quarta-feira, 4 de maio de 2011

Série Mães de Autistas e suas Histórias - X - Nathália


      Eu já era mãe quando a Nathália nasceu, e já há dezoito anos vivo esta emoção com ela.
     Penso que todo dia é dia das mães, mas guardo na memória pelo menos dois “Dia das Mães”, em especial.
     No início de 1997 a Nathália já vivia as alterações, quase imperceptíveis, do autismo e eu não sabia, lembro que naquela época ela brincava horas com as suas mãozinhas gorduchas e eu achava lindo...
     Neste ano no colégio dela fizeram uma homenagem para as mães, e lá fui eu pra ser homenageada.
     Da homenagem a Nathália pouco participou, mas tão logo a professora largou o microfone ela dele se apoderou e disse em alto e bom som, por várias vezes:
     -Mamãe eu te amo... Eu te amo... Te amo... Amooooooo...
     Quando então a professora tirou dela o microfone, lembro que ela ficou com o olhar preso nas suas mãozinhas... E eu fiquei ali, olhando pra ela, com o coração suspenso e totalmente descompensado e sem saber por quê!
     Passei muitos anos sem ouvi-la se tratar de “Eu”, ela passou a se tratar de “A Nathália”.
     Depois de muito tempo eu entendi que a minha filha se despediu de mim, solenemente, me fazendo uma declaração de amor.
     Logo em seguida vieram de modo acentuado, todas as perdas, principalmente na área da linguagem, que por fim ficou reduzida a sete palavras: a-Nathália-quer-água-xixí-cocô-isto.
     Foram anos muito difíceis, nos quais eu busquei a minha filha incansavelmente, e é claro que os progressos vieram, muito lentamente, e eu passei, a saber, contra quem lutar... O autismo.
     O autismo devastou a minha vida, levou a minha filha embora, e me deixou com esta busca desesperada, passei noites e noites acordada pesquisando, estudando, elaborando estratégias pra recuperar o que tinha sido perdido e ir além, e tão logo o dia amanhecia colocava em prática a nova idéia, o novo palpite, tudo o que eu acreditava que daria certo.
     Os dias foram ficando tão longos... A Nathália evoluía e retrocedia e lá adiante evoluía novamente... Assim se passaram meses... Anos... Todo dia era dia de filha, nem lembro se teve algum dia das mães, minha cabeça fervilhava de idéias e tormentos, a minha busca era o meu guia...
     Com o passar do tempo vi que ela mais evoluía que retrocedia e fui acalmando o coração, recuperamos a linguagem, a idade motora já correspondia a sua idade real, ela estava por fim desabrochando... Evoluindo muito lentamente, mas evoluindo sempre.
     Nestes anos “O Dia das Mães” foram todos iguais: Eu me aprontava, ia ao colégio e ela não participava, fosse a homenagem que fosse.
     Já em 2004, o colégio em que ela estudava resolveu fazer ma homenagem pro Dia das Mães em que os alunos cantariam a música “Nossa Canção” do Roberto Carlos.
     Não deu outra a Nathália resolveu, de última hora, não participar, e enquanto todas as mães foram se reunir no pátio do colégio, eu fiquei sozinha no corredor, em frente à sala de aula, onde ela havia se homiziado.
     Mas quando os colegas começaram a cantar, ela saiu da sala de aula, encostou a testa no meu queixo, me abraçou e cantou baixinho, só pra mim, todos os versos da música, enquanto lágrimas quentes molhavam-me o rosto...
     Fiquei muito, muito emocionada!...
     Deixei-me abraçar e me abracei naquele abraço... Chorei!...
     Chorei convulsivamente, pois me lembrei que com palavras de amor, a “outra Nathália”, de mim havia se despedido, e naquele momento, já em franca recuperação, ela me presenteava, no “Dia das Mães”, com mais uma declaração do seu amor, que fazia valer a pena tudo o que havia sido vivido e sofrido pra tê-la comigo de volta... Mesmo que em outra condição...
     Hoje o autismo da Nathália é só um detalhe da pessoa linda que ela é, e por mais que ele insista em nos fazer sofrer, já conseguimos passar por cima dele, sem maiores tragédias.
     Por todos esses anos eu aprendi a compartimentar dores e desilusões, e com isso cada vez mais, eu sofro menos.
     Aprendi a treinar o meu olhar pra buscar, na minha filha, todo e qualquer traço de felicidade e me satisfaço, afinal pra fazê-la feliz é preciso tão pouco...
     E no fim é só isso que eu quero...
     Ver a Nathália Feliz!...
     E esta certeza da sua felicidade me garante ter, todos os anos, um feliz Dia das Mães...

Sérgia Cal - , mãe da  Nathália,
que é autista, quase que todo dia...kkkk...ou quase que o dia todo...kkkk

4 comentários:

Claudia Moraes disse...

Sergia, minha amiga, a cada dia fico mais sua fã, se é que isso é possivel.
Você é uma daquelas pessoas definitivas, e é nisso que lhe admiro mais. Além é claro do seu KKKKKKKKKKK que já virou marca registrada.
Parabéns a Nathália por ter conseguido nesse mundo uma mãe única, porque muitos dizem por aí que mãe é tudo igual... e, vc prova de maneira encantadora a inverdade desse conceito!

"Feliz Dia das Mães"
Bjs
Claudia Moraes

Anônimo disse...

Olá Ana Sérgia
Ah! Quanto tempo, hein???
Sou Dailma, mãe aqui do Estado do Pará, lembra? A uns 01 ano e 04 meses mais ou menos falei com vc, no começo de tudo... do diagnóstico.
Adorei seu relato no vivências autísticas. Choreeeeei muito...
Feliz Dia das Mães para vc, vc realmente merece tudo de bom, afinal está na estrada há tanto tempo, sei que não deve ser fácil...
Nunca te esqueci e sempre lembro de uma dica que vc me deu e que carrego comigo: "Para buscar a comunicação verbal do meu filho", sem se importar se digam que ele vai falar ou não, acreditando sempre nele. Faço e lembro disso todos os dias. Ele está bem ecolálico ainda, mas já pede quase tudo que quer, principalmente colo, mimaaado!(rs, rs, rs). Ele está um fofucho.
Beijos para vc e sua princesa. Ela é minha ídola.
Dailma

Yvonne Falkas disse...

Querida Sérgia,
Que o teu Dia das Mães junto com a Natália seja sempre uma alegria.
Você tem uma história longa que foi percorrida e conquistou a Natália para ser o que hoje ela é.
Beijos,
Yvonne

Unknown disse...

Puxa Sergia só li teu depoimento hoje, que Maravilha que história cheia de riquezas e lutas como não poderia deixar de ser...
Aquele abraço fraterno e carinhoso
Liê e Gabi autista