No Dia Mundial da Conscientização sobre o Autismo,
a Ciência Hoje traz um breve panorama sobre o
transtorno no Brasil.
Dayan tem apenas oito anos e se aproxima de um grupo
de crianças em um parque. Imediatamente, as mães das outras crianças retiram
seus filhos do local e o menino fica só. Motivo? Dayan tem autismo. Para evitar
situações como essa, a Organização das Nações Unidas (ONU) tornou 2 de abril o
Dia Mundial da Conscientização sobre o Autismo.
A data é celebrada em diversos países e busca
diminuir o preconceito contra pessoas com o transtorno. Nesse dia, vários
monumentos e prédios ao redor do mundo – entre eles, o Cristo Redentor – são
iluminados pela cor azul, que representa o autismo. O distúrbio é caracterizado
por dificuldades de interação social, comunicação e comportamentos
estereotipados.
No Brasil, há muitos motivos para comemorar. Um
deles é resultado da indignação de Berenice Piana, mãe de Dayan, com o descaso
da legislação brasileira perante as pessoas com autismo. Uma década depois da
cena do parquinho e após três anos de idas e vindas entre sua casa em Itaboraí
e o Senado Federal em Brasília, o governo decretou, em dezembro de 2012, a lei
Berenice Piana, que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da
Pessoa com Transtorno do Espectro Autista.
Após três anos de idas e vindas ao Senado Federal, Berenice Piana, mãe de Dayan, conseguiu que fosse decretada uma lei para proteger os direitos de pessoas com autismo. (foto cedida por Berenice) |
Após três anos de idas e vindas ao Senado Federal,
Berenice Piana, mãe de Dayan, conseguiu que fosse decretada uma lei para
proteger os direitos de pessoas com autismo. (foto cedida por Berenice)
A lei aborda questões debatidas por Berenice e
outros pais de pessoas com autismo e, entre elas, está a inclusão de alunos com
autismo no ensino regular. Além disso, os pacientes passam a ter direito a
tratamento multiprofissional, diagnóstico precoce e acesso a medicamentos. “O
Brasil tem aproximadamente 2 milhões de indivíduos com autismo e muitos não têm
acesso à saúde e educação”, diz Berenice. “A solução para o autismo tem que ser
para todos ou não é a solução possível.”
Incidência crescente?
No Brasil, há poucos estudos sobre a incidência de
autismo e as informações são inexatas. No entanto, dados do Centro para
Controle de Doenças e Prevenção mostram que o autismo afeta 1 a cada 88
crianças nascidas nos Estados Unidos e sua ocorrência teve um aumento de 23%
entre 2009 e 2012.
Os números assustam, mas ao mesmo tempo geram a
dúvida: será que a quantidade de pessoas com autismo está realmente aumentando
ou a maior incidência se deve a um diagnóstico mais preciso?
Segundo a neurocientista Carmem Gottfried,
professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e integrante do
Grupo de Estudos do Transtorno do Espectro do Autismo (GETEA), as duas
possibilidades andam juntas: “O diagnóstico clínico é mais preciso hoje em dia,
mas fatores de risco como estresse materno, homens com idade avançada tendo
filhos e o uso de certos medicamentos durante a gravidez também aumentam a
incidência”, avalia.
Estresse materno, homens com idade avançada tendo
filhos e o uso de certos medicamentos durante a gravidez aumentam a incidência
Um dos fatores de risco é o consumo de ácido
valproico durante a gravidez. Usado contra epilepsia e alterações de humor, o
medicamento pode levar o embrião humano a desenvolver autismo. “O mesmo ocorre
com ratas prenhes que, quando são administradas com ácido valproico, têm
filhotes com características comportamentais e biológicas semelhantes às
encontradas no autismo”, completa a pesquisadora.
O modelo de autismo induzido por ácido valproico
tornou-se uma boa estratégia para o estudo do distúrbio. A partir dele,
Gottfried decidiu pesquisar a origem do autismo em uma fonte inusitada: o
sistema imunológico. “Há 70 anos a ciência estuda o cérebro do paciente com
autismo e ninguém conhece a causa do transtorno porque pode estar olhando para
o alvo errado”, cogita.
Ainda em andamento, a pesquisa já trouxe frutos.
Ratas prenhes que receberam ácido valproico e que provavelmente teriam filhotes
com características autistas foram tratadas com resveratrol – substância com
propriedades antioxidantes e anti-inflamatórias encontrada em cascas e sementes
de uva –, que aparentemente preveniu o quadro. “Os filhotes nasceram sem
alterações comportamentais, o que abre portas para conhecer as causas do
autismo e estudar novas possibilidades de tratamento”, diz Gottfried.
Desconhecer a causa do autismo também prejudica o
diagnóstico do distúrbio. De acordo com o neuropediatra Rudimar Riesgo,
professor da UFRGS e também integrante do GETEA, a identificação da doença é
feita somente pelo exame clínico, o que pode provocar um diagnóstico tardio. “O
diagnóstico é artesanal e não existe exame laboratorial que identifique o
autismo”, diz.
Riesgo: “Há um período que funciona como uma janela,
quando o tratamento é mais eficaz. É preciso descobrir o autismo enquanto a
janela ainda está aberta”
Riesgo explica que, após a identificação do autismo,
o tratamento se limita aos sintomas que atrapalham o cotidiano do paciente:
agressividade, ansiedade e, às vezes, epilepsia. Mas, ainda que não existam
medicamentos específicos, quanto mais cedo o autismo for descoberto, melhor.
“Há um período que funciona como uma janela, quando o tratamento é mais eficaz.
É preciso descobrir o autismo enquanto a janela ainda está aberta”, diz.
“Há um período que funciona como uma janela, quando o tratamento é mais eficaz. É preciso descobrir o autismo enquanto a janela ainda está aberta”
O próprio neuropediatra coordena pesquisas que
buscam melhorar o diagnóstico do autismo. Em uma delas, Riesgo aplica testes
que avaliam a inteligência de pacientes com autismo que não falam. “É difícil
conhecer as habilidades de uma criança que não fala e estamos avaliando testes
não-verbais que facilitam essa interação”, explica.
Comemorações brasileiras
Há ainda mais um motivo para comemorar o dia mundial
do autismo no Brasil. Em junho, pesquisadores brasileiros irão lançar a
primeira revista especializada em análise comportamental do autismo. “Será um
periódico de acesso livre com artigos sobre comportamento, socialização e
ensino de pessoas com autismo”, explica Celso Goyos, psicólogo da Universidade
Federal de São Carlos e editor-chefe da revista.
Assim como no ano passado, diversos locais foram iluminados de azul em abril de 2013.
NA LITERATURA E NO CINEMA
Para saber mais sobre o autismo, confira o livro Nascido em
um dia azul,
escrito por um autor com o transtorno.
Há também filmes como o premiado Rain Man e animações pouco
conhecidas como Mary e Max – uma amizade diferente e o curta-metragem francês
baseado em fatos reais Meu irmãozinho da lua, que pode ser conferido abaixo com
legendas em espanhol.
Por: Mariana Rocha