sexta-feira, 5 de abril de 2013

HOJE É TUDO AZUL


No Dia Mundial da Conscientização sobre o Autismo, 
a Ciência Hoje traz um breve panorama sobre o 
transtorno no Brasil.
Caracterizado por dificuldades de comunicação e interação social,
o autismo atinge 1 a cada 88 crianças nos Estados Unidos.
No Brasil, não há dados precisos sobre a incidência do distúrbio.
(foto: Carlos Lorenzo/ Flickr – CC BY-NC-ND 2.0)
Dayan tem apenas oito anos e se aproxima de um grupo de crianças em um parque. Imediatamente, as mães das outras crianças retiram seus filhos do local e o menino fica só. Motivo? Dayan tem autismo. Para evitar situações como essa, a Organização das Nações Unidas (ONU) tornou 2 de abril o Dia Mundial da Conscientização sobre o Autismo.
A data é celebrada em diversos países e busca diminuir o preconceito contra pessoas com o transtorno. Nesse dia, vários monumentos e prédios ao redor do mundo – entre eles, o Cristo Redentor – são iluminados pela cor azul, que representa o autismo. O distúrbio é caracterizado por dificuldades de interação social, comunicação e comportamentos estereotipados.
No Brasil, há muitos motivos para comemorar. Um deles é resultado da indignação de Berenice Piana, mãe de Dayan, com o descaso da legislação brasileira perante as pessoas com autismo. Uma década depois da cena do parquinho e após três anos de idas e vindas entre sua casa em Itaboraí e o Senado Federal em Brasília, o governo decretou, em dezembro de 2012, a lei Berenice Piana, que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista.
Após três anos de idas e vindas ao Senado Federal, Berenice Piana, mãe de Dayan,
conseguiu que fosse decretada uma lei para proteger os direitos de pessoas com autismo.
(foto cedida por Berenice)
     Após três anos de idas e vindas ao Senado Federal, Berenice Piana, mãe de Dayan, conseguiu que fosse decretada uma lei para proteger os direitos de pessoas com autismo. (foto cedida por Berenice)
     A lei aborda questões debatidas por Berenice e outros pais de pessoas com autismo e, entre elas, está a inclusão de alunos com autismo no ensino regular. Além disso, os pacientes passam a ter direito a tratamento multiprofissional, diagnóstico precoce e acesso a medicamentos. “O Brasil tem aproximadamente 2 milhões de indivíduos com autismo e muitos não têm acesso à saúde e educação”, diz Berenice. “A solução para o autismo tem que ser para todos ou não é a solução possível.”
Incidência crescente?
     No Brasil, há poucos estudos sobre a incidência de autismo e as informações são inexatas. No entanto, dados do Centro para Controle de Doenças e Prevenção mostram que o autismo afeta 1 a cada 88 crianças nascidas nos Estados Unidos e sua ocorrência teve um aumento de 23% entre 2009 e 2012.
     Os números assustam, mas ao mesmo tempo geram a dúvida: será que a quantidade de pessoas com autismo está realmente aumentando ou a maior incidência se deve a um diagnóstico mais preciso?
     Segundo a neurocientista Carmem Gottfried, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e integrante do Grupo de Estudos do Transtorno do Espectro do Autismo (GETEA), as duas possibilidades andam juntas: “O diagnóstico clínico é mais preciso hoje em dia, mas fatores de risco como estresse materno, homens com idade avançada tendo filhos e o uso de certos medicamentos durante a gravidez também aumentam a incidência”, avalia.
Estresse materno, homens com idade avançada tendo filhos e o uso de certos medicamentos durante a gravidez aumentam a incidência
     Um dos fatores de risco é o consumo de ácido valproico durante a gravidez. Usado contra epilepsia e alterações de humor, o medicamento pode levar o embrião humano a desenvolver autismo. “O mesmo ocorre com ratas prenhes que, quando são administradas com ácido valproico, têm filhotes com características comportamentais e biológicas semelhantes às encontradas no autismo”, completa a pesquisadora.
Estresse materno, homens com idade avançada tendo filhos e o uso de certos medicamentos durante a gravidez aumentam a incidência
     O modelo de autismo induzido por ácido valproico tornou-se uma boa estratégia para o estudo do distúrbio. A partir dele, Gottfried decidiu pesquisar a origem do autismo em uma fonte inusitada: o sistema imunológico. “Há 70 anos a ciência estuda o cérebro do paciente com autismo e ninguém conhece a causa do transtorno porque pode estar olhando para o alvo errado”, cogita.
     Ainda em andamento, a pesquisa já trouxe frutos. Ratas prenhes que receberam ácido valproico e que provavelmente teriam filhotes com características autistas foram tratadas com resveratrol – substância com propriedades antioxidantes e anti-inflamatórias encontrada em cascas e sementes de uva –, que aparentemente preveniu o quadro. “Os filhotes nasceram sem alterações comportamentais, o que abre portas para conhecer as causas do autismo e estudar novas possibilidades de tratamento”, diz Gottfried.
    Desconhecer a causa do autismo também prejudica o diagnóstico do distúrbio. De acordo com o neuropediatra Rudimar Riesgo, professor da UFRGS e também integrante do GETEA, a identificação da doença é feita somente pelo exame clínico, o que pode provocar um diagnóstico tardio. “O diagnóstico é artesanal e não existe exame laboratorial que identifique o autismo”, diz.
     Riesgo: “Há um período que funciona como uma janela, quando o tratamento é mais eficaz. É preciso descobrir o autismo enquanto a janela ainda está aberta”
     Riesgo explica que, após a identificação do autismo, o tratamento se limita aos sintomas que atrapalham o cotidiano do paciente: agressividade, ansiedade e, às vezes, epilepsia. Mas, ainda que não existam medicamentos específicos, quanto mais cedo o autismo for descoberto, melhor. “Há um período que funciona como uma janela, quando o tratamento é mais eficaz. É preciso descobrir o autismo enquanto a janela ainda está aberta”, diz.
     “Há um período que funciona como uma janela, quando o tratamento é mais eficaz. É preciso descobrir o autismo enquanto a janela ainda está aberta”
     O próprio neuropediatra coordena pesquisas que buscam melhorar o diagnóstico do autismo. Em uma delas, Riesgo aplica testes que avaliam a inteligência de pacientes com autismo que não falam. “É difícil conhecer as habilidades de uma criança que não fala e estamos avaliando testes não-verbais que facilitam essa interação”, explica.
     Comemorações brasileiras
     Há ainda mais um motivo para comemorar o dia mundial do autismo no Brasil. Em junho, pesquisadores brasileiros irão lançar a primeira revista especializada em análise comportamental do autismo. “Será um periódico de acesso livre com artigos sobre comportamento, socialização e ensino de pessoas com autismo”, explica Celso Goyos, psicólogo da Universidade Federal de São Carlos e editor-chefe da revista.
Assim como no ano passado, diversos locais foram iluminados de azul em abril de 2013.

NA LITERATURA E NO CINEMA

Para saber mais sobre o autismo, confira o livro Nascido em um dia azul, 
escrito por um autor com o transtorno.
Há também filmes como o premiado Rain Man e animações pouco conhecidas como Mary e Max – uma amizade diferente e o curta-metragem francês baseado em fatos reais Meu irmãozinho da lua, que pode ser conferido abaixo com legendas em espanhol.
Por: Mariana Rocha