DIÁRIO DA MANHÃWELLITON CARLOSSem reformas profundas, analistas políticos acreditam que manifestações podem voltar mais agressivas
O Brasil vive hoje um paradoxo: a população
protestou contra a qualidade dos serviços públicos e cobrou ações eficazes
contra a corrupção. Ao mesmo tempo, a classe política começou a articular para
dar migalhas: plebiscito em vez de constituinte, R$ 0,20 em vez de qualidade de transporte público,
importação de médicos em vez de aumentar a qualidade dos recursos investidos em
saúde. Nada foi dado em sua totalidade.
Hoje, estão paralisados os debates quanto à
constituinte (não teve sequer discussão procedimental a respeito no
parlamento), a reforma política (existe mera movimentação na mídia), a
necessidade de mudanças na legislação penal (algo que atende a grande maioria
da população, como a diminuição da menoridade penal), imposto sobre grandes
fortunas, o aumento do investimento real em educação (já dividiram os recursos
do pré-sal), redução do número de políticos em todas as casas legislativas
(fingem que não escutam que existe uma PEC a esse respeito), desoneração
tributária, a punição mais severa dos corruptos, o “Fora Renan”, a cobrança
maior do Estado quanto ao conteúdo das emissoras de televisão (parte dos
protestos se direcionou às emissoras de televisão, que teoricamente nem
legalmente cumprem seu papel), a diminuição dos ministérios da presidenta Dilma
Rousseff e da revisão de todos os contratos da Copa do Mundo e das
Olimpíadas.
A identificação do “autismo político” é um dos
primeiros diagnósticos de tudo o que aconteceu no Brasil. Conforme o cientista
político Itami Campos, a classe não percebeu que existiam circunstâncias de
muita opressão e desespero nas camadas sociais e que algo (de verdade) deve ser
feito. Políticos fingem que estão no mundo da lua.
Daí que deputados e executivos, nos últimos dez
dias, apenas continuaram com a mesma forma de se fazer política, voltada para
dentro, para seus próprios interesses.
A prova é que Renan Calheiros (PMDB-AL), presidente
do Senado, já começou a declarar que nem tudo pode ser feito. O corpo mole se repete na Câmara dos
Deputados, que após reagir às manifestações começa a colocar marcha lenta nos
projetos estruturantes do Brasil. Os parlamentares dividiram os recursos da PEC
com a saúde. E tudo ficou por isso mesmo.
Moralidade
Não bastasse, existe a crise da moralidade. Goiânia
foi palco de embates exemplificativos. Dias antes de estourar as manifestações
no País, um vereador de Goiânia, Paulo Borges (PMDB), já citado em escândalos
recentes (inclusive foi preso), teria respondido de forma deselegante um
possível eleitor em seu Facebook.
A internauta Akyla Priscilla disse: “Q vergonha
Vereador, vc não quis votar afavor de bater ponto. Na próxima eleição eu e
minha família lembraremos de não votar em vc” (sic). De repente aparece a
resposta: “Quem é vc para me cobrar sobre os meus atos. Guarde o seu voto e o
da sua família, se é que vc tem esse poder e faça bom uso dele” (sic).
O vereador, atolado até o pescoço com problemas
sérios e denúncias criminais, disse que foi um assessor que fez a reposta – o
que seria um desvio ético, de qualquer forma, de seu gabinete. Rede social é personalizada, tem conta
pessoal, usuário específico.
É desse autismo político que os cientistas tratam
com suas mais recentes reflexões, do desprezo com o que pensa o eleitor e o que
deseja. “A tendência é aumentar a agressividade. O movimento mais forte já
existe na internet. É gente pedindo cadeira elétrica para político, outros
incitando colocar fogo no Congresso. Seria algo terrível para a democracia, mas
será inevitável esse contato físico do eleitor com o político. Eles saíram das
redes sociais, se materializaram e sabem onde moram os políticos, como ocorreu
no Rio de Janeiro, com Sérgio Cabral (PMDB)”, diz Luis Gustavo de Almeida,
cientista político e professor universitário.
No caso de Paulo Borges e seus companheiros, que
rejeitaram o ponto eletrônico para vereador, assunto tratado nacionalmente pela
imprensa, exigia-se uma resposta ética apenas – um mínimo ético, já que o
máximo é ainda distante. Quanto a Câmara Municipal de Goiânia, a indignação do
eleitor é clara: a casa corre para aprovar projetos de interesse de grandes
grupos econômicos, mas quando precisa intervir para atender a população, finge
que o assunto não é com ela ou simplesmente não vai à Câmara.
Redes sociais
Antes de estourar a onda de protestos no Brasil, a
Câmara Municipal de Goiânia foi um termômetro de todo o estresse popular,
quando centenas deles foram ao plenário protestar contra a aprovação das
mudanças no Plano Diretor – mudanças semelhantes deram origem a onda violenta
de protestos na Turquia, que se iniciaram pouco antes dos protestos no Brasil.
“Até pouco tempo, as mídias tradicionais não
conseguiam aproximar o eleitor do político. Mas com as redes sociais e outros
formatos da internet, os indivíduos invisíveis, sem voz, ganham formas,
tornam-se participantes e a palavra de um cidadão comum vale o mesmo dito por
um político”, analisa Carlos Almeida de Soares, cientista da comunicação e
autor de livros sobre mídias digitais.
Respostas sem eficácia
A prova de que os políticos vivem um autismo é a
resposta dada aos reclames da população.
A pauta inicial e momentânea do Movimento Passe Livre foi atendida
exclusivamente para estudantes. Ou seja, a luta de todos tornou-se privilégio
apenas de alguns. E algo momentâneo, pois uma hora tem que ocorrer aumento. No
Brasil, o governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), foi o primeiro a
anunciar assinatura permitindo o benefício do passe livre aos estudantes. Em seguida, uma avalanche de gestores assinou
embaixo. Mas quem paga essa conta? Se o
passe é livre, deveria ser para todos.
Outra reivindicação, mesmo que sem pleno domínio de
conteúdo dos que a exigiam, foi atendida: a derrubada da Projeto de Emenda
Constitucional (PEC) 37, que tratava da liberdade dos promotores de Justiça
para investigar. A “Cura gay”, projeto de lei do deputado federal João Campos
(PSDB), também foi tratorado sem sequer causar debates no Congresso.
Estas são as migalhas que foram dadas ao povo. As
reformas profundas começaram a ser negadas. A primeira delas diz respeito à
inserção do povo na tomada das decisões por meio de mecanismos como a
democracia direta – em que o próprio eleitor decide aspectos importantes da
sociedade.
A Constituição Federal não necessita de nenhuma
emenda. Ela já estabelece que a população pode exercer o direito do plebiscito
ou do referendo. O parágrafo único do primeiro artigo já dá o recado: “Todo o
poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou
diretamente, nos termos desta Constituição”.
Diretamente significa o povo votar os projetos de lei.
É preciso recordar: a presidenta Dilma Rousseff
veio a público oferecer a reforma política como tema de plebiscito. Mas logo a
classe política criou um imbróglio pseudo-jurídico do que pode e não pode ser
feito. Moral da história: a ideia de plebiscito (leia-se, de consulta direta ao
povo) está de molho. A Constituinte, então, já era. E o motivo é simples: a
reforma política, se feita de verdade, impediria inúmeros problemas e vícios de
origem da corrupção brasileira, como a relação promíscua entre empresários e
políticos.
A Medida Provisória 611, por exemplo, é um
achincalhe aos manifestantes. Ela continua a existir e permite brechas de
investimentos de milhares de reais em projetos da Fifa. Cerca de R$ 33 milhões já foram investidos
graças ao ato normativo assinado pela presidenta Dilma Rousseff e que não
passou por debates deliberativos importantes.
Caso a Medida Provisória 611 fosse debatida em
público, por meio da participação popular, dificilmente teria eficácia. Mas
Dilma usa do expediente dela mesmo achar o que pode e não pode ser feito no
Brasil para dar dinheiro aos magnatas do futebol. Sua gestão abusa das Medidas
Provisórias, consideradas um estupro ao Poder Legislativo, principalmente para
atender grandes grupos econômicos.
Políticos atendem empresários, bancos e outros
políticos
Para atender os reclames populares a presidenta
Dilma Roussef (e qualquer político) é uma gatinha. Mas leoa quando defende os
interesses dos poderosos e ricos. No dia 15 de maio, no apagar das luzes, a Lei
12.810 sancionada pela presidenta Dilma trouxe uma ótima notícia para os
bancos: quem entrar com uma ação contra
banco sobre financiamento ou empréstimo, é obrigado a continuar a pagar as
prestações, até a decisão da sentença – mesmo que a instituição esteja errada.
Ou seja: a lei pega mais da metade dos brasileiros e garante dinheiro jorrando
nas contas dos magnatas, agiotas e factorys.
Depois, tem que enfrentar toda uma dificuldade para
receber. A estratégia de Dilma e dos bancos é simples: enrolar ao máximo os
processos judiciais (o que não precisa de muita ajuda) e assim tirar o dinheiro
de quem fez o empréstimo. Cerca de 60% das ações contra bancos são vencidas
pelos proponentes das ações. Existe até um filão na advocacia chamada “direito
contra banco”. Todavia, a medida de
Dilma vai esfriar as ações contra os bancos.
A norma que emenda o Código de Processo Civil é
apenas uma em um milhão de leis que são feitas exatamente para enganar o
povão. Elas são elaboradas sem que 99,9%
da população saibam ou tenha em mente do que se trata. Se ficar sabendo, não
protesta, queima tudo.
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