sábado, 22 de maio de 2010

ARTES AUTÍSTICAS


 Meu filho caçula que confirmou ser o companheiro que o nosso autista precisava, mesmo não sabendo, nem onde, nem quando - chegou-se a mim carinhosamente e perguntou: pai sabe o que é Dada, ou Dadaísmo? Encurralado por não saber, não tive tempo nem de por em prática uma estratégia de solução para a resposta, quando ele começou a dissertar:
Dada, ou Dadaísmo, pai, foi um movimento antiarte surgido em 1915 na Suíça, e que fez do deboche uma atitude filosófica, onde a proposta era a construção de algo. A negação de qualquer funcionalismo que a arte do convencional, dando sentido geral a tudo. Satirizando os artistas demonstravam uma revolta cultural e intelectual política.
As produções do Dadaísmo receberam a denominação de "ready-made" (arte com objeto já pronto), nas quais se destacaram vários artistas.
Meu bom Jesus! Não é possível, eu pensava, sentindo meus olhos arregalados. Agora tenho um filho versado em artes. Ou antiartes?
Entre a minha ignorância e o saber do meu filho eu estava chocado. Levei um verdadeiro baile de conhecimentos sobre Dada ou Dadaísmo.
Já ele, com uma arrogância de guerreiro infante orgulhoso por ter vencido uma batalha, observando o inimigo imobilizado com a ponta da lança no pescoço, voltou-se à porta e foi saindo devagar me deixando envergonhado, sem saída.
Ao sair, ainda brandiu sua língua ferina de saber falando: sabe pai, esse negócio de Dada ou Dadaísmo, é “pura arte autística”. Você também pode ver lá no museu que a escola nos levou.
Ops!
- Porque você diz que o que você viu lá é “pura arte autística filho?”.
- Ora pai, tem algumas pinturas expostas lá no museu, que são parecidas com as pinturas e desenhos do Dani.
- Têm algumas gravuras feitas com giz de cera e colagens que são praticamente iguais as que ele pinta e peças de artesanatos que faz.
Pasmo, pensei devagarzinho: bem feito, que lição merecida!
Como ninguém é obrigado a saber tudo fui até o museu, em busca de conhecimentos sobre o Dadaísmo.
Era uma exposição de colagens, fotos, pinturas, desenhos, gravuras, esculturas e publicações que ilustravam o desenvolvimento e o amadurecimento do Dadaísmo e do Surrealismo no século XX.
Entre os mais notáveis surrealistas estava Joan Miró, Joseph Cornell, Meret Oppenheim, Wifredo Lam, Remédios Varo e Yves Tanguy. Francisco Goya, Willian Blake e Paul Gauguin, entre outros, que se constituiriam nos precursores das vertentes que desaguaram na arte contemporânea.
Você que está me concedendo o amor da sua leitura, pode imaginar como eu estava me sentindo no meio daquelas obras de artistas dos dois movimentos, e que a estranha coincidência oferecia uma excepcional abrangência como registro e comprovação de teses autísticas que defendo, começando justamente na minha casa conversando com meu filho caçula...
Surpresa indescritível!
O movimento do Surrealismo procura estimular a imaginação, expandir os limites da consciência, absorver o inconsciente e o reino psicológico do irracional como o que se revela em alguns sonhos.
Os surrealistas encontraram exemplos de impulsos psicológicos do maravilhoso e do sobrenatural, em pinturas fantásticas dos séculos anteriores.
Ver e entender Dadaísmo e Surrealismo significa entrar no mistério da arte em que, pela primeira vez, a questão racional e conceitual sobrepuja a habilidade física e formal.
Ambos tecem uma filosofia própria e um estilo de vida especial para os seus membros.
Em cada desenho, traço, colagem, foto, pintura, gravura, escultura que eu vi na exposição, vislumbrava um trabalho do meu filho autista.
As artes daqueles artistas são chamadas de dadaístas e surrealistas.
A diferença ou semelhança do estilo de trabalho das artes do meu filho é que são chamadas de coisas de autista.
Saí do museu com as maçãs do rosto assadas, de tanto esfregar o lenço enxugando lágrimas geradas por forte emoção e pelo extraordinário encontro com imagens, que um dia eu julgara serem produtos de marcas psicológicas perturbadoras do meu filho.
A outra grande emoção também foi descobrir que o meu filho caçula distinguia e sabia do valor consciencial do Autismo, mesmo com o tema jamais ter sido discutido com ele, além do contágio pelas atitudes do irmão ser portador da síndrome.
Tenho uma amiga na Comunidade Autista do Brasil, que fez pós-graduação em Arteterapia por que, como artista plástica, sabe do poderoso instrumento pedagógico que é a arte.
Ela tem um neto autista. Ela é um destes espíritos missionários que eu chamo de “mãe excepcional”.
Ela entende arte como um elemento importante para desenvolvimento da autoestima e da criatividade, ambos os elementos primordiais para uma vida... Feliz!
Ela sente que os autistas precisam entender regras sociais sim.
Precisam aprender os conteúdos pedagógicos da escola sim (e as atividades artísticas também podem ser preciosas auxiliares nesses aprendizados), mas, mais importante ainda: precisam aceitar a si próprios, e precisam ser estimulados a serem criativos.
Por que os autistas precisam ser ensinados a serem felizes, afirma!
Pensamos que a arte dos autistas complementa nossa orientação, pois é sugestivo e em sua maioria é de conteúdo bonito, exigente, inovador, solidário e afetivo.
É extraordinário como o autista faz bem essa conexão entre arte, reflexão, produção textual, sensibilidade, inserção, utopia...
A beleza das artes dadaísticas carregadas de influências, ressurgem um século depois de acontecerem, nas artes autísticas que nossos filhos pintam, desenham e esculpem, com ares impressionistas, trazidos das vanguardas surrealistas.
Essa história é um alerta para filtrarmos o que enviamos para nossa mente e perguntar se ela não distingue o real da fantasia, o certo do errado, ou simplesmente grava e cumpre o que lhe enviam como é convencionado para os autistas?
Observem os "artistas" que vocês têm em casa disfarçados de autistas.
Seriam surrealistas ou dadaístas?
Seriam autistas aqueles artistas?