cotidiano. Nas crianças essas habilidades estão relacionadas ao aprendizado as regras, a programação do dia e a fazer inferências sobre isso.

Fonte: Friendshipcircle.org

domingo, 9 de novembro de 2014

Autismo: dúzias de genes identificados



Dois estudos genéticos, que envolveram mais de 50 laboratórios, identificaram dúzias de novos genes associados ao autismo. Os estudos publicados na revista “Nature” demonstraram que as mutações nestes genes afetam a rede de comunicação no cérebro e comprometem os mecanismos biológicos fundamentais que decidem se os genes são ativados, quando, e como.
Os investigadores da Universidade da Califórnia, nos EUA, associaram mutações em mais de 100 genes envolvidos no autismo. A maioria das mutações identificadas nos estudos são mutações de novo, ou seja, mutações que não estão presentes nos genomas dos pais que não têm a doença, mas que aparecem espontaneamente numa única célula dos espermatozoides ou óvulo, mesmo antes da conceção da criança.
Os genes envolvidos nestes dois estudos pertencem a três categorias distintas. Uns estão envolvidos na formação e função das sinapses, locais de comunicação entre as células no cérebro. Outros regulam, através de um processo conhecido por transcrição, como as instruções de outros genes são transmitidas para a maquinaria celular que está envolvida na síntese de proteínas. A terceira classe envolve o modo como o ADN é enrolado e “empacotado” nas células numa estrutura conhecida por cromatina.
De forma a chegarem as estas conclusões, num dos estudos, os investigadores utilizaram amostras de ADN de 3.000 famílias que tinham uma criança com autismo. O segundo estudo envolveu o Consorcio de Sequenciação do Autismo, uma iniciativa apoiada pelo Instituto Nacional de Saúde Mental, que permite aos cientistas de todo o mundo colaborarem em grandes estudos genómicos que não poderiam ser realizados por laboratórios individuais.
Antes destes estudos, apenas tinham sido identificados, com elevado grau de precisão, 11 genes associados ao autismo, agora temos mais do quadruplo desse número ", revelou, em comunicado de imprensa, uma das autoras dos estudos, Stephan Sanders. Com base nestas tendências, a investigadora acredita que a descoberta de novos genes vai continuar a ritmo acelerado podendo atingir os 1000 genes associados ao risco de autismo.
"Tem havido uma grande preocupação que estes 1000 genes representem 1.000 tratamentos diferentes (…)", disse um outro autor do estudo, Matthew W. Estado

"Já existe uma forte evidência de que estas mutações convergem para um número muito menor de funções biológicas importantes. Precisamos agora de nos concentrar nesses pontos de convergência para começar a desenvolver novos tratamentos”, conclui.

FONTE:>
http://noticias.bancodasaude.com/autismo-duzias-de-genes-identificados