Hoje, estima-se que uma em cada cem crianças
apresenta o transtorno. Há 15 anos, os dados indicavam um caso em cada 2.000
crianças. Ainda que os critérios de diagnóstico tenham mudado, os especialistas
reconhecem que houve aumento do número absoluto de casos.
Políticas em saúde mental infantil são uma
preocupação relativamente recente, mesmo com índices crescentes de transtornos
em crianças e adolescentes. Neste ano, importantes conquistas foram obtidas em
termos legais, e a perspectiva de que o tratamento oferecido pelo Estado
contemple abordagens psicológicas distintas é cada vez maior, o que configura
enorme progresso.
Alguns desses avanços resultaram também da
iniciativa de psicanalistas que se mobilizaram para tornar o autismo pauta do
dia e para impedir que o seu método deixasse de ser utilizado nos Centros de
Atenção Psicossocial (Caps), sob o argumento da "falta de
cientificidade".
Em São Paulo, o Movimento Psicanálise, Autismo e
Saúde Pública (MPASP) é um dos mais importantes no comando dessa iniciativa,
dirigindo-se aos profissionais e aos gestores públicos da saúde a fim de
incentivar a pluralidade de abordagens científicas e a oferta de um tratamento
interdisciplinar das pessoas com autismo e suas famílias.
Apesar disso, chama a atenção como as grandes
mídias ignoram a psicanálise, que tem, sim, muito a contribuir em termos de
diagnóstico e tratamento. Programas televisivos recentes não disponibilizaram à
população um rol completo de informações sobre o tema, enfocando apenas uma das
formas de compreender o transtorno.
A perspectiva psicanalítica é uma valiosa abordagem
para uma gama enorme de transtornos psíquicos e com o autismo não é diferente.
Seu instrumental clínico possui reconhecimento em diversos centros de cuidado e
deve ser integrado em nossas políticas públicas de saúde.
Sobre os métodos de tratamento, o que mais se vê em
reportagens sobre o tema é o comportamental, com abordagens em torno de
"dar independência" à criança, ensinar tarefas simples e
"controlar a agressividade". Raramente se fala sobre o tratamento ter
como foco a criança e seu bem-estar, simples assim.
A ênfase na necessidade de a criança autista se
enquadrar em um modelo de comportamento tido como normal prevalece, deixando de
lado a busca pelos sentidos que os sintomas expressam e que ajudam a
compreender o papel da doença não apenas para a criança, mas também para a sua
família.
A psicanálise compreende que o autismo está ligado
a uma dificuldade de a criança se relacionar com a outra pessoa como um outro.
E daí surgem consequências como os rituais autísticos, cuja função é manter o
seu isolamento e impedir as trocas sociais.
Um aspecto central é a importância do diagnóstico
precoce. Quanto mais cedo o transtorno é identificado, melhores os resultados
do tratamento, já que é possível evitar que modos desviantes de funcionamento
se cristalizem.
Em relação ao tratamento, o método psicanalítico se
ocupa da estrutura mental e é pensado para trazer a criança para o contato,
reduzir seu isolamento. Ainda que ela pareça muitas vezes estranha e
inacessível, o que se busca é encontrá-la onde ela estiver e trazê-la ao
convívio.
A Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo,
que conta com dois grupos de estudos integrantes do MPASP, reconhece a
complexidade do assunto, estimula o diálogo com outras abordagens e contribui
na articulação de novas propostas para a saúde pública infantil.
Ignorar a psicanálise como método para detecção e
tratamento do autismo é privar as famílias de um instrumental científico que
pode, em muito, abreviar o caminho para um diagnóstico definitivo e
proporcionar um tratamento de qualidade.
FONTE:
NILDE JACOB PARADA FRANCH, 77, é presidente da
Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário