terça-feira, 8 de abril de 2014

Pesquisador enfoca bioquímica do autismo


Ricardo E. Dolmetsch pretende desenvolver novas terapias







 O bioquímico Ricardo E. Dolmetsch lidera uma grande mudança nas pesquisas sobre autismo, deixando de lado questões comportamentais para enfocar a biologia e a bioquímica celular. Dolmetsch, 45, fez a maior parte de suas pesquisas na Universidade Stanford, na Califórnia, mas tirou licença para trabalhar no Instituto Novartis de Pesquisas Biomédicas, em Cambridge, Massachusetts.
As empresas farmacêuticas possuem recursos financeiros e organizacionais que me permitem fazer coisas que, como acadêmico, não estariam ao meu alcance”, explicou. “Quero realmente encontrar um medicamento.”
Abaixo, uma versão condensada da entrevista feita com Dolmetsch.
P. Você começou sua vida profissional estudando a bioquímica do autismo?
R. Não. No pós-doutorado, fiz pesquisas básicas sobre os canais iônicos nas membranas celulares. Então, por volta de 2006, meu filho, que tinha quatro anos na época, recebeu o diagnóstico de autismo. Já suspeitávamos disso. Ele fazia várias coisas que eram muito incomuns.
P. Em vista dos sinais, por que você esperou tanto tempo para buscar um diagnóstico?
R. Pensava que meninos eram assim mesmo. Depois de algum tempo, os professores dele disseram: “Vocês deveriam levá-lo a um médico”.
Descobri que o autismo é uma série de doenças. Após muitos meses confusos, finalmente ouvimos o diagnóstico “autismo”. Minha reação imediata foi: “Vou fazer tudo para ajudá-lo”.
Descobrimos então que não havia muitas coisas médicas que pudessem ser feitas. Há abordagens comportamentais que podem melhorar as coisas, mas nenhuma delas é uma cura. A partir do momento em que entendemos isso, comecei a mudar o rumo de meu laboratório para direcioná-lo a estudos sobre autismo e doenças do desenvolvimento neural.
P. Então o destino escolheu o tema de suas pesquisas?
R. Não acredito no “destino”. Houve motivação. Comecei a ler e percebi que a grande mudança isolada que poderia fazer avançar as pesquisas sobre autismo era a revolução genética. Porque, com ela, hoje podemos identificar mutações genéticas associadas às doenças do desenvolvimento neural.
Existem cerca de 800 mutações diferentes associadas ao autismo. O que falta, na maioria dos casos, é uma compreensão do que fazem essas mutações, para que então possamos alterar a biologia molecular das células do sistema nervoso para fazer com que funcionem mais normalmente. Para obter os melhores resultados, é preciso estudar tecidos humanos.
Isso me fez pensar no câncer, no qual houve uma revolução no tratamento. No caso do câncer de mama —que, como o autismo, não é uma só doença—, o tumor é molecularmente caracterizado para ajudar os oncologistas a entender qual câncer você tem e que tipo de tratamento funcionará contra ele. Poderíamos encontrar algo semelhante para as doenças do desenvolvimento neural?
P. Não há como obter amostras de tecido cerebral de crianças autistas vivas. Esse é um obstáculo?
R. Sim. Mas há como contornar o problema. Shinya Yamanaka (que recebeu o Prêmio Nobel em 2012) reprogramou células dermatológicas humanas para que se tornassem células-tronco e, assim, células de vários outros tipos, incluindo as células do sistema nervoso. Graças a ele, hoje podemos fazer neurônios que se parecem com os neurônios de um embrião humano. Se pudéssemos pegar células da pele de uma criança autista e convertê-las em neurônios, poderíamos entender o tipo de autismo que a criança tem e que tratamentos químicos poderiam ajudá-la.
P. Você faz trabalho em campo com pacientes reais. Por que?
R. É possível obter muitas informações conversando com os pais de pacientes. Estou convencido de que a pesquisa é mais eficaz quando partimos dos pacientes. Outra coisa é que o encontro com as famílias é motivador. Há uma diferença enorme entre trabalhar sobre alguma espécie de mutação e realmente encontrar uma pessoa afetada por essa mutação.
Fonte:


Por CLAUDIA DREIFUS

Ciência 07.04.2014

Estudo avalia sensibilidade de protocolo na detecção de autismo



Por Karina Toledo

Agência FAPESP – Um estudo em andamento no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IP-USP) busca avaliar se um instrumento conhecido como Indicadores Clínicos de Risco para o Desenvolvimento Infantil (IRDI) pode ajudar profissionais de saúde da atenção básica a identificar sinais iniciais associados a transtornos do espectro do autismo (TEA).
Resultados preliminares da pesquisa, coordenada pelo professor do IP-USP Rogerio Lerner no âmbito de um acordo de cooperação entre a FAPESP e a Fundação Maria Cecília Souto Vidigal (FMCSV), foram apresentados durante o I Seminário de Pesquisas sobre Desenvolvimento Infantil, realizado em março na FAPESP .
“Os resultados são bastante promissores no sentido de indicar a sensibilidade do IRDI a quadros de autismo. Nossa amostra ainda é pequena, mas estamos trabalhando para aumentá-la”, afirmou Lerner.
O protocolo IRDI foi desenvolvido entre os anos de 2000 e 2008 pela equipe multicêntrica de especialistas que integraram o Grupo Nacional de Pesquisa (GNP). Coordenada pela professora do IP-USP Maria Cristina Machado Kupfer, a pesquisa foi realizada a pedido do Ministério da Saúde e contou com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da FAPESP.
Com base em pressupostos teóricos psicanalíticos sobre a constituição psíquica de crianças com até 36 meses, o grupo desenvolveu e validou 31 indicadores clínicos para a detecção de sinais iniciais de problemas psíquicos do desenvolvimento infantil observáveis nos primeiros 18 meses de vida.
“O IRDI foi requerido pelo Ministério da Saúde para ser incorporado na caderneta da criança e servir de apoio a pediatras e demais profissionais da atenção básica nas consultas de puericultura. Foram listados 31 indicadores de saúde, que expressam situações favoráveis ao desenvolvimento do bebê. A ausência de um ou mais indicadores pode sinalizar problemas de desenvolvimento”, explicou Lerner.
O protocolo é um dos instrumentos presentes nas Diretrizes de Atenção à Reabilitação da Pessoa com Transtornos do Espectro do Autismo do Ministério da Saúde, acessível pelo link http://www.pessoacomdeficiencia.gov.br/app/viver-sem-limite/nova-cartilha-2013.
O instrumento é composto por itens que podem ser observados e obtidos por meio de perguntas como: “A criança procura ativamente o olhar da mãe?”, “A criança reage (sorri, vocaliza) quando a mãe ou outra pessoa se dirige a ela?" e “Durante os cuidados corporais, a criança busca ativamente jogos e brincadeiras amorosas com a mãe?”.
Embora o IRDI tenha sido concebido visando ao contexto de promoção universal da saúde e não tenha a finalidade de diagnosticar uma doença específica, esta pesquisa do IP-USP (uma dentre várias envolvendo o instrumento) busca verificar se ele teria sensibilidade para discriminar quadros de autismo, o que seria vantajoso do ponto de vista de saúde pública, afirmou Lerner.
“Temos instrumentos específicos para o diagnóstico de autismo, mas, se pensarmos em escala populacional, é melhor ter instrumentos inespecíficos com sensibilidades conhecidas. Imagine a dificuldade de aplicar em uma população de 200 milhões de habitantes um instrumento diferente para cada condição que pode acometer a criança”, ponderou.
Grupo de risco
Até agora os pesquisadores da USP aplicaram o protocolo em um grupo de 40 crianças de até 18 meses – sete consideradas com risco de autismo em decorrência de aplicação de um instrumento para tal rastreamento e 33, do grupo controle.
“A ideia é verificar se o instrumento é capaz de destacar as crianças com risco de autismo das demais. Nós buscamos avaliar irmãos de crianças que já têm o diagnóstico, pois a doença é de alta herdabilidade. A chance de nascer um bebê com o transtorno em uma família que já tem uma criança com autismo pode chegar a 20 vezes à de uma família sem casos anteriores”, explicou Lerner.
A pesquisa vem sendo realizada em unidades da Secretaria Municipal de Saúde de Embu, no Hospital Universitário da USP, no Ambulatório de Autismo do Instituto de Psiquiatria (IPq) da USP, no Centro de Referência da Infância e Adolescência da Universidade Federal de São Paulo (Cria-Unifesp) e em 13 Centros de Atenção Psicossocial à Infância (Capsi) do município de São Paulo.
“Os resultados são ainda preliminares, mas muito promissores. Temos observado que, quando a criança apresenta um risco que não é relacionado ao desenvolvimento de autismo no futuro, ela tem pouco indicadores ausentes. Quando o risco está associado a um quadro de autismo, o número de indicadores ausentes é muito maior”, contou Lerner.
O pesquisador ressaltou, no entanto, que a amostra avaliada ainda não é suficiente para mensurar em termos estatísticos um índice de sensibilidade do instrumento. O objetivo do grupo é aplicar o IRDI em pelo menos 30 crianças com risco de autismo.
Ainda segundo Lerner, a pesquisa também teve o objetivo de usar o IRDI para sistematizar uma proposta de educação permanente de profissionais de enfermagem de unidades básicas de saúde e agentes comunitários do então Programa de Saúde da Família (PSF) – atualmente Estratégia Saúde da Família (ESF) – para a detecção, em consultas de rotina, de sinais iniciais de problemas do desenvolvimento.
“A reação desses profissionais de saúde ao IRDI tem sido muito boa. Eles referem que o protocolo ajudou a entender sinais que já observavam, mas não conseguiam dar significado, pois não compreendiam a importância deles para o desenvolvimento infantil. Quando o profissional tem esse conhecimento, adquire condições de fazer uma orientação para o desenvolvimento do bebê”, disse Lerner.
A ideia, segundo o pesquisador, é que, caso seja detectado um sinal inicial de problema, uma avaliação mais aprofundada seja feita pelo profissional da atenção básica. Se for observada uma condição adversa ao desenvolvimento do bebê, a família deve ser encaminhada para uma intervenção precoce. “Não é preciso chegar a um diagnóstico consolidado para iniciar a intervenção”, defendeu Lerner.
Parte dos dados levantados até o momento foi divulgada em artigos publicados nas revistas Psicologia: Ciência e Profissão e Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental.
FONTE:
http://agencia.fapesp.br/18878