sábado, 14 de setembro de 2013

"É preciso criar leis contra a discriminação genética", diz historiador

O Congresso Mundial sobre Doença de Huntington, que começa amanhã no Rio, terá entre seus palestrantes um dos mais famosos portadores da mutação que causa esse mal neurodegenerativo incurável e fatal: o historiador Kenneth Serbin, conhecido pelo blog de Gene Veritas, pseudônimo que usou por mais de uma década.
Ainda livre de sintomas, Serbin decidiu manter seu cérebro estimulado com uma manobra radical: aos 53 anos, o professor da Universidade da Califórnia em San Diego está mudando de ramo.
Ele é especialista na história recente do Brasil. Tem dois livros publicados pela Companhia das Letras. Um deles é "Diálogos na Sombra "" Bispos e Militares, Tortura e Justiça Social na Ditadura", tema sobre o qual falará semana que vem na Comissão da Verdade da Assembleia Legislativa de São Paulo.
                                                                                                        Nick Abadilla 
O historiador Kenneth Serbin com sua mulher, 
Regina Serbin, e a filha, Bianca
Nos últimos anos, Serbin começou a migrar para o campo da história da ciência. Na sua avaliação, a sociedade precisa de leis para amparar pessoas como ele, para que possam se preparar para doenças devastadoras sem medo de discriminação.
O gene associado com Huntington conta com trechos repetidos. Quem tem de 10 a 25 repetições é normal. Ter entre 36 e 39 repetições já implica risco considerável. De 40 em diante, é certo que a pessoa vai ter a doença. Serbin tem 40, assim como sua mãe, que morreu aos 48 anos.


Casado com a historiadora brasileira Regina Barros Serbin, que conheceu em 1991 num encontro às cegas no restaurante italiano Parmê do largo do Machado, no Rio, Serbin falou à Folha em português fluente.
*
Folha - Os EUA têm desde 2008 uma legislação contra a discriminação genética, mas no Brasil há um projeto de lei (4.610/98) esperando ser aprovado há 15 anos. Todo país precisa de uma lei dessas?
Kenneth Serbin - Essa legislação é muito necessária, com as consequências do genoma e das pesquisas que estão mudando o sistema de saúde. O fato de uma pessoa poder saber seu futuro por um teste genético exige mais proteção para o cidadão.
Infelizmente, a discriminação é forte entre empregadores, companhias de seguros, colegas de trabalho. A própria família discrimina o doente. Isso acontece com doenças neurológicas, que de certa forma mudam a personalidade da pessoa.
É necessária uma legislação que ajude as pessoas a ter uma vida tranquila, a criar um clima de entendimento sobre doenças genéticas. A gente tem de achar uma maneira de as pessoas não terem medo de fazer os testes.
O sr. levou 17 anos para sair do "armário genético". Por quê?
Eu só revelei isso agora para o meu plano de saúde, embora tivesse Huntington na família desde 1995. Tinha medo de perder o emprego, de ter de mudar de universidade e de plano de saúde, de ficar sem cobertura para Huntington. Todos esses anos eu me tratei do meu próprio bolso.
Sofreu alguma discriminação depois de revelar que era o autor do blog de Gene Veritas?
Foi primeiro uma reação de choque. Ninguém imaginava que eu e a minha família estivéssemos passando por isso. Três testes preditivos: primeiro minha mãe, em 1995, depois eu, em 1999, depois minha filha, em 2000.
É uma doença horrível, como se fosse uma combinação de alzheimer, parkinson e problemas psiquiátricos. Também problemas cognitivos, perda de memória de curto prazo, da fala, do raciocínio. Agressividade, depressão, alucinações. Algumas pessoas dizem que essa é a doença do diabo.
Os colegas não tinham noção, mas, até agora, encontrei bastante solidariedade.
Como o sr. compara a organização de quem milita pela causa no Brasil e nos EUA?
Há dificuldades em qualquer país. Nos EUA, a Sociedade Americana da Doença de Huntington existe há quase 50 anos. A Associação Brasil Huntington tem mais ou menos 15 anos e está fazendo um ótimo trabalho, quando você leva em conta a quase inexistência de recursos. A americana tem orçamento na casa de US$ 9 milhões, e a brasileira, R$ 40 mil.
Queria que minha ida ao congresso no Rio desse impulso ao movimento, que as pessoas doassem mais dinheiro para a associação.
O sr. é católico praticante. Caso o teste de sua filha indicasse a mutação, o que o casal faria a respeito?
A gente teria de conversar, refletir, rezar, falar com os médicos, amigos e parentes. Seria uma decisão difícil. Claro que havia a possibilidade de aborto, aqui [nos EUA] é legal, diferentemente do Brasil. Não sei o que a gente teria feito. Pensava na possibilidade de um aborto? Sim.
Por causa da instabilidade genética, um homem pode passar para o filho uma versão mais grave da doença. De minha mãe eu herdei a cópia exata da mutação. Eu poderia ter passado para a minha filha uma mutação mais severa, e ela poderia desenvolver a doença na juventude. Dez por cento dos casos de Huntington são juvenis, a maioria morre antes dos 30 anos.
Nem todo teste genético é tão preditivo quanto o de Huntington. O sr. é a favor de testar embriões mesmo no caso dessas outras doenças?
Para isso existe a bioética. Sou contra o que se faz na China, na Índia, abortar pelo sexo da criança. Eu não faria, mas não vou julgar quem faz. Aborto tem de ser uma opção, para não acontecer o desastre de saúde pública que há no Brasil, com tantas mulheres que morrem porque não podem fazer aborto no hospital.
Um teste preditivo dá as informações de que você precisa para fazer seu plano para enfrentar a vida. Preciso me cuidar, tenho uma filha de 13 anos. Se eu ficar doente, não sou um peso só para mim, mas para minha família.
A que o sr. atribui a ausência de sintomas? Sua mãe desenvolveu a doença aos 48 anos, e o sr. está com 53. Tem esperança de não desenvolvê-la?
Faço exercícios, não como besteira. Esperança? Por enquanto, não.
Mudar de especialidade aos 50 anos é uma reviravolta. O sr. acredita que essa ginástica mental pode ter a ver com a ausência de sintomas?
Não posso comprovar nada cientificamente, mas acho que sim. Estou fazendo a coisa certa, seguindo os conselhos dos médicos. Tomo suplementos: creatina, coenzima Q10, açúcar trealose, ômega 3, comprimidos de mirtilo. Claro que o plano de saúde não cobre. A burocracia médica é lenta para aceitar os novos remédios.
Quanta informação o sr. dá para sua filha?
Se ela faz uma pergunta, respondo. Quando ela tinha uns dois ou três anos, já sabia que a avó estava doente. Falei que ela tinha um machucadinho no cérebro. Ela perguntou: "Como a vovó conseguiu esse machucadinho?". Disse que tinha nascido com ele. Ela logo disse: "Ainda bem que não nasci com esse machucadinho". Agora, com 13 anos, ela entende muito bem. Quem esconde só cria problemas.

PALESTRAS
Rio de Janeiro - "Como Lidar com a Doença", Congresso Mundial de Huntington, Hotel Sheraton, seg. (16) às 14h

São Paulo - "A Doença de Huntington e a Bioética", Centro Universitário São Camilo, r. Raul Pompeia, 144, sáb. (21) às 10h (aberto ao público)



O autismo e seus personagens

Não é uma doença. E, definitivamente, 
o indivíduo dentro do espectro do autismo não pode, 
nem deve, ser tratado como doente

Marilize, Mariangela e Ana Paula acompanham de perto toda
a rotina das crianças
(Foto: Camila Tsubauchi/ Diário)
“Sou a Ana Paula, mãe das gêmeas Caroline e Gabriela que hoje têm seis anos. Quando elas tinham três, recebemos o diagnóstico de que elas estavam dentro do espectro autista”. “Sou o Cleverson e essa é a minha esposa Mariangela, somos os pais do Tiago de três anos, que também está dentro do espectro”. “Meu nome é Jacieli, sou mãe do Caio de sete anos e ele é autista”.
Frases como essas foram ditas inúmeras vezes na noite de uma segunda-feira. As alterações se limitavam ao nome e idade dos personagens, mas a conclusão era sempre a mesma: meu filho está dentro do espectro autista. Era uma reunião de pais que, juntos, pretendem formar uma associação guarapuavana que auxilie no tratamento de crianças, e até mesmo de adultos, com diagnóstico de autismo.
Os encontros acontecem a cada 15 dias e são coordenados pela psicóloga especialista no transtorno, Rosemeire Silva Pereira. Foi dela a ideia de juntar os quase 20 pais em torno da mesma mesa. O objetivo era compartilhar progressos, percalços e experiências do dia a dia das crianças. “A gente precisa de apoio psicológico também. Temos altos e baixos que não se pode acreditar”, contou Ana Paula dos Santos.
Rosemeire apresenta estudos, notícias e presta esclarecimentos sobre o transtorno. Também são exibidos vídeos e disponibilizados materiais que podem contribuir para o desenvolvimento das crianças. Mas em duas horas, todos têm direito a falar. “Esse grupo é justamente para nos dar um respaldo, para a gente ver que existem mais pessoas dentro da mesma situação”, justificou Ana Paula.
Para Marilize Zanatta, mãe de Matheus, 8, é o momento de compartilhar vitórias com quem as entenda como vitórias. Jacielide Campos concorda e exemplifica. “Para os nossos filhos, escovar os dentes e pentear o cabelo é uma dificuldade enorme”. Isso acontece porque a coordenação motora fina dos autistas é diferente da exibida por crianças neurotipicas. Na maioria das vezes, ela é limitada.
E é preciso ressaltar o termo “na maioria das vezes”, pois não é difícil encontrar pacientes dentro do espectro com excelente domínio dos movimentos. “O autismo não tem um padrão, cada um é diferente”, disse a psicóloga. Matheus é exemplo disso. Com muito treino, o menino aprendeu a tocar piano, mas por causa da agenda apertada, teve de interromper as aulas por alguns meses.
Na semana passada, Marilize voltou à escola de música com Matheus. “Ele se sentou na frente do piano e tocou como se nunca tivesse parado”, contou ela, entre lágrimas. As reações de orgulho e alegria são coletivas. Todos comemoram e apóiam o sucesso de suas próprias crianças e das crianças dos outros. “Os pais precisam estar bem para cuidar bem dos filhos”, desabafou Jacieli.
A associação
Há cerca de um mês, o ideal de fundar a associação de pais e profissionais começou a tomar forma. A proposta partiu de Cleverson Toledo, pai de Tiago, e foi aceita pela maioria. Ana Paula, que é advogada, buscou se inteirar sobre a legislação vigente e os trâmites para registrar a entidade. “Acredito que até o fim deste mês o estatuto esteja fechado e já estamos indo atrás de uma sede própria”.
As psicólogas do grupo também estão envolvidas na organização. Rosemeire trabalha em conjunto com Tamires Bareta para reunir informações sobre a quantidade de pacientes diagnosticados em Guarapuava, não diagnosticados ainda ou que recebem tratamento só uma vez por semana. Quando tudo isso estiver pronto, a associação pretende lutar pela implementação de políticas públicas em saúde.
“A rede pública não nos oferece nada. Temos duas clínicas especializadas, uma em São Paulo e outra em Curitiba, que dão suporte ao tratamento. Alguns pais pagam por essas clínicas e elas dão respaldo para profissionais da cidade que vistoriam nossos filhos”, explicou Ana Paula. “É uma equipe que nós mesmos montamos e é paga individualmente”, completou Rosemeire.
Outro ponto que deve ser trabalhado pela associação é o diagnóstico precoce do espectro autista. Estudos apontam que a idade ideal para início do tratamento é até os 3 anos de idade. Segundo Rosemeire, “em Guarapuava, existem crianças de 12 anos que os médicos ainda afirmam que não têm nada. Nessa idade, a gente já perdeu um tempão que podia ter sido usado para trabalhar as necessidades”.
Para fechar o laudo de diagnóstico, é necessária a opinião de pelo menos três profissionais distintos: um neuropediatra, um psicólogo e um fonoaudiólogo. Conforme Rosemeire, a constatação depende de uma avaliação comportamental porque não existe exame de laboratório que identifique o transtorno. “A gente vê muitos profissionais que não têm essa leitura e acaba passando batido. Quando adulto, o prognóstico é menor”.
Os encontros de pais e profissionais de saúde acontecem a cada 15 dias, sempre nas noites de segunda-feira. Informações adicionais podem ser obtidas com a psicóloga Tamires Bareta pelo telefone (42) 9984-9395.
• Entenda o autismo
Não é uma doença. E, definitivamente, o indivíduo dentro do espectro do autismo não pode, nem deve, ser tratado como doente. Isso é preconceito. Entre os pais, não faltam histórias de discriminação nos mais diversos meios: escola, trabalho, supermercado e até mesmo em órgãos públicos.
Esses episódios são fruto da falta de conhecimento sobre o transtorno – uma falta muito comum na sociedade em que vivemos. “Quando o médico me falou que o Caio tinha autismo, lembrei da única coisa que já tinha visto sobre, a propaganda que passava na televisão com a Mônica e o Cebolinha”, contou Jacieli.
A campanha foi desenvolvida pela Ama (Associação de Amigos do Autista) e destacava as reações da criança autista frente a atividades simples do dia a dia. Mas não faltam opções no cinema e na literatura que tratam do tema. Separamos algumas sugestões de filmes que têm personagens autistas em sua trama.
• Rain Man (1988)
Charlie (Tom Cruise), um jovem yuppie, fica sabendo que seu pai faleceu. Eles nunca se deram bem e não se viam há vários anos, mas ele vai ao enterro e ao cuidar do testamento descobre que herdou um Buick 1949 e algumas roseiras premiadas, enquanto um “beneficiário” tinha herdado três milhões de dólares. Curioso em saber quem herdou a fortuna, ele descobre que foi seu irmão Raymond (Dustin Hoffman), cuja existência ele desconhecia. Autista, Raymond é capaz de calcular problemas matemáticos com grande velocidade e precisão. Charlie sequestra o irmão da instituição onde ele está internado para levá-lo para Los Angeles e exigir metade do dinheiro, nem que para isto tenha que ir aos tribunais. É durante uma viagem cheia de pequenos imprevistos que os dois entenderão o significado de serem irmãos.
• Tão Forte e tão perto (2012)
Oskar Schell (Thomas Horn) é um garoto muito apegado ao pai, Thomas (Tom Hanks), que inventou que Nova York tinha um distrito hoje desaparecido para fazer com que o filho tivesse iniciativa e aprendesse a falar com todo tipo de pessoa. Thomas estava no World Trade Center no fatídico 11 de setembro de 2001, tendo falecido devido aos ataques terroristas.
A perda foi um baque para Oskar e sua mãe, Linda (Sandra Bullock). Um ano depois, Oskar teme perder a lembrança do pai. Um dia, ao vasculhar o guarda-roupa dele, quebra acidentalmente um pequeno vaso azul. Dentro há um envelope onde aparece escrito Black e, dentro dele, uma misteriosa chave. Convencido que ela é um enigma deixado pelo pai para que pudesse desvendar, Oskar inicia uma expedição pela cidade de Nova York, em busca de todos os habitantes que tenham o sobrenome Black.

FONTE:
Diário de Guarapuava
Camila Tsubauchi

Autismo: uma doença cercada por mitos e preconceitos


Psicólogas explicam a disfunção e falam do processo de inserção do autista no meio social
Atualmente abordado pela novela das nove, da Rede Globo, o autismo é uma doença há muito conhecida, mas pouco entendida e difundida entre a sociedade. Segundo a psicóloga e psicopedagoga da Amhpla Cooperativa Médica, Raquel Bueno, "hoje as pessoas estão melhor informadas sobre o autismo, mas o preconceito e o medo quando se trata de doença mental ainda é uma realidade. A pessoa com deficiência não pode andar nas ruas sem ser alvo de olhares e comentários, algumas vezes sofrendo até discriminação", lamenta a especialista.
No entanto, a principal arma no combate ao preconceito e para a melhoria na qualidade de vida de quem convive com a doença, é a informação. Também especialista no assunto e credenciada da Amhpla, a psicóloga Karina Liboni afirma que "fornecer informações precisas sobre o autismo e autistas e suas características através da mídia, folhetos, palestras e grupos de apoio são importantes para a quebra de tabus sobre o tema. É preciso aumentar a conscientização sobre a diversidade, as semelhanças e as diferenças entre os indivíduos”, frisa.
Para quem não conhece, o autismo é uma disfunção global do desenvolvimento, é uma alteração que afeta a capacidade de comunicação do indivíduo, de socialização e de comportamento. Quando diagnosticado com autismo, a família do portador da doença também deve se moldar e estudar sobre o assunto, a fim de proporcionar maior qualidade de vida àqueles que precisam de auxílio.
"Para os pais poderem fazer a inclusão do autista, seja na sociedade ou a nível escolar, é necessário conhecimento. Conhecimento dos direitos da pessoa com deficiência para poder exigir do Estado toda a estrutura necessária para o desenvolvimento e bem estar do autista; conhecimento de como educar e de como entender o universo em que essa pessoa vive, tudo para poder traduzir a nossa realidade para ele", afirma Raquel. E Karina completa dizendo também que os pais precisam ser presentes e pacientes: “É importante o incentivo para as habilidades como vestir, comer, beber, que ajudam a criar independência. No processo de socialização, por exemplo, a prática de comunicação ajuda a criança autista a fazer amigos e ser aceito por seus pares”.
Além disso, destaca Raquel, os graus de autismo são diferentes, assim como os tratamentos e as limitações: “A educação tem que ser especializada, levando em conta as habilidades e limitações de cada indivíduo, pois temos autistas com graus variados de comprometimento. Pais e educadores têm que estar preparados para poder ensinar”.
Neste sentido, uma educação diferenciada e livre de preconceitos contribui para o desenvolvimento psicológico, social e motor das crianças autistas. A inclusão social e o auxílio dos pais, portanto, são fundamentais no processo de inserção dos autistas no meio social.

Ilustração Blog/Facebook Vivências Autísticas