quinta-feira, 21 de abril de 2011

Série: Mães de Autistas e suas Histórias - IV - Tomás

     Não me contive e decidi contar um fato ocorrido na escola do meu filho Tomás, em novembro/2009.
Tomás já havia entrado na classe, pra aula.
     Eu já estava saindo da escola quando Roberta, a mãe de Giulia, coleguinha de turma do meu filho, chamou-me pra conversar.
     Começou logo dizendo, o quanto a Giulia adora o Tomás!
     Recordou-me que, desde que estudam na mesma turma (quando eles tinham 3 a 4 anos de idade), o Tomás foi o único a ajudar a filha dela, quando ela mais precisou.
     Giulia não queria mais ir a escola.
     Era levada pelos pais em prantos. Dizia ela, que não queria ler livros nem estudar mais.
     Nenhum professor ou diretor conseguia “entender” a reação da menina. Nem resolver o dilema.
     Na ocasião, Tomás diariamente aguardava que a coleguinha chegasse à porta da classe.
     Meu filho pulava feito pipoquinha no lugar e agitava suas mãozinhas, quando via Giulia chegar. Ele sempre a esperava!
    Ele segurava suas mãos e com o sorriso mais lindo do mundo, a tranqüilizava, conduzindo-a para o interior da classe.
     Foram meses assim.
    Giulia chegava chorando com os pais, não querendo ir pra escola. O Tomás a aguardava com carinho e segurando suas mãos a trazia pra sala de aula.
    Roberta jamais esquecera esses momentos de dificuldades de sua filha. Superados com a ajuda do carinho e sensibilidade de Tomás.
    Pois bem. Após essa introdução em nossa conversa, Roberta entrou de fato, no assunto que a perturbava.
    - Estou há 3 meses pensando em falar com você, Marilei. Mas não sei como começar. Nem sei o que você pensará a respeito do que tenho a lhe dizer.
    Pensei comigo. Lá vem bomba...
    Será que Tomás aprontou alguma “arte” com a Giulia? Pensava eu rapidamente.
    - Pode dizer Roberta.- respondi.
    - Vou contar minha conversa com a Giulia, pra você entender melhor. -assim, Roberta prosseguiu:
    - Sabe Marilei, a Giulia vivia me pedindo um cachorrinho de presente. Faz um ano que ela pede. Acabei cedendo e comprei um cachorrinho macho, como ela queria.
    E ela continuou.
    - Filhinha, que nome você dará ao seu cahorrinho? Bob, Todd, Billy, ou o que?- questionou Roberta.
    Com a maior naturalidade, Giulia disse:
    - Ele vai charmar-se TOMAISZINHO, mamãe.
    - Tomaiszinho? Da onde você tirou esse nome filha?- retrucou a mãe.
    - Mamãe, eu não tenho um coleguinha da classe chamado Tomás. Então! Darei o nome de Tomaiszinho pro meu cachorrinho!- falou com simplicidade a garota.
    - Mas Giulia, Tomás é nome de gente e não de cachorro. Voce não pode dar esse nome!
    - Posso sim!!!- firmemente rebateu a garota.—O cachorro é meu, e eu dou o nome que eu quiser!
    - Gente, eu comecei a rir, imaginando a cena desse diálogo entre mãe e filha.
    - Sabe Marilei, pra mim a Giulia fez uma espécie de homenagem pro seu filho agindo assim. – argumentou Roberta, ainda aflita com que eu poderia dizer.
    Eu simplesmente respondi:
    - Roberta, as crianças são tão puras e vêem as coisas com tanta simplicidade e naturalidade, que nós os adultos deveríamos ter! Adorei o gesto de sua filha. Fique tranqüila. Entendo perfeitamente a atitude dela.
    Roberta suspirou aliviada, sorrindo.
    Complementei:
    - Fale pra Giulia trazer-me uma foto dela com o Tomaiszinho, pra eu também o conhecer!
    Despedimo-nos, ambas aliviadas e mais “leves”.
    Afinal, a verdade é uma só:
    Nós adultos complicamos a vida.
    Nós pais é que vivemos aprendendo com nossos filhos, mais, muito mais do que achamos que ensinamos a eles.


Marilei -
Mãe do Tomás - Autista



quarta-feira, 20 de abril de 2011

Feliz Páscoa

Série: Mães de Autistas e suas Histórias - III - Eros Daniel

Quando leio essa variação de temas escritos pelo Nilton, sempre comento que ele quer mesmo é ver a choradeira das mães de autistas quando elas contam suas histórias.
Dramáticas e espetaculares, como ele diz.

     Uma das nossas amadas mães e amiga sugeriu que eu também participasse dessa série dedicada ao Dia das Mães (de autistas), que vi como uma boa idéia, afinal a gente se envolve tanto com os nossos filhos, que às vezes esquecemos o papel participativo que temos nas lides autísticas.
Pai de um jeito, mãe de quase todos os outros jeitos, né mesmo?

     Nós, quando começamos a “nossa história” há trinta e poucos anos atrás, tivemos que nos tornar terapeutas do nosso próprio filho autista aprendendo com suas manifestações comportamentais, na difícil e complexa convivência diária, grandes lições de amor, renúncia e sacrifício, espontaneamente aceitos com lucidez e abnegação, até porque a síndrome ainda era e continua quase como uma ilustre desconhecida.

     Buscamos todos os recursos possíveis e disponíveis, oferecidos pela medicina oficial, neurologia, psiquiatria, psicologia e terapêuticas altamente especializadas existentes na época, o que nos levou, isentos de vaidades, ficarmos especialistas na síndrome, tal a profundidade que nos envolvemos nos estudos dos tratados médicos, psicopedagógicos e educação especial dos chamados “excepcionais”.

     Com profundo sentimento de Fé, Amor e Abnegação, aceitamos o desafio que a vida nos concedeu, pelo nosso filho diagnosticado autista, outra raridade tal eram as dificuldades de informação, compreendendo que ele é um Espírito ou uma Consciência em processo de evolução como todo ser humano, “co-criador” do seu próprio destino e que nós, pais, assumimos o compromisso perante as Leis Divinas e da própria Consciência de amá-lo incondicionalmente, colaborando na sua própria autoredenção, o que nos possibilitou compreender sua condição de autista encapsulado, como então lhe caracterizava a psiquiatria vigente.

     Compreendemos também que o núcleo familiar constitui, em última análise, um verdadeiro laboratório consciencial, no qual mentes e corações se encontram e reencontram no vai-e-vem das vidas sucessivas, obedecendo a um planejamento maior, em harmonia com o Plano Divino alicerçado nas Leis do Amor, do progresso evolutivo e do aperfeiçoamento individual e coletivo, que nos proporcionou uma cosmovisão da vida e da natureza realista e otimista, de bom ânimo, perseverança, paciência e de esperança, fortalecendo-nos no testemunho diário, para compreender e aceitar as razões profundas de uma prova existencial tão complexa, difícil e desafiadora como é o autismo.

     Sempre esperamos que alguém respondesse aos nossos chamados. Sentíamos então que tudo o que pensávamos era real. Às vezes isso até não era um absurdo. Tentávamos nos enganar. Dizer para nós mesmos que éramos bobos. Nosso filho sabia que ainda estávamos enfraquecidos; às vezes até dava uma choradinha; quando não fazia alguma coisa, ficava quieto demais. Estava dormindo, mas nós sabíamos que se acendesse a luz, lá estaria ele, olhando-nos.

     Suspirávamos.
    
     Hoje, aqui em casa, pelo som macio da sua voz, ele continua aprendendo o que se quer dele e do seu corpo. Ele é grande fisicamente, mas continua na sua velocidade autística, a crescer mentalmente, tentando a cada gesto transformar-se numa presença.


     Enquanto isso, nós sabemos que ele deve antes satisfazer os desígnios divinos.

Roseli Antonia
Mãe do Eros Daniel - Autista



terça-feira, 19 de abril de 2011

Série: Mães de Autistas e suas Histórias - II - Sheila

  • Sheila passou por todos os processos de desenvolvimento e aprendizagem de uma menina autista.
  • Antes mesmo de ser diagnosticada por mim como autista pois, nos anos de 1971 em que nasceu ninguém sabia distinguir o autismo.
  • Seu grau no espectro autista é de alto funcionamento. Aos 8 anos de idade foi duvidosamente reconhecida como tal. Neste tempo foi estimulada por psicólogos e nas escolas, embora nenhuma delas suportava os seus comportamentos agressivos.
  • Com o passar dos anos as minhas angústias e meus temores aumentavam gradativamente.
  • Atualmente, aos seus 39 anos de idade, reside em um condomínio para pessoas deficientes leves desde 2001 e namora um Down há vários anos o que a ajudou ser mais afetiva.
  • Alí aprendeu a ser mais adulta e sabe conversar com mais desenvoltura.
  • Aprendi com ela a ser mais paciente e não censurar e dar reprimendas.
  • Ao mesmo tempo, com seus problemas próprios de autismo, conseguiu se socializar ao entender o limite dos outros e o seu mesmo.

PENSAMENTOS DE AUTISTA

Outubro de 2008

Muitas pessoas falam alto penso que é uma bronca, mas não é.
Me dá pavor, medo e susto porque me sinto culpada.
Toque:
Quando alguém me toca ou me abraça eu me sinto penalizada, sensível, arrepiada.
Tenho medo que me ataquem nas minhas costas.
Fujo das multidões e de grandes barulhos, penso que as pessoas vão me pressionar, me apertar,
por isso que eu tenho medo.
Dificuldade no pensamento de lembrar o que as pessoas falaram.
Assim acabo perguntando mais de uma vez.
Relembrar às vezes é bom.
O Davi representa para mim uma obsessão que quando vai para São Paulo,
sinto falta dele porque gosto dele.
A falta é saudade e medo de perder ele porque um dia ele pode morrer.
O Davi tem 61 anos e com a idade surgem problemas de saúde.
O Davi representa o amor para mim. Por isso não gosto de ficar longe dele.
O que significa morte para mim: acabou a vida da pessoa e isso me entristece.
Quando as pessoas falam: "muda de assunto" fico triste e irritada.
As pessoas não entendem que eu preciso de repetição para aprender coisas novas.
Não consigo lembrar de tudo porque é muita coisa na minha cabeça.
Sinto que muitas informações se acumulam.
Eu tenho muita dificuldade de prestar bastante atenção porque me perco nos pensamentos.
Prefiro estar com pessoas mais velhas porque entende a minha dificuldade e aprendo coisas novas com pessoas mais velhas.
Interrompo as conversas porque o assunto não me interessa. Eu não sou uma máquina não consigo fazer as coisas ao mesmo tempo.
Assunto de adulto demora para entender porque me perco nos pensamentos e
não entendo o que eles dizem.
Emoções: sinto contente com a família, ganhar presentes, estar perto do meu namorado, amigos, estar com a terapeuta indo na fazenda, ouvindo música.
Tem muita gente que fala alto demais pensando que é uma bronca mas é o jeito da pessoa.
Me dá raiva quando as pessoas estão de mau-humor comigo.
Me dá tristeza quando fico longe do meu namorado.
O Davi é a pessoa que mais me chama a atenção, significa "cheguei" porque amo ele por isso que eu fico com uma obsessão profunda, forte, me preocupa demais porque adoro porque está dentro do meu coração como se o Davi fosse uma coisa super importante. A minha preocupação mundial é o Davi.
Não consigo esquecer ele, me faz falta, fico 24 horas pensando nele.
Tudo o que me chama a atenção e me dá alegria: cavalo bonito manso,
vaca com bezerro manso, fazenda bonita em geral.
Fico imaginando sobre shopping, roupa colorida bonita, brinquedo, livraria, papelaria.
Imagino também cria de gatos e cachorros.
Não consigo participar quando tem muita gente em uma reunião ou festa porque não entendo o que as pessoas estão falando e fico afastada.
Medo de algumas pessoas não gostarem de mim e me tocarem.
A minha mãe fica me pressionando para aprender a fazer as coisas mais rápido.
Uma colega fica me pressionando para entender rápido e eu não consigo entender rápido. Medo de aprender coisas novas que é difícil de fazer.
Família: reunião de gente. Pai, mãe, irmãos, tios, avós, bisavós.
Família significa para mim felicidade porque me dá presente que eu gosto.
Eu gosto de visitar a minha família porque tenho novidades para contar.
Tem coisa gostosa para comer que nem bolo.
Não entendo o que significa os familiares.
Venci a preguiça de trabalhar o dia todo, tenho amigos conversando sobre outros assuntos.
Barreira ou dificuldade significa uma estrada congestionada para esvaziar para chegar em casa.

Yvonne Falkas.
Mãe da Sheila - autista

Crianças Autistas entram em campo

Os jogadores do Avaí que venceram o Concórdia na tarde deste domingo, dia 17, pelo placar de 4 a 0, entraram em campo acompanhados por crianças autistas. A homenagem deve-se ao dia de discussão e reflexão sobre o Autismo, que foi comemorado em 2 de abril.
O clube veio a público manifestar apoio à causa e essa ação de reverenciar o debate sobre o Autismo consta no planejamento estratégico através da Diretoria de Ação Social e Comunitária. A ação deste domingo, na Ressacada, contou com a participação do Grupo de Apoio à Inclusão do Autista de Florianópolis (GAIA).



segunda-feira, 18 de abril de 2011

Série: Mães de Autistas e suas Histórias - 1 - Laura


Até os sete anos, Laura não sabia se embalar sozinha no balanço.

O pai dela fez um balanço na chácara.
Lá ela aprendeu.
Agora, olhem como se embala. Sem as mãos.
Eu nem olho porque meu coração fica pequeno de angústia de tanto medo que caia.
Ela percebe meu medo e se embala mais alto ainda!
Por isso nem olho!
Mas por outro lado, quanto equilíbrio ela tem!

Anda de carona na moto desde os sete anos.

Também quase morro de medo porque também na moto ela solta as mãos.

Mas o pai dela confia nela.

Eu prefiro confiar no anjo do autista que a protege.

-0-0-0-0-0-0-0-0-0-0-0-0-0-0-0-0-0-0-0-0-0-0-0-0-0-0-0-0-0-0-0-0-0-0-0-0-0-0-0-0-0-0-0-0-0-0

MENINA, PARTO DO CORAÇÃO*

Todos os caminhos que percorri,
Todas as coisas que vivi
Todas me levaram pra ela.
Todos os sonhos que sonhei,
Todos os que realizei,
Levaram-me até ela!
Caminhos sem trilhos,
Trilhas sem descaminhos,
Sol Luz de energia,
Sonhos noite e dia,
Levaram-me até ela!
Todos os caminhos mostraram a verdade
Vida incompleta, ela era a metade!
Menina, parto do coração!
A imagem do anjo, aparição!
Imagem mensagem, menina
Sempre esteve em mim.
Está ainda!
Menina, parto do coração!


*Lúbia:
Mãe da Laura - autista