quarta-feira, 2 de junho de 2010

Diário de uma Mãe de Autista


“Domingo de outono, meu filho já fez xixi no sofá duas vezes quando já pensava ter superado esta fase, mas elas voltam. Torno a gritar, brigar, colocá-lo de castigo. Mas ele entende? Ele atende o pedido de um beijo, comandos simples, mas porque é tão difícil aprender como pedir para ir ao banheiro?Já não faz mais xixi na roupa. Na rua, segura o esfíncter o máximo que pode até aliviá-lo em um banheiro que se sinta seguro e confortável. Em casa, despe-se todo e tenho que ter a sorte de presenciar este momento para que não ocorra o que hoje sucedeu.No autismo é assim: fases superadas por outras crianças não são etapas definitivamente ultrapassadas. Elas retornam como fantasmas: a insônia, o descontrole esfincteriano, as birras. Os pais são eternos vigilantes do comportamento de seus filhos. Não podemos relaxar, pelo menos não enquanto estamos sozinhos no comando.Clamamos por um tempo de sossego, nada para fazer, nenhum sobressalto. Bendito os avós, professores e demais cuidadores que nos aliviam um pouco desta árdua tarefa. Sabemos que é reconfortante o abraço e o sorriso inocente destes pequenos, mas hoje falo da dor e do cansaço que aflige os pais de crianças especiais. Peço que reflitam comigo, é necessária a pausa para nos reencontrarmos com nossa essência: como somos, do que gostamos, o que nos faz feliz. Isto nos dá força para enfrentar um novo dia.Voltei a dançar. Dancei por dez anos e parei o mesmo tempo. Hoje redescobri o prazer de movimentar meu corpo ao som da música. Alongar, soltar, sonhar com o desejo antigo de ser bailarina. Só sonhar. Já basta.Dance, pinte, escreva. Não perca o contato consigo mesmo, e assim, na próxima dificuldade que a doença de seu filho lhe impuser, respire fundo, faça o que tiver que ser feito e aguarde ansiosamente pelo seu momento de recompensa interior.

Silvia Sperling.”
Foto: Arquivo Pessoal