Nesta época, as revistas científicas, jornais e meios de comunicação procuram sempre fazer retrospectivas dos assuntos mais interessantes do ano que passou.
Outros veículos aproveitam para prever áreas que podem ter um impacto maior no ano que vem. Enfim, para fugir um pouco desse paradigma, decidi escrever algo diferente. Procurei unir as duas coisas, passado e futuro, juntando ciência e arte em conceitos que acredito que venham fazer parte do nosso dia a dia em breve. Veja se você concorda.
Decidi focar no biodesign. O conceito de design biológico não é novo, mas sinto que no Brasil poucos profissionais da ciência estão familiarizados com essa ideia. Acredito que nosso país tem um potencial enorme para explorar esse tipo de interface entre arte e ciência.
O biodesign não usa apenas plásticos, vidros e madeira como matéria-prima, mas sim coisas vivas, como organismos e células. As implicações dos projetos vão além da equação forma-função ou do conceito de modernidade, conforto e progresso que prevê o design clássico.
O biodesign transcende essa tradição e provoca curiosidade, uma ótima forma de difusão científica. Em geral, os profissionais, na maioria biólogos, incorporam seres vivos em seus projetos, procurando usufruir dos ciclos biológicos de cada espécie. Obviamente, como acontece em diversas disciplinas, algumas ideias são boas e podem ser aplicadas na prática – outras nem tanto.
Um bom exemplo de aplicação prática é o trabalho de Susana Soares (foto acima), que treinou abelhas a reconhecer sinais químicos expelidos na nossa expiração. Ela conseguiu combinar o extraordinário poder olfativo das abelhas, capazes de detectar concentrações ínfimas de hormônios e toxinas, com o reflexo pavloviano.
O resultado são abelhas que servem como ferramentas de diagnóstico para doenças do coração e testes de gravidez, por exemplo. E basta um assopro. A ferramenta está sendo aplicada em estudos sobre a malária, na tentativa de descobrir por que algumas pessoas são mais atraentes que outras aos mosquitos.
Outro exemplo vem do trabalho de Revital Cohen, redirecionando cães de corrida aposentados para ajudar pessoas com dificuldades de respiração ou problema renais (foto ao lado).
Esse sistema híbrido funciona de forma holística e simbiótica e independe de eletricidade. Projetos como esse fazem pensar em milhares de outras situações em que poderíamos usar o próprio desperdício humano para gerar algo produtivo. Estimo que cerca de dois bilhões de pessoas no mundo gastem pelo menos 1 minuto por dia jogando paciência ou cultivando seu FarmVille. Esse tempo poderia ser aproveitado para alguma coisa mais proveitoso.
No caso dos micro-organismos, ressalto o trabalho de Alexandra Ginsberg, que se aproveita da engenharia genética e da biologia sintética para criar bactérias que fabriquem pigmentos. Esses seres redesenhados, inofensivos ao homem, estão sendo amplificados para produzir material para impressoras e outros tipos de tintas.
Outro projeto dela, intitulado Estética Sintética, incorpora bactérias re-engenheiradas como ferramentas de diagnóstico. O sistema, batizado de E. chromi, funciona da seguinte forma: o paciente ingere um líquido (como um milk-shake probiótico) contendo bactérias que reagem com enzimas e outros agentes químicos, mudando de cor.
As diferentes colorações representam nutrientes presentes no organismo e podem ser visualizados nas fezes. Basta uma olhadinha após um “número dois” para saber se está tudo em ordem.
Obviamente que Alexandra também pensou numa forma de calibrar as cores, montando um “escatálogo” com modelos que simulam diversos tipos de fezes, como na foto ao lado.
A aplicação desse sistema para indivíduos debilitados por alguma condição é o próximo passo. Recentemente, descobri como é difícil para os pais de uma criança autista (e provavelmente para pacientes com outros problemas) manter a higiene bucal do filho. O sistema E. chromi poderia ser aplicado em autistas, por exemplo, como marcador da qualidade das bactérias presentes na dentição. As saudáveis ficariam coloridas, e as demais, pretas (foto abaixo). Isso poderia servir como um guia durante a escovação.
Com os avanços da genômica e da engenharia de tecidos, acredito que o biodesign será imprescindível no futuro. De olho nesse mercado, algumas universidades americanas e europeias já criaram cursos de graduação especializados nessa abordagem.
Os profissionais ainda são encarados de forma suspeita pela academia tradicional, mas penso que seja uma questão de tempo para que a situação se inverta. Sabendo da capacidade e da criatividade dos cientistas/artistas brasileiros, proponho a fundação da Escola Brasileira de Interação Ciência-Design, com disciplinas abrangendo biologia molecular, células-tronco, história da arte, propaganda e marketing, e por aí vai.
Viajei?
Alysson Muotri
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