RESUMO:
O presente trabalho pretende abordar a postura da sociedade em relação à maneira de tratar as pessoas portadoras de autismo nas relações laborais, demonstrado a necessidade de participação de modo efetivo deste segmento nas políticas públicas estabelecidas pelo Estado para que seja garantida a igualdade de oportunidades, com o objetivo maior de incluí-los não só no mercado de trabalho, mas em todas as condições construídas pela sociedade contemporânea.
1. Introdução
O presente artigo reconstituiu de maneira breve o percurso histórico de evolução dos direitos dos portadores de necessidades especiais – com destaque aos Autistas, que se iniciou em 1948, através da Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela Organização das Nações Unidas, e inspirou como lema deste milênio “A Igualdade de Oportunidades”.
De acordo com o Centro de Informação do Autismo (2010), “o autismo é uma alteração cerebral, um transtorno que compromete o desenvolvimento psiconeurológico e afeta a capacidade da pessoa se comunicar, compreender e falar, afetando seu convívio social de forma global.”
Discutimos o comportamento da sociedade para com aqueles considerados “diferentes” e, principalmente, suas possibilidades de trabalho nesta era globalizada, onde o desemprego estrutural afeta todos sem distinção.
Trata-se de uma questão de política pública contemporânea, inclusive no âmbito do Mercosul, pois se os Estados-partes comprometem-se a garantir a aplicação do princípio de não-discriminação e principalmente, criar ações com a finalidade de eliminar o preconceito de qualquer espécie, em especial, no que tange aos grupos em situação de desvantagem no mercado de trabalho, desenvolverão um tratamento paradigma em relação aos demais países do globo.
Discorreremos sobre normas internacionais e a legislação brasileira destinadas à proteção das pessoas portadoras de necessidades especiais, com ênfase ao portador de autismo, e à proibição das práticas discriminatórias contra estes cidadãos na relação laboral.
Por outro lado, o Brasil desenvolve formas de efetivar a execução das leis de proteção aos direitos dos portadores de necessidades especiais, através de denúncias ao Ministério Público, quando se tratar de interesses coletivos e difusos ou aplicando os remédios jurídicos cabíveis, de que o próprio interessado poderá lançar mão quando se tratar de direitos individuais, bem como os juízes poderão utilizar instrumentos de concretização dos direitos sociais.
Não se trata, pois, como será demonstrado, de um interesse isolado, mas de uma questão de interesses sociais entrelaçados e que merece o devido tratamento jurídico para que essa nova perspectiva seja implementada da forma mais eficaz possível.
Por fim, tendo em vista a Constituição Cidadã de 1988 ter reservado um capítulo destinado aos direitos sociais, que têm como característica principal a atuação positiva do Estado no tocante a sua concretização, o trabalho busca esclarecer os aspectos que envolvem os direitos das pessoas portadoras de autismo, suas oportunidades de trabalho, através de uma nova abordagem.
2. Breve perspectiva histórica da conquista dos direitos dos portadores de necessidades especiais
Em 10 de dezembro de 1948, na cidade de Paris, foi realizada a Assembléia Geral das Organizações das Nações Unidas – ONU, onde foi aprovada a Declaração Universal dos Direitos Humanos, passando então a ser conhecido o direito humano, também chamado de direitos de cidadania.
Esta Declaração deu notável ênfase tanto aos direitos políticos e civis quanto aos direitos sociais, pelo que se tornou em verdade, a maior fonte de inspiração para o desenvolvimento dos direitos humanos nas décadas seguintes.
Em todos os países, os direitos de cidadania decorrem de lutas árduas, processos longos, frutos de sofrimentos decorrentes de vitórias e derrotas, derivadas das necessidades de se firmarem contra outros interesses já existentes na sociedade. É necessário que a sociedade esteja disposta a burlar os percalços, e passe a travar uma luta democrática para a aquisição e manutenção de direitos aos portadores de necessidades especiais.
Os inúmeros levantes sociais ocorridos na Europa no século XIX iniciaram a conquista dos direitos sociais, que se fortaleciam com as idéias socialistas, com os operários, ao passo que as economias se industrializavam e a população urbana crescia. Os Estados, então, lançavam as primeiras medidas de proteção social devido ao aumento do poder político e social dos trabalhadores, que pressionavam e almejavam por direitos trabalhistas.
Correspondem aos direitos sociais o Welfare State ou o Estado do Bem-Estar Social, que é uma designação utilizada para o conjunto de políticas e serviços sociais voltados para apoiar os indivíduos e as famílias no enfrentamento das situações de risco social. Essas políticas e serviços são: a seguridade social, representada pela saúde e previdência social (aposentadoria e pensões) e assistência social; educação, habitação, entre outros. A seguridade social tem por fim desenvolver laços de solidariedade, com o objetivo de superar a visão tradicional de organização de tais políticas com base em formas de seguro social.
Em meados do século XIX, as pessoas portadoras de necessidades especiais viviam as margens da sociedade, abandonadas ou encarceradas, não havendo políticas públicas que fosse voltada a sua assistência, entretanto, ao final deste mesmo século, com o início das práticas de proteção sociais, a sociedade começa a ter um sentimento de solidariedade em relação a essas pessoas, que passam aos cuidados de instituições religiosas sob o regime de clausura e internações.
A partir do século XX, com o avanço das ciências, passam a ser tratados como pessoas que possuem problemas e merecem cuidados especiais, mas, apesar de estudadas, permanecem, ainda, separadas da sociedade.
A ONU e, principalmente a Organização Internacional do Trabalho – OIT tiveram papéis fundamentais para impulsionar o surgimento e crescimento dos direitos sociais.
No ano de 1955, a OIT, em Conferência Geral, lançou a Recomendação nº 99 sobre a “Reabilitação das Pessoas Portadoras de Necessidades Especiais”. Em seguida, em 1958, lançou a Convenção nº 111 sobre “Discriminação em Matéria de Emprego e Profissão”, abordando o problema dos portadores em relação ao trabalho e propondo a abolição de qualquer situação que diminuísse à igualdade de oportunidades.
Porém, apesar de todas as Declarações, o reconhecimento de tais direitos pelas Constituições dos diversos países só ocorreu a partir da década de 70, como é o caso de Portugal (1976), da Espanha (1978) e da China (1982), havendo ainda Constituições que não traziam nenhum artigo tratando dos portadores de necessidades especiais, como é o caso do Japão (1946), Cuba (1976) e França (1958).
No Brasil e em outros países da América Latina, os direitos sociais se desenvolveram mais lentamente e de forma desigual. Foi a CF de 1967, que assegurou aos deficientes a melhoria da sua condição econômica e social, e a Carta Magna de 1988 reforçou ainda mais este ideal através de ações governamentais concretas aos pressupostos de modelo integracionista de deficiência.
Nos anos 50, a ação governamental limitava-se à concessão de aposentadoria por invalidez pelos Institutos de Aposentadoria e Pensão – IAPs, inércia que impulsionou a sociedade a se organizar em grupos, como a Associação de Amparo à Criança Defeituosa em São Paulo, gerida totalmente fora do âmbito estatal.
Com a constituição do Instituto Nacional de Previdência Social – INPS, o governo expandiu suas ações a um contingente maior de pessoas, e, com isso, em 1959 surge o primeiro serviço de reabilitação física.
Em 1969, a Emenda Constitucional nº 01, garantiu pela primeira vez a proteção específicas aos excepcionais. Como conseqüência, a Emenda Constitucional nº12, em 1978, garantiu a proteção aos cidadãos portadores de necessidades especiais no que diz respeito à melhoria da condição social e econômica, mediante educação especial e gratuita, a reabilitação, a proibição de discriminação e o acesso a edifícios e logradouros públicos.
No ano de 1981, passou a ser celebrado o Ano da Pessoa Portadora de Deficiência, oportunidade que ocasionou a discussão do conceito de inclusão e integração, demonstrando desta maneira, o paternalismo da ação governamental e das instituições filantrópicas.
Ainda na década de 80, surgiram várias entidades representativas e organizações não-governamentais, todas buscando uma mudança de postura da sociedade em relação aos portadores de necessidades especiais.
Hoje, as ações referentes à integração dos portadores, no âmbito do Governo Federal, estão sob a coordenação da Coordenadoria Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência – CORDE.
A despeito de tantos avanços, é importante uma atuação mais firme por parte dos governantes para que os direitos dos portadores de necessidades especiais sejam realmente garantidos, mantidos e efetivamente executados.
3. A sociedade e os autistas
O estilo de organização da sociedade impõe muitas barreiras culturais que necessitam ser modificadas, a fim de assegurar a igualdade de possibilidades a todos os cidadãos. Por ser a efetivação dos direitos sociais muito demorada, para que tal dificuldade seja superada, torna-se imprescindível uma mudança de atitude da sociedade, e, justamente por tratar-se de uma questão cultural, as mudanças ocorrem com o dispêndio de muito esforço. Então, apesar de ter se iniciado o processo de “civilização”, percebe-se que ainda há muito por fazer.
O problema a ser elucidado é demonstrar quais as barreiras que dificultam a equiparação entre as pessoas portadoras do espectro autista e as demais, na perspectiva da empregabilidade, e quais instrumentos podem ser utilizados para a concretização deste direito social. Logo, um tratamento jurídico é imprescindível para analisar os principais impactos na sociedade, além de desenvolver formas de viabilizar a efetivação destas conquistas, bem como das necessidades especiais dessas pessoas.
A sociedade prega a fraternidade, contudo, a prática demonstrada não é essa. De modo geral, ignoram tudo que fuja ao padrão considerado normal. Assim, deve-se trazer do isolamento os estigmatizados, para que não sejam mais condenados à invisibilidade das políticas governamentais, e demonstrar os obstáculos enfrentados pelos autistas para terem acesso à oportunidade de emprego, tais como: a falta de cursos de qualificação destinados para essa minoria que atinge um contingente populacional significativo, a falta de atendimento educacional especializado para que possa ser integrado à vida comunitária, entre outros.
Tais obstáculos seriam minimizados se a disciplina “Educação em Direitos Humanos” fizesse parte da grade curricular do ensino formal, principalmente, primário e secundário, podendo até mesmo ser abordado com as crianças de uma maneira lúdica. No ensino superior, a matéria já é bem difundida em cursos como Direito, Filosofia, Medicina, Sociologia, entre outros, o que é um dado bastante positivo.
De acordo com dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD, não tem acesso ao ensino formal 90% das crianças com necessidades especiais, quanto aos adultos, os que conseguem ser alfabetizados não chegam a 4%.
No que diz respeito às garantias constitucionais, o Brasil possui o aparato jurídico dos mais abrangentes, portanto, quando se estabelece direitos, criam-se inúmeras obrigações, que se não obedecidas, inviabilizam tais direitos, assim, focalizando o problema, formula-se o perpétuo dilema das garantias constitucionais: como concretizá-los em relação a estas pessoas?
4. O portador de autismo e a efetividade das leis no âmbito do emprego
Ao analisar o tema é mister falar sobre o tratamento concedido ao portador de necessidades especiais no âmbito internacional: As posições da ONU e da OIT merecem destaque neste processo, uma vez que nortearam as legislações internas de muitos países, no sentido de adotarem um tratamento diferenciado aos deficientes, visando à redução das desigualdades reais. Partindo desse contexto, surgiram, A Declaração Universal dos Direitos Humanos, Convenções, Recomendações e Resoluções.
A Recomendação nº 99, de 1955, da OIT, trata da reabilitação profissional das pessoas portadoras de necessidades especiais, abordando princípios e métodos de orientação vocacional e treinamento profissional, meios de aumentar a oportunidade de emprego para os portadores, emprego protegido, e disposições especiais para jovens e crianças portadores de algum tipo de deficiência.
Já a Convenção nº 159, de 1983, também da OIT, promulgada pelo Decreto nº 129, de 1991, dispõe sobre a política de readaptação profissional e emprego de pessoas portadoras de necessidades especiais. Essa política é baseada na igualdade de oportunidades entre os trabalhadores portadores de deficiência e os trabalhadores em geral, não sendo considerada medida discriminatória aquelas especiais positivas que visem a garantir essa igualdade de oportunidades. Assim, os países signatários desta Convenção comprometem-se a desenvolver atividades de integração e de fornecerem instrumentos que viabilizem o exercício das atividades profissionais para as pessoas portadoras de necessidades especiais.
Em 2006, a Assembléia Geral da ONU, adotou a Convenção Internacional para os Direitos das Pessoas Portadoras de Deficiência, assinada por 192 países, tornando-se um instrumento jurídico que vincula os Governos dos Estados-Signatários. A finalidade é efetivar a melhoria do acesso à educação e a igualdade de oportunidade ao emprego. Segundo a ONU, a necessidade desta Convenção foi premente devido o fato de que os portadores de necessidades especiais são 650 milhões de pessoas em todo o planeta, 10% da população mundial.
No Mercosul, trata-se de uma declaração presidencial sancionada em 1998, assinada por todos os presidentes dos países membros, que tem por base a “Promoção da Igualdade”, esta reitera o compromisso dos Estados com a não discriminação das pessoas com necessidades especiais, que serão tratadas de maneira digna favorecendo sua inserção social no mercado de trabalho, adotando medidas de educação, formação e reorientação profissional e a garantir mediante legislações e práticas laborais, a igualdade de tratamento e oportunidades.
No Brasil, no âmbito da Administração Direta e Indireta, a Carta Magna instituiu leis programáticas que foram regulamentadas, como o artigo 37, inciso VIII, instrumentalizada pela Lei nº 8.112/90, que dispõe sobre a obrigatoriedade de reserva de até 20% das vagas abertas nos concursos públicos para preenchimento por portadores de necessidades especiais. Vale salientar que devem ser asseguradas todas as condições para a realização da prova, incluindo as facilidades necessárias ao grau e tipo de deficiência, pois não havendo essas medidas por parte do administrador encarregado pelo concurso, pode-se pleitear a anulação do mesmo, sem prejuízo de restituição dos cofres públicos.
A extensão jurídica desta Norma vai muito além da sua interpretação literal, pois a mesma postula que as desigualdades decorram exclusivamente das diferenças das aptidões pessoais e não de outros critérios individuais personalíssimos, tais como: sexo, raça, credo. É neste sentido, que sustenta o que a citada Lei impõe, ou seja, a aplicação de tratamentos desiguais para determinadas pessoas sem que isso importe em ofensa ao principio da isonomia. Trata-se de uma discriminação positiva para tentar se obter uma igualdade de oportunidades.
Já a Legislação Ordinária nº8213/91, que regula benefícios previdenciários, em seu artigo 93, trouxe forma hábil para combater a discriminação, introduzindo o sistema de quotas no preenchimento de cargos na iniciativa privada. O valor principal deste dispositivo legal é o incentivo ao portador de necessidades especiais no sentido de reintroduzi-lo na sociedade, de fazer com que ele queira aprimorar suas aptidões, seu potencial, superar as barreiras impostas, de forma que se tornem pessoas habilitadas a preencher os novos postos de trabalho surgidos com o advento da lei, então a qualificação é condição sine qua non para a obtenção do emprego.
A primeira legislação sobre autismo na América Latina foi a Lei nº 13.380, aprovada em 2005 e regulamentada em 07 de setembro de 2007, de autoria da Deputada Peronista distrital por Buenos Aires, Karina Rocca, mãe de um autista.
Lei de autoria da Deputada serviu de base para que os legisladores brasileiros elaborassem sua própria norma e a primeira Lei Estadual a favor do autista surgiu na Bahia (Lei nº 10.553/2007), cujo teor constitui-se de pleitos universais do segmento autista.
Mesmo caminho percorreu a cidade do Rio de Janeiro com a edição da primeira Lei Municipal nº 4.709, de 23 de novembro de 2007, que reconhece a pessoa com autismo portadora de deficiência. E recém saído do forno, Manaus, através da Lei Municipal nº 1.495, de 26 de agosto de 2010, garante as pessoas autistas usufruir os direitos assegurados pela Lei Orgânica do Município, contudo, não contemplou o atendimento com a Terapia Ocupacional.
Na Paraíba, temos a Norma Estadual nº 8.756, de 02 de abril de 2009, que instituiu o Sistema Estadual Integrado de Atendimento à Pessoa Autista no âmbito do Estado, bem como as diretrizes para a plena efetivação dos direitos fundamentais que propiciem o bem estar das pessoas autistas.
A citada Legislação garante programas de suporte comunitário constituídos de oficinas de trabalho protegidas, bem como a prestação de atendimento visando à inclusão das pessoas autistas no mundo do trabalho. Seria muitíssimo interessante acrescentar a Lei um artigo que tratasse da criação de um cadastro único da pessoa portadora de autismo, para sua inserção no mercado laboral junto às empresas localizadas no Estado, pois muitas vezes deixam de contratar por não ter acesso a essas informações.
Não há estatísticas oficiais, mas no VIII Congresso Brasileiro de Autismo, realizado na cidade de João Pessoa/PB, foi informado que somente na capital há aproximadamente 36 mil autistas.
A verdade, é que na prática, pouco foi feito, sair do mundo do papel para o mundo operacional, leva algum tempo, entretanto, a criação da norma já foi o primeiro e importante passo para a concretização dos direitos sociais.
Oportuno ressaltar que apesar de já existirem leis estaduais e municipais tratando do tema – das pessoas portadoras do espectro autístico – ainda não há uma lei federal capaz de resguardar seus direitos e liberdades fundamentais.
Entretanto, a Associação em Defesa do Autista – ADEFA, em 2010, apresentou proposta de Anteprojeto de Lei Federal do Autismo, na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, para que o enfoque dado ao Autista, seja tratado como caso de saúde pública a nível nacional, propondo o diagnóstico precoce, tratamento multidisciplinar e acompanhamento para familiares de autistas, vale ressaltar que atualmente apóiam o projeto os Senadores Paulo Paim e Cristovam Buarque.
Assim, a temática de eficácia dos direitos sociais, assegurando a plena inclusão do portador de necessidades especiais – Autista – no contexto socioeconômico e cultural, deve ser amplamente discutida e muito refletida, posto que devam receber igualdade de oportunidades na sociedade, proporcionando a qualificação profissional, que se dará primeiramente respeitando o acesso a educação, e a incorporação no mercado de trabalho, que são direitos assegurados constitucionalmente.
5. A inclusão dos portadores de espectro autístico nas relações laborais
Para se ter a noção de cidadania, faz-se mister reconhecer a existência das diferenças sem preconceito. As políticas sociais devem trabalhar em prol da inclusão de todas as pessoas que possuam qualquer tipo de necessidade especial.
Não se levanta a bandeira da concessão de privilégios para essas pessoas, mas sim, trata-se de promover a igualdade de oportunidades para que possam desenvolver suas potencialidades próprias e também gozar de plenos direitos. Torna-se necessário uma atenção por parte dos Governos ao realizarem políticas sociais para que estas possam alcançar a todos os seguimentos da sociedade e garantir os direitos específicos de cada grupo.
Fala-se em políticas compensatórias, definindo-se direitos sociais específicos e especiais, e que, caso não haja esta possibilidade, as pessoas portadoras de autismo continuarão excluídas do exercício de seus direitos.
Torna-se imprescindível uma mudança de postura, com a participação dos cidadãos nas decisões e ações que, na sociedade e no Estado, delimitam os rumos e o modo de vida de todos. Em especial, a participação efetiva das minorias e de suas entidades representativas, para que possam assegurar as práticas dos direitos ora pleiteados, combatendo a massificação que despreza a autonomia individual e grupal, fazendo com que cada um reconheça o outro, trabalhando por alternativas que considerem a humanidade das pessoas.
Deve, ainda, haver a garantia da igualdade com o significado de oportunidades iguais de acesso a todas as condições construídas pela sociedade, com total liberdade para que as pessoas com espectro autístico tenham a livre decisão sobre sua inclusão social e econômica.
Faz-se mister, diferenciar inserção de inclusão. Na primeira, o trabalhador pode estar empregado, mas não ter necessariamente os seus direitos sociais garantidos, como, por exemplo, a carteira de trabalho assinada. Já a inclusão tem o sentido mais amplo: além de estar empregado, pressupõe que estão sendo respeitados os direitos sociais e especialmente os direitos trabalhistas do individuo, que, desta forma, tem a sua condição de cidadão respeitada de forma integral.
Para que todas essas idéias sejam realmente efetivadas, é condição sine qua non a solidariedade, no sentido mais sublime da palavra, constatando que as pessoas não podem ser felizes sem que os outros também o sejam.
A legislação almeja integrar o autista na sociedade através de alternativas, com o desenvolvimento de programas de prevenção, que atendam suas necessidades especiais por um atendimento especializado, bem como a integração das ações dos órgãos e das entidades públicas e privadas nas áreas de saúde, educação, trabalho, transporte, assistência social, edificação pública, previdência social, cultura, habitação, desporto e lazer, com o fim de prevenir ou amenizar as deficiências e eliminar as suas múltiplas causas.
Segundo Temple Grandin, autista, Ph.d e professora da Universidade do Colorado – EUA (2010), é importante dizer que o autista necessita de uma transição gradual da escola para a inserção no mercado de trabalho, o ideal seria que o trabalho inicia-se em pequenos períodos, enquanto ainda estivessem na sala de aula. Pesquisas realizadas com autistas adultos que tiveram acesso ao emprego demonstram que utilizam suas fixações como à base de suas carreiras, podendo assim, serem bem sucedidos e usarem seus talentos e habilidades para tal. Ainda podemos ressaltar que aqueles empregos que tiveram êxito não envolviam interações sociais complexas.
Entretanto, para que isto seja concretizado, torna-se necessário a efetiva aplicação da legislação específica que trata da reserva de mercado de trabalho aos portadores de necessidades especiais, como também a fiscalização do seu cumprimento, e a aplicação de algumas regras de boa convivência.
É necessário informação, educar empregados e empregadores sobre autismo, para que possam auxiliá-los no trabalho e em seu crescimento profissional.
Uma medida dirigida a alavancar o emprego das pessoas portadoras de autismo, será a prestação do trabalho em centros próprios ou no domicilio, visando à passagem, assim que possível, para um emprego nas mesmas condições das pessoas que não possuam nenhuma necessidade especial.
As entidades beneficentes de assistência social poderão intermediar a inserção laboral, realizando-a sob as formas de colocação seletiva e promoção de trabalho por conta própria, nessa modalidade encontram-se as cooperativas, regime de economia familiar, trabalho autônomo.
Esta intermediação poderá ocorrer através da contratação dos serviços por entidades públicas e privadas ou na comercialização de bens e serviços decorrentes do programa de habilitação profissional de adolescente e adulto portador de autismo, em oficina de produção protegida ou terapêutica. Um bom exemplo foi dado pela entidade Pestalozze, localizada na cidade de São Paulo, que iniciou um projeto intitulado “Programa de emprego apoiado”, onde um consultor faz a ponte entre os alunos e os empregos que oferecem as vagas, a experiência está dando certo, pois foram inseridos 119 jovens. No Ceará, a entidade Casa da Esperança, conseguiu vagas de empregos para alguns jovens autistas de baixo funcionamento, a fim de executarem o serviço de serigrafia, que aprenderam nas oficinas protegidas da instituição.
Outro meio será realizado nas Negociações Coletivas, onde as partes poderão estabelecer postos de trabalho reservados aos portadores de espectro autístico, é uma forma de garantir o encaminhamento profissional.
Nas esferas das empresas, podem ser oferecidas palestras de sensibilização sobre o potencial das habilidades dos autistas, criar e publicar um “Manual de Boas Práticas”, onde os colegas de trabalho seriam treinados para ajudá-los e aprenderiam a compreender o que é o autismo.
inda outra forma de estímulo, pode ocorrer prevendo-se descontos para os empregadores privados das contribuições previdenciárias e assistenciais relativos a cada autista, por períodos pré-determinados, de acordo com o grau de comprometimento de cada portador, quanto maior o grau, maior o tempo de desconto.
É importante ressaltar, ainda, que o empregador teria o reembolso parcial para efetuar as transformações ocorridas em melhorias de condições de trabalho aos portadores de autismo, ou para a remoção de barreiras arquitetônicas e ainda, isenção de impostos para a aquisição de equipamentos para o aperfeiçoamento dos serviços.
Vale a pena algumas modificações no sentido de premiar as empresas que cumprem o que está disposto na lei, através de bônus, premiações, entre outros, com a finalidade de incentivar cada vez mais a utilização de mão-de-obra do portador de necessidades especiais.
A imposição da obrigatoriedade da lei, não garante o seu cumprimento e muito menos que os empresários venham oferecer as condições dignas e necessárias para que possam exercer os seus trabalhos, mesmo porque estes esquemas muitos rígidos tendem a estigmatizá-los.
É bem verdade que os direitos e obrigações só são respeitados e cumpridos na grande maioria das empresas por força de lei, mas, neste caso, deve-se levar em conta o objetivo do dispositivo legal, que é a inserção do autista no mercado de trabalho, valendo a pena a flexibilização na negociação com os empregadores, para que a contratação de autistas seja encarada com uma nova filosofia: a de incluí-lo aproveitando o seu potencial e não apenas para cumprir a lei de quotas.
Portanto, percebe-se, que o princípio da igualdade, sem dúvida, é o esteio de todas as garantias e prerrogativas de que goza o portador de necessidades especiais, apesar de não se constituir em norma exclusivamente de proteção, mas sim de instituição de princípio democrático, extensível a todos, que coloca o grupo protegido em condição de inclusão e integração social. E é nessa extensão que se pode sustentar a aplicação de tratamentos desiguais para determinadas pessoas ou situações, sem que isso importe ofensa ao princípio, reconhecendo as chamadas “Ações Afirmativas”.
6. Considerações finais
O estudo do tema abordado é bastante relevante para o Direito, tendo em vista que remonta tanto aos direitos humanos, quanto ao direito do trabalho, no tocante a efetivação do direito de acesso ao trabalho da pessoa portadora de autismo.
Trata-se de uma questão que, contemporaneamente, enraíza-se, cada vez mais, e das quais decorrem inúmeras implicações: o desrespeito a cidadania e a dignidade da pessoa humana, o desemprego, a discriminação. Então, é indispensável à efetivação dos direitos sociais dos autistas no âmbito do direito ao trabalho proporcionando mudanças significativas e um efeito positivo na sociedade, pois vale salientar que os portadores de necessidades especiais não se limitam a um grupo específico, distribui-se como homens, mulheres ou crianças, idosos ou jovens, nas diversas classes sociais e regiões, não devendo por isso serem rotulados pela deficiência que possuem.
Como disse Maior (1998, p.18):
“Podem estar incluídos no universo das pessoas portadoras de deficiências homens ou mulheres de qualquer faixa etária, de qualquer raça ou etnia, de qualquer religião ou que tenham nascidos deficientes ou que tenham adquirido a deficiência durante a vida. Portanto, o contingente de pessoas portadoras de deficiências é heterogêneo, e representa a única minoria social à qual qualquer um poderá, em alguma ocasião pertencer. A existência de pessoas portadoras de deficiência reflete simplesmente uma conseqüência da fragilidade da vida humana.”
Portanto, a inclusão, integração e proteção possuem uma dimensão bem maior do que a simples inserção do portador de autismo no mercado de trabalho, uma vez que valoriza o direito à cidadania que qualquer pessoa tem, direito este que não pertence somente aos deficientes, mas a toda a sociedade.
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* Alessandra Cabral Meireles da Silva é advogada. Especialista em Direito do Trabalho. Doutoranda em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino (UMSA).
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Fonte: O Autor