sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

SINCERICÍDIO


Outdoor em Curitiba - segunda-feira (30/11) Foto: Thais Kaniak/G1
O uso ilimitado das redes sociais a meu ver está sugerindo a substituição do relacionamento humano, pensei, depois que na madrugada do último dia do novembro molhado de Curitiba, recebi na minha fanpage a postagem de um outdoor pedindo o “fim de privilégios para deficientes”, assinado pelo “Movimento Pela Reforma de Direitos" – MRD.
Não me assustei, embora tenha arregalado os olhos para encontrar no texto a razão da piada, já que a sigla do movimento sugere mau cheiro e nada daquilo era risível.  Deve ser coisa de algum composto orgânico envelhecido, pensei. Um desses infelizes que gostam de boiar sobre tragédias.
A perplexidade, desrespeitosa e discriminatória do MRD, de tão categórica, machucou moralmente, um universo impossível de se medir de pessoas com deficiência, pais de autistas ou não, redes sociais da própria prefeitura de Curitiba, professor de publicidade amparado no Código de Ética do CONAR, entidades afins, autoridades, instituições e até políticos que surfaram na onda repudiaram. Para eles ainda é difícil crer que o eleitor já saiba saber votar.
O outdoor fez lembrar determinismos genéticos recentes dos seus autores que tem menos chances de ser felizes. Quem sabe a “criação especial” podia se encaixar como bullying coletivo, com embasamento tão convincente que todos concordariam com a pegadinha questionável do ponto de vista de autoridades que a autorizaram.
Curitiba ficou muito entristecida quando descobriu que alguns dos seus gênios da publicidade, além de especialistas em preconceitos infames, tiveram defesa em preciosos minutos de TV em rede nacional e farta mídia impressa para justificar o erro cometido pela pegadinha que o tal de MRD fez, pagos por nós curitibanos, que vistos discutidos e relatados seus efeitos não passaram de um tiro no pé.
Muitos curitibanos estão saindo de casa pela manha sem tomar café, e talvez não almoce porque seus ganhos se esvaem nas passagens de ônibus que um dia já foram bons. Caminha por uma rua e talvez não chegue à próxima esquina com as pernas inteiras pelo risco que corre enfrentando as calçadas ruins.
Muitos curitibanos começam a falar e possivelmente não consiga concluir o que pretende dizer por que não tem porta-voz.  Então, quando ouvimos que essa campanha vai continuar... É para levar a sério?
Pais de pessoas com deficiência, autistas ou não, antes de qualquer ato eles refletem, não fazem escolhas intuitivas. Reavaliam decisões por mais simples que sejam para trocar de caminho, pois já descobriram no fundo da alma que ninguém é o mesmo para sempre.
Afirmo que a peça que pediu o “fim de privilégios para os deficientes” foi lamentável. A Prefeitura vem respondendo as críticas dizendo que quem criou a campanha foram os próprios integrantes do Conselho da Pessoa com Deficiência.
Por isso, muitos recalques da vida estão sendo levados para as redes. Mensagens subliminares, falar mal disso ou daquilo nas redes sociais é péssimo, mesmo parecendo legal. O que a Prefeitura conseguiu com essa campanha foi causar mal-estar e questionamento de direitos das pessoas que mais necessitam dela.
Às vezes cometemos o sincericídio que é aquilo que a gente revela, mas não deveria, a exemplo dessa campanha que mais destruiu, e que por definição inconfessável ao invés de agregar, os resultados são muito ruins politicamente, pois, se a intenção inicial era chocar para depois apoiar os direitos dos deficientes, forneceu mais munição para os adversários políticos.
Por aí se percebe também que Curitiba independentemente das intensas chuvas dos últimos tempos, deriva há muito tempo... Abdicou de ser exemplo para outras cidades.
Triste constatação de uma cidade que até pouco tempo já foi SORRISO.
Nilton Salvador
       rosandores@gmail.com              
http://autismovivenciasautisticas.blogspot.com.br