* por FÁTIMA DE KWANT
A frase mais usada durante o dia da Conscientização
Mundial do Autismo, dois de abril passado, é relembrada por pais de autistas
desde o dia 17 de Julho, em consequência das tragédias consecutivas envolvendo famílias
de autistas, em Campo Mourão e Umuarama, ambas no Paraná.
Em menos de 24 horas dois autistas foram assassinados
por suas mães, por motivos que seguem sendo investigados.
O primeiro pensamento que surge à mente dos
leitores é o de que ambas sejam loucas, desequilibradas, o que talvez até seja verdade,
conforme avaliações ainda em andamentos que irão comprovar a causa dos dramas.
Porém, com certeza pais e cuidadores de crianças,
adolescentes e adultos com transtorno do espectro do autismo têm uma
perspectiva bem diferente. A começar, é do entendimento geral da comunidade
autista que criar um filho portador da síndrome é um constante desafio. Independente
do grau de autismo, sua família é confrontada todos os dias com as limitações
que a criança apresenta, tornando impossível o conceito de vida ‘normal’.
Em especial o autismo severo com deficiência intelectual,
é um dos casos que mais exigem atenção. Muitas crianças e adolescentes com este
tipo de autismo e falta de linguagem, por exemplo, podem apresentar um
comportamento bastante difícil, exigindo um acompanhamento profissional e
serviço de apoio familiar intensivos.
No entanto, o governo federal segue ignorando os
direitos (humanos) destas famílias, atrasando todo e qualquer auxílio a quem
dela precisa.
A negligência com a assinatura do decreto de regulamentação
da lei número. 12.764/12, popularmente conhecida com Lei Berenice Piana – em
homenagem à sua idealizadora, a ativista e defensora do autismo no Brasil de
mesmo nome – é um dos motivos pelos quais casos extremos como os acima
mencionados continuam a acontecer.
Natural do Paraná, a defensora do autismo, Berenice
Piana emocionada, afirma: “E mais um cenário de horror toma conta de nosso Paraná,
em menos de 24 horas...”
Os motivos são os mesmos, as dores também!
Não tenham dúvidas que A FALTA DO TRATAMENTO
ADEQUADO foi a razão direta desse desfecho de horror, mais uma vez.
Até quando vamos esperar por um amparo seguro a
essas famílias? Quantos ainda precisam morrer de forma trágica e bárbara?
O DESESPERO LEVOU A ISSO AMIGOS, DESESPERO PURO!”
Berenice não parece estar só, contando com milhares
de simpatizantes do autismo em todo o Brasil, que concordam com seu desabafo.
Antes de julgarmos as duas mães que tomaram uma
atitude tão radical, vamos analisar algumas situações:
Um jovem de 19 anos com autismo severo e deficiência
mental, porém com a libido sexual normal da idade estupra sua irmã de 15;
Uma menina de 13 anos com autismo é abusada sexualmente
por rapazes vizinhos enquanto seus pais estão no trabalho;
Um menino autista de 10 anos tem um surto repentino
e agride fisicamente os irmãos mais novos, de 5, 3 e um ano de idade,
acarretando na morte do último;
Um adulto de 25 anos com autismo agride o pai, sem querer,
durante uma crise, fazendo com que, acidentalmente, este perca o equilíbrio,
caia da escada e morra ainda na ambulância. Sua mãe, assustada, não imagina como
conseguirá dar seguimento à vida só, com o grande desafio e decide proteger a
si mesma e a seu filho de um futuro sem perspectiva, matando-o e suicidando-se
em seguida;
Pais de autistas que, com a falta de assistência,
veem-se obrigados a amarrarem os pés e mãos de seus filhos para deixarem o lar
para poderem trabalhar.
A série de relatos pessoais é longa. São todos quadros
que parecem absurdos e surreais para a maioria das pessoas, mas que formam a
dura realidade de centenas (senão milhares) de famílias, principalmente as mais
simples, sem acesso algum a qualquer tipo de ajuda.
São histórias reais, carregadas de dor e sofrimento.
São casos que só chegam a público quando já é tarde para se fazer alguma coisa.
Por que as famílias se envergonham, porque os familiares
e amigos se omitem, porque não têm condições financeiras que lhes possibilitem
conseguir ajuda, e não por último, porque o governo brasileiro simplesmente não
se importa.
Obviamente existem problemas igualmente importantes
a serem atendidos, fato que ninguém pode negar. No entanto, a falta de
importância do governo é sentida não somente na rejeição dos inúmeros pedidos
de atenção para com a regulamentação do decreto de proteção aos autistas, mas
também pela ausência de negociação com as comunidades autistas que não apoiam o
CONADE, o Conselho Nacional dos Direitos da pessoa com Deficiência.
Sim, o autismo brasileiro parece estar dividido. A
alínea C do 3o artigo do decreto é, aparentemente, o ponto de desacordo entre
as comunidades. O inciso dá margem a que os autistas sejam tratados nos CAPS (Centros
de Assistência Psicossocial), o que não é aprovado pela maioria das comunidades
nacionais como sendo locais de tratamento para crianças com autismo.
Sem desmerecer tais centros - esperando que, de fato,
desenvolvam um bom trabalho de assistência a pacientes drogados, esquizofrênicos,
alcoólatras e outros -, lugares para tratamento de autistas são instituições
com vasto conhecimento sobre autismo; de outro modo, o comportamento deste
grupo não só poderia estagnar como inclusive piorar, revertendo toda a boa intenção
de criar-se uma lei de proteção.
O AUTISMO NO BRASIL SEGUE PEDINDO SOCORRO e
aguarda, tão desesperadamente quanto às mães que cometeram os crimes, pela
devida proteção que lhes cabe, por parte da sociedade, da comunidade em que vivem
e do seu governo federal.
FÁTIMA
DE KWANT
é brasileira,
correspondente do
Projeto
Pepeleko na Holanda e
disseminadora
de informação sobre autismo na Europa.
Owner
do Facebook AUTIMATES.