sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Oliver Sacks, neurologista e escritor, anuncia câncer terminal

 ...e afirma: 
“Não há tempo para nada que não seja essencial”.
Em trechos de sua “carta”, Sacks afirma: “Não há tempo para nada que não seja essencial”. “Não posso fingir que não estou com medo. Mas meu sentimento predominante é de gratidão. Amei e fui amado; recebi muito e dei algo em troca; li, viajei, pensei e escrevi. Tive uma relação com o mundo, a relação especial do escritor e leitor.”
Oliver Sacks (81 anos), neurologista e escritor britânico ficou conhecido, dentre outras realizações, pelos livros “Tempo de despertar” e “O homem que confundiu sua mulher com um chapéu”. A primeira obra, datada de 1973 é um relato baseado em suas próprias experiências como médico e foi posteriormente adaptada e protagonizada por Robert Williams e Robert DeNiro no cinema, obtendo três indicações ao Oscar. Seus livros foram traduzidos para mais de vinte línguas e são sucesso de vendas, conquistando diversos prêmios pelo mundo. O neurologista também é membro honorário da Academia Americana de Artes e Letras, da Academia Americana de Artes e Ciências e da Academia das Ciências de Nova Iorque.
Nesta semana, Sacks anunciou a descoberta de um câncer em estágio terminal no fígado. O anúncio se deu por meio de um artigo intitulado “Minha própria vida”, originalmente publicado pelo New York Times no dia 19 de fevereiro.
Ele inicia o texto contando como foi a descoberta da doença:
“Há um mês, eu sentia que estava em boas condições de saúde, robusto. Aos 81 anos, ainda nado uma milha por dia. Mas a minha sorte acabou – há algumas semanas, descobri que tenho diversas metástases no fígado. Há nove anos, encontraram um tumor raro no meu olho, um melanoma ocular. Apesar da radiação e os lasers que removeram o tumor terem me deixado cego deste olho, apenas em casos raríssimos esse tipo de câncer entra em metástase. Faço parte dos 2% azarados.
Sinto-me grato por ter recebido nove anos de boa saúde e produtividade desde o diagnóstico original, mas agora estou cara a cara com a morte. O câncer ocupa um terço do meu fígado e, apesar de ser possível desacelerar seu avanço, esse tipo específico não pode ser destruído.”
Sacks ainda fala de como pretende viver de agora em diante:
“Depende de mim agora escolher como levar os meses que me restam. Tenho de viver da maneira mais rica, profunda e produtiva que conseguir. Nisso, sou encorajado pelas palavras de um dos meus filósofos favoritos, David Hume, que, ao saber que estava também com uma doença terminal aos 65 anos, escreveu uma curta autobiografia em um único dia de abril de 1776. Ele chamou-a de “Minha Própria Vida”.
Ainda inspirado em Hume: “Tive sorte de passar dos oitenta anos. E os 15 anos que me foram dados além da idade de Hume foram igualmente ricos em trabalho e amor. Nesse tempo, publiquei cinco livros e completei uma autobiografia (um pouco mais longa do que as poucas páginas de Hume) que será publicada nesta primavera; tenho diversos outros livros quase terminados.”
Sacks conta que Hume, no texto citado acima escreve que era “um homem de disposição moderada, de temperamento controlado, de um humor alegre, social e aberto, afeito a relacionamentos, mas muito pouco propenso a inimizades, e de grande moderação em todas as paixões.” Relata a seguir que aí se distancia do filósofo: “apesar de desfrutar de relações amorosas e amizades e não ter verdadeiros inimigos, eu não posso dizer (e ninguém que me conhece diria) que sou um homem de disposições moderadas. Pelo contrário, sou um homem de disposições veementes, com entusiasmos violentos e extrema imoderação em minhas paixões.”
O médico conta ainda:
“Nos últimos dias, consegui ver a minha vida como a partir de uma grande altura, como um tipo de paisagem, e com uma sensação cada vez mais profunda de conexão entre todas suas partes. Isso não quer dizer que terminei de viver.
Pelo contrário, eu me sinto intesamente vivo, e quero e espero, nesse tempo que me resta, aprofundar minhas amizades, dizer adeus àqueles que amo, escrever mais, viajar se eu tiver a força, e alcançar novos níveis de entendimento e discernimento.
Isso vai envolver audácia, claridade e, dizendo sinceramente: tentar passar as coisas a limpo com o mundo. Mas vai haver tempo, também, para um pouco de diversão (e até um pouco de tolice).”
E continua: “Sinto um repentino foco e perspectiva nova. Não há tempo para nada que não seja essencial. Preciso focar em mim mesmo, no meu trabalho e nos meus amigos. Não devo mais assistir ao telejornal toda noite. Não posso mais prestar atenção à política ou discussões sobre o aquecimento global.
Isso não é indiferença, mas desprendimento – eu ainda me importo profundamente com o Oriente Médio, com o aquecimento global, com a crescente desigualdade social, mas isso não é mais assunto meu; pertence ao futuro. Alegro-me quando encontro jovens talentosos – até mesmo aquele que me fez a biópsia e chegou ao diagnóstico de minha metástase. Sinto que o futuro está em boas mãos.
Nos últimos dez anos mais ou menos, tenho ficado cada vez mais consciente das mortes dos meus contemporâneos. Minha geração está de saída, e sinto cada morte como uma ruptura, como se dilacerasse um pedaço de mim mesmo. Não vai haver ninguém igual a nós quando partirmos, assim como não há ninguém igual a nenhuma outra pessoa. Quando as pessoas morrem, não podem ser substituídas. Elas deixam buracos que não podem ser preenchidos, porque é o destino – o destino genético e neural – de cada ser humano ser um indivíduo único, achar seu próprio caminho, viver sua própria vida, morrer sua própria morte.”
E Oliver Sacks conclui seu texto:
“Não posso fingir que não estou com medo. Mas meu sentimento predominante é de gratidão. Amei e fui amado; recebi muito e dei algo em troca; li, viajei, pensei e escrevi. Tive uma relação com o mundo, a relação especial do escritor e leitor.
Acima de tudo, fui um ser sensível, um animal pensante nesse planeta maravilhoso e isso, por si só, tem sido um enorme privilégio e aventura.”
Texto originalmente publicado em: New York Times, em 19 de Fevereiro.

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