terça-feira, 4 de agosto de 2015

Longe da Ritalina: alternativas no tratamento do Transtorno do Déficit de Atenção

Na contracorrente da medicalização no combate à hiperatividade e ao déficit de atenção, as terapias orientais conquistam seguidores levando em conta a complexidade do indivíduo
O yoga possibilita uma melhora em relação à concentração; Além dos exercícios respiratórios, os asanas (posturas) vão sendo trabalhados a partir de uma história.
 Foto: Ricardo Fernandes/Arquivo DP/D.A
   O yoga possibilita uma melhora em relação à concentração; Além dos exercícios respiratórios, os asanas (posturas) vão sendo trabalhados a partir de uma história
Foto: Ricardo Fernandes/Arquivo DP/D.A Press
Distração, desatenção, agitação, impulsividade, esquecimento, desorganização. Características do transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) ou comuns às crianças? O processo de medicamentização das reações humanas, como tristeza, medo, insônia, chegou também à infância? A cada dia, aumenta o volume de diagnósticos e prescrições de drogas como alternativa para o controle de alterações orgânicas relacionadas ao funcionamento cerebral e do comportamento.
No best seller Saving normal, ainda inédito no Brasil, Allen Frances, um dos psiquiatras mais influentes do mundo, faz uma séria e urgente crítica à medicalização generalizada e a mais nova edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais-5 (DSM-5), a “bíblia da psiquiatria” que dirigiu durante anos. O médico adverte: a principal referência acadêmica da especialidade ampliou enormemente o número de transtornos patológicos e está convertendo milhões de pessoas normais em "pacientes mentais".
Em entrevista ao jornal El País, o psiquiatra confessa a incapacidade de reverter a ideia, construída pelos laboratórios, de que o transtorno psiquiátrico é algo muito comum e de fácil solução. “Não há evidência em longo prazo de que a medicação contribua para melhorar os resultados escolares. Em curto prazo, pode acalmar a criança, inclusive ajudá-la a se concentrar melhor em suas tarefas. Mas em longo prazo, esses benefícios não foram demonstrados”, afirma. Frances diz, inclusive, que está conduzindo um experimento em grande escala com crianças medicadas, porque ainda não se sabe que efeitos adversos esses fármacos podem ter com o passar do tempo.
"Assim como não nos ocorre receitar testosterona a uma criança para que renda mais no futebol, tampouco faz sentido tentar melhorar o rendimento escolar com fármacos", declara. A receita de Allen Frances é simples: a sociedade precisa aceitar as diferenças entre as crianças, elas não cabem em um molde de normalidade cada vez mais estreito. "É muito fácil fazer um diagnóstico errôneo, mas muito difícil reverter os danos que isso causa. Tanto no social como pelos efeitos adversos que o tratamento pode ter".
Concordando com o psiquiatra norte-americano, vem ganhando voz no mundo uma corrente crítica às terapias medicamentosas. "O próximo passo é conscientizar as pessoas de que remédio demais faz mal para a saúde", defende Frances, para quem caberia ao Ministério da Saúde difundir esta prática. Para profissionais como ele, o tratamento de patologias como TDAH devem ser observadas em sua complexidade e singularidade, já que podem ser causadas por fatores biológicos e sociais, com componentes ambientais, e, por isso mesmo, receber tratamentos alternativos capazes de ajudar na busca por mais serenidade, foco, concentração. Não por acaso, as terapias holísticas orientais vêm sendo “redescobertas” .
Desequilíbrio entre o yin e o yang
"Na medicina oriental, tratamos do todo, olhamos para a pessoa com uma lente grande angular... A mente do médico alopata é muito pequena", afirma o acupunturista Gustavo Sá Carneiro.
 
Foto: Juliana Leitão/Arquivo DP/D.A.Press
Formado em medicina pela Universidade de Pernambuco (UPE), membro da Associação Brasileira de Acupuntura e com cursos na Associação Francesa e na Academia de Medicina Tradicional Chinesa, em Pequim, o homeopata e acupunturista Gustavo Sá Carneiro não tem dúvidas de que é possível sim, tratar o TDHA sem oferecer a Ritalina ou Conserta (drogas derivadas da anfetamina que têm o Metilfenidato como principio ativo). "A medicina ocidental é imediatista, não vê o indivíduo como um todo, mas em partes. É um erro incrível. Na medicina oriental, tratamos do todo, olhamos para a pessoa com uma lente grande angular, uma 'olho-de-peixe'. A mente do médico alopata é muito pequena, muito autorreferente", queixa-se, apontando como alternativa a homeossiniatria, que integra dois sistemas terapêuticos complementares: a acupuntura e a homeopatia.
"Essas pessoas têm alterações de pulso correspondentes a determinados órgãos, o baço e o fígado, que levam a nutrição ao córtex cerebral. Falta sangue no córtex. Há um desequilíbrio entre o yin, que é a nutrição, e o yang, que é a distribuição, a manutenção da circulação do sangue. As células neurais recebem pouca nutrição, causando distração. As pessoas não se concentram direito. O tratamento para suprir essa deficiência atua nos pontos de tonificação do fígado e do baço e mantém esse nível estável", simplifica. Um hábito adotado pelo próprio médico também pode fazer parte da solução. Ele não usa celular ou computador. Alega que as ondas emitidas podem afetar o equilíbrio energético do corpo e o cansaço na visão, devido à grande exposição à luz. Para o médico, os olhos são a janela do fígado e a visão desgastada traz reflexos diretos ao órgão.
Segundo Sá Carneiro, o diagnóstico e o tratamento devem ser feitos a partir dos cinco anos de idade, quando o pulso da criança estabelece uma identidade, algo mais consciente. A anamnese avalia o indivíduo desde a vida uterina. "É preciso saber como a criança nasceu, acompanhar seu histórico, saber se a mãe foi saudável no período da gravidez, se sofreu uma queda ou teve infecções graves, estresse grande, depressão. O filho geralmente traz essa resposta. Ainda no útero, a criança pode passar por uma deficiência de serotonina", acrescenta, adiantando que o pulso da mãe também pode ser verificado "porque tem uma memória", explica.
A partir do diagnóstico, é estabelecida a terapia. "O tratamento é para a pessoa, não para a doença. É preciso verificar quais são as insuficiências, os excessos de cada órgão e fazer esse equilíbrio. É preciso prestar atenção à criança. O diagnóstico vai se consolidando durante o processo e esse movimento atrai novas medicações, todas exatas e muito pessoais. Acaba uma ação e começa outra, porque durante o tratamento, o pulso muda", explica. Para o especialista, o próprio corpo vai se organizando naturalmente e a pessoa descobre ela mesma um equilíbrio espontâneo. Segundo ele, o efeito é surtido nos sistemas neurais que fazem um outro tipo de aprendizagem, começando a sentir essas alterações a partir dos novos estímulos.
A alimentação também pode ter um papel fundamental nesse processo: quanto menos açúcar, melhor; crustáceos nunca, devendo ser evitados também carne de porco ou derivados, coco e chocolate. "O açúcar é muito quente, sobrecarrega o fígado, órgão mais quente do corpo, causa a hiperatividade do fígado e a criança fica completamente plena de calor, não dorme, fica desatenta. Gordura e fritura alteram o fígado e a vesícula", contraindica Sá Carneiro.
Os alimentos indicados são frutas, verduras, cereais, reservas de nutrição. Frutas, preferencialmente as cítricas. Os cereais ideais são arroz integral, grão-de-bico, lentilha e ervilha. Entre as carnes, as de boi, galinha (cozida e depois assada para acabar com os aditivos, antibióticos e hormônios) e peixe (de preferência de mar e escamas). O médico sugere ainda experimentar alimentos amargos como rabanete e escarola e explica: "O amargo agrupa e o açúcar amolece, embota os pensamentos".
Consciência do corpo pelo yoga
O yoga possibilita uma melhora em relação à concentração; Além dos exercícios respiratórios, os asanas (posturas) vão sendo trabalhados a partir de uma história.

Foto: Ricardo Fernandes/Arquivo DP/D.A Press    
O yoga possibilita uma melhora em relação à concentração; Além dos exercícios respiratórios, os asanas (posturas) vão sendo trabalhados a partir de uma história.
Foto: Ricardo Fernandes/Arquivo DP/D.A Press
Para as crianças a partir dos seis anos, ele orienta ainda o Yoga, como fez com os próprios filhos em busca de tranquilidade, concentração. No Recife, algumas clínicas e escolas oferecem a prática para o público infantil. Encantada pelos benefícios do Yoga em sua vida, a pedagoga, coordenadora pedagógica e psicomotricista relacional Tércia Pereira resolveu levar as aulas para dentro da escola. "Temos crianças com vários diagnósticos e é fato que o Yoga possibilita uma melhora em relação à concentração. Os exercícios respiratórios são uma grande oportunidade de parar, acalmar. Temos crianças autistas, com Síndrome de Down, sendo beneficiadas sim", garante a profissional do Colégio Apoio, zona norte do Recife.
As aulas, de meia hora, acontecem duas vezes por semana para alunos do segundo ciclo, a partir dos seis anos de idade. Os asanas, posturas que têm nomes de animais, plantas e elementos da natureza como montanha, lua, vão sendo trabalhados a partir de uma história. "As crianças vão se envolvendo e entrando nessa dinâmica e você vê de fato a evolução, um progresso muito interessante. A aceitação é muito forte. Eles se atraem de uma forma linda, diferente do adulto. Começamos com um trabalho respiratório, com a vibração do mantra do universo, entrando nessa sintonia", atesta, enfatizando que é possível lançar mão de outras alternativas para acalmar essa inquietação.
Entusiasmada, Tércia reflete que a prática atende a uma necessidade da criança de hoje: "Eles estão querendo essa parada. A gente está vivendo um mundo acelerado, mas que tira da criança o movimento corporal que é dela, desde a vida uterina. Elas são levadas à informatização muito cedo. Os jogos trazem essa coisa estressante. A maioria vive em apartamentos, tem uma demanda do corpo limitada, num espaço bem reduzido de possibilidades”. O Yoga, diz ela, traz de fato essa retomada de consciência de ter o momento para parar. Nas aulas, os alunos têm espaço para sentir a respiração, cada parte do corpo, numa proposta de meditação dosada com dinâmicas lúdicas e utilizando uma linguagem.
Na casa da administradora Mônica Remígio Rodrigues, o resultado foi percebido com clareza. Seus dois filhos, Mariana, de oito anos e Mário, de seis, mudaram o comportamento após as aulas. "Ele é agitado em tudo, inclusive no aprendizado. Não para o corpo, é super, hiperativo. Tem um raciocínio muito rápido. Hoje, quando se estressa, senta na posição de Yoga e começa a respirar. Já ela é mais calma, também adora a prática e ensina também em casa", conta a mãe, que percebe os efeitos positivos nos dois tipos de personalidade.
O papel da família, aliás, também é apontado por Tércia como fundamental em todo o processo. "É preciso que os pais brinquem com os filhos, extravasem essa energia que gera ansiedade. Mas, muitas vezes é apenas cobrado que as crianças fiquem quietas. As pessoas não têm tempo para nada, mas passam horas na frente do computador. Uma simples caminhada melhora intestino, a ansiedade, o sono. O comportamento da família mudando, vai trazer essa mudança também", enfatiza.
Aos mestres, cabem ainda alguns questionamentos para que essa mudança não precise passar pela medicação, mas também por uma pedagogia adequada e não tão focada na valorização do desempenho, na produtividade, nas exigências de competências multitarefas. "Trabalho em educação há 30 anos e é preocupante demais. Vamos ver o que é de fato indisciplina. Eles estão descobrindo as coisas. Claro que temos que educá-los, mas o papel do professor é muito importante dentro dessa perspectiva", alerta.
FONTE:
Patrícia Fonseca - Diário de Pernambuco
http://www.diariodepernambuco.com.br/app/noticia/vida-urbana/2015/08/03/interna_vidaurbana,589877/alternativas-as-drogas-no-tratamento-do-tdah.shtml

No Recife, a prática do yoga infantil é oferecida em alguns estúdios. Confira:
Clínica Movida Rua Samuel de Farias, 197, Casa Forte, Recife
Telefone: (81) 3267.5793
Sádhana Núcleo Cultural de Yoga
Rua das Graças, 178, Graças, Recife

Telefones: (81) 3077 3707