Alysson Muotri é um neurocientista brasileiro, formado
pela Unicamp com doutorado em genética pela USP. Fez pós-doutoramento em
neurociência e células-tronco no Instituto Salk de pesquisas biológicas (EUA).
Hoje é professor da faculdade de medicina da Universidade da Califórnia.
Em 2010, Muotri conseguiu transformar neurônios de
pacientes com a sindrome de Rett em neurônios saudáveis.
No início de 2012, fez o mesmo com autismo clássico.
Janelinha para o mundo: Qual foi a tua
motivação para começar a trabalhar com o autismo?
Alysson: Comecei a trabalhar com autismo para
entender a evolução do lado social do cérebro humano. Fui me interessando cada
vez mais pelas diversas síndromes do espectro e me aproximando dos pacientes.
Hoje, posso dizer que a minha motivação são os pacientes.
Janelinha para o mundo: Pode-se dizer que o
autismo tem na sua grande maioria, fatores unicamente genéticos?
Alysson: Correto. Apesar de não sabermos
exatamente qual o modo de herança do autismo (como é transmitido de uma geração
para outra), sabemos que a contribuição genética é forte. A dificuldade em
entender a parte genética esta no fato de que temos a contribuição de diversos
genes ao mesmo tempo, cada um contribuindo de uma forma e intensidade
diferente. Existem sim fatores ambientais que contribuem para o autismo, mas
numa porcentagem bem pequena (10%).
Janelinha
para o mundo: Dentre os inúmeros fatores ambientais que possam
desencadear o autismo como os citados e publicados em pesquisas profissionais
que enquadram: febre durante a gestação, problemas de depressão ou estresse
gestacional, alimentação materna durante a gestação e amamentação, problemas
hormonais, inalação tóxica de mercúrio e outras toxinas, etc e outros. Qual
destas é cientificamente palpável e plausível para a biologia neuronal?
Alysson: Interessante notar que de todos os
fatores ambientais propostos pra explicar o autismo, nenhum mostrou-se forte o
suficiente quando estudados de forma profunda. Ao meu ver a explicação estaria
justamente na interação entre genética e ambiente, que é diferente em cada um
de nós. Portanto, se somarmos uma gestação difícil em uma pessoa geneticamente
privilegiada, ela poderá se recuperar ao nascer. A mesma gestação difícil, em
um individuo geneticamente propenso, pode levar ao autismo. Acho que é por aí,
não dá pra generalizar a questão ambiental na minha opinião.
Janelinha para o mundo: O autismo regressivo
também possui causa genética? O que pode explicar a “demora” na sua
manifestação?
Alysson: Sim, causa genética também. Imagine
que os genes seriam como cartas de baralho e cada pessoa nasce com uma
"mão" de 10 cartas. Se dessas 10 cartas, você tem 8 ruins, tem
grandes chances de sair do jogo rapidinho, principalmente se os outros
jogadores tiverem cartas boas (eles seriam o "ambiente" favorável ou
não). Se o acaso lhe der apenas 3 cartas ruins, é capaz de você levar mais
tempo pra sair do jogo. Alternativamente, você pode até ganhar o jogo começando
com 3 cartas ruins, mas vai depender muito das cartas dos outros jogadores
(ambiente). Vejo o autismo de forma semelhante, dependendo dos genes afetados
os sintomas são mais cedo ou tardios, mais severos ou brandos.
Janelinha para o mundo: Há uma corrente forte
de pais que acreditam que a (atual) quantidade de vacinas durante a infância podem levar ao
autismo. Existe algum estudo novo que comprove cientificamente esta vertente?
Alysson: Não. Existem sim diversos estudos que
descomprovam essa teoria. Se existe alguma relação entre vacina é autismo não é
regra.
Janelinha para o mundo: Eu tenho uma menina,
com idade de 4 anos (diagnosticada com 3), que está em pleno desenvolvimento,
graças ao diagnóstico precoce. Podes nos explicar por que o autismo é mais
comum em meninos?
Alysson: Ninguém sabe ao certo. Uma das
teorias é que muitos dos genes ligados ao autismo estão presentes no cromossomo
X. Meninos (XY) possuem um único cromossomo X, enquanto que meninas (XX)
possuem dois cromossomos X. Portanto, meninas possuem duas cópias de cada gene
presente no cromossomo X. Caso uma das copias esteja alterada, elas possuem uma
segunda copia funcional que daria maior resistência.
Janelinha para o mundo: É possível
diagnosticar um feto com autismo através de análises genéticos e/ou
laboratoriais após a conclusão de pesquisas como a sua e após descobertas
medicamentosas desse porte?
Alysson: Em teoria sim, mas não fizemos esse
experimento ainda. O desenho experimental seria o de coletar células de uns 100
neonatos, gerar redes nervosas em laboratório usando nosso modelo, identificar
aqueles propensos ao autismo e esperar até que os sintomas apareçam para
confirmar o diagnóstico. Trabalhoso e demorado, mas vai ser feito no futuro,
pois o impacto para a humanidade de uma ferramenta de diagnóstico desse tipo
seria enorme.
Janelinha para o mundo: Encontrar a descoberta
de uma droga eficaz é mais uma questão de tempo ou de financiamento?
Alysson:
Certamente uma questão de financiamento. Temos o modelo e as bibliotecas
químicas, mas precisamos de financiamento para juntar as duas coisas. No meu
laboratório, leva-se anos para testar algumas drogas manualmente. Queremos
testar milhares de drogas em poucos meses usando métodos automáticos.
Janelinha para o mundo: Seu trabalho já
reverteu o autismo clássico em um neurônio. E quanto aos casos mais leves como
o Asperger, estariam solucionados, caso a descoberta de uma droga para os mais
graves se concretizasse?
Alysson:
Uma parte do meu laboratório se preocupa em repetir esses experimentos
com diversos tipos de autismo, inclusive Asperger. Sinceramente, acho que vai
funcionar da mesma maneira.
Janelinha para o mundo: Seria possível
considerar um prazo estimado para que esta tua pesquisa se reverta em uma
medicação disponível para venda no mercado?
Alysson: O prazo estimado se tudo correr bem é
de 10 anos, incluindo os ensaios clínicos e considerando que teremos uma nova
droga experimental nos próximos 2-3 anos.
Janelinha para o mundo: Já existe algum
interesse de laboratórios farmacêuticos ?
Alysson:
Estamos namorando com algumas Farmas, mas até agora nada de concreto.
Janelinha para o mundo: Esta medicação valeria para os
autistas adultos?
Alysson: A resposta só viria com os ensaios
clínicos em pacientes, mas não vejo porque não funcionar. A reversão em
laboratório foi observada com neurônios funcionais, portanto ficaria surpreso se
não funcionasse.
Janelinha para o mundo: Li recentemente, na Revista Autismo, uma possível parceria sua
com a Microsoft. Isso é formidável. De que maneira este encontro pode
beneficiar suas pesquisas?
Alysson:
A idéia é usar a parceira da Microsoft no desenvolvimento de uma
plataforma inteligente para leitura e quantificação automática das sinapses
formadas nas culturas de neurônios em laboratório. Seria a automatização de
mais um passo do processo. A biologia já provou que o modelo funciona,
precisamos agora da engenharia para acelerar e otimizar o caminho.
Janelinha para o mundo: Qual a participação e
o interesse do governo brasileiro em sua pesquisa sobre o autismo ?
Alysson:
Zero. Ao contrario dos EUA e outros paises, nunca fui contactado pelo
governo brasileiro sobre minha pesquisa com autismo. Faria sentido pois sou
brasileiro e tenho interesse em levar futuros ensaios clínicos ao Brasil. No
entanto estou fora do país há muito tempo e talvez não saiba exatamente como
proceder para despertar o interesse do Brasil nessa área.
Janelinha para o mundo: As famílias têm
pressa, mas não têm dinheiro; talvez tenham os meios para arrecadá-lo em um
movimento internacional que poderia contar com empresas como o Facebook. O que
achas disso? Acreditas que é viável uma campanha destas?
Alysson: Sim, acho que esse é o caminho. Não
dá pra esperar ajuda do governo ou da indústria farmacêutica. Mesmo o governo
americano não estando na melhor fase de financiamento de pesquisa, talvez a
situação melhore no futuro, mas agora nos EUA é época de vacas magras. A
indústria farmacêutica investiu bilhões em modelos de doenças neurológicas
usando camundongos ou outros modelos não-relevantes. Elas tem medo de entrar
num negócio novo e arriscado, preferem esperar pelos avanços da academia, que é
mais vagaroso. Esse tem sido o quadro atual na minha constante busca por
captação de recursos.
Janelinha para o mundo: Uma pesquisa dessa importância e grandeza
como as suas sobre autismo exige o foco integral do pesquisador ou há como se
dividir com projetos paralelos?
Alysson:
Existem alguns projetos paralelos no laboratório, mas a maioria é focada
no entendimento das causas do autismo e intervenção terapêutica no espectro
autista.
Janelinha para o mundo: Tens notícias dos outros grupos de
pesquisadores, e dos resultados de suas respectivas pesquisas, que decidiram
também pesquisar sobre o autismo, após a publicação da sua aclamada pesquisa
sobre a Síndrome de Rett ? Chegam a
ocorrer trocas de “figurinhas” entre sua equipe e estes novos grupos?
Alysson: Sim, desde nossa publicação, outros
grupos foram capazes de reproduzir nossos achados e inclusive mostrar
resultados semelhantes em outras síndromes do espectro. Foi um salto enorme
para a ciência e tem muita gente de olho nesse novo modelo. Posso dizer que a competição
aumentou pro meu lado, mas não me importo, o que interessa é que tem mais gente
pesquisando o autismo agora. A percepção de que existe a possibilidade de
reversão dos sintomas do espectro autista é extremamente atraente aos
cientistas, pois é muito mais agradável trabalhar em uma condição aonde existe
esperança de tratamento ou cura.
Janelinha para o mundo: Depois de tua pesquisa
ser divulgada, ficaste muito conhecido e “assediado” pelos pais brasileiros – e
do mundo inteiro, que ainda não conheciam o teu abençoado trabalho. Viraste uma
espécie de “ídolo” para nós. Isso te motiva ainda mais?
Alysson:
Tento desmistificar essa imagem de "ídolo". Não fiz isso
sozinho, tenho uma equipe excelente e motivada que acredita num futuro melhor
para os pacientes. Continuo fazendo meu trabalho e não vou parar enquanto não
encontrar uma maneira de ajudar os autistas a se tornarem mais independentes.
Esse sim é meu objetivo final.
Janelinha para o mundo:
Pais especiais tem preferência, tem sede e pressa. Quem poderia participar do
programa de "cobaia-humana (clinical trial)" quando esses remédios
forem autorizados para testes? E quanto tempo podemos esperar? O Brasil
entraria no rol de designáveis?
Alysson:
Quando o momento chegar, vamos procurar por grupos de pacientes com
características clínicas semelhantes. Por exemplo, pacientes com determinada
idade, verbais ou não, com diâmetro cerebral grande ou pequeno e por aí vai.
Quanto mais homogêneo o grupo inicial, melhor, pois os dados serão mais
conclusivos, mais claros. Ainda não tenho esse perfil, mas provavelmente
começaremos com adultos autistas clássicos. Sim, minha idéia sempre foi de
fazer testes em dois lugares independentes, na California e no Brasil. Lógico
que isso vai depender de outros fatores (suporte médico, apoio financeiro,
etc), mas até lá ainda tem um tempinho. Tenho muita confiança no método
científico e acho que o novo modelo abriu novas portas para o entendimento do
autismo, trazendo esperanças para tratamento. É a luz
Janelinha para o mundo: Agora falando no projeto “ a fada do dente” –
apenas dentinhos de leite coletados de crianças diagnosticadas com o autismo
clássico serão pesquisadas? Como os pais podem ajudar/enviar este material?
Alysson:
Sim, estamos focando em autismo clássico agora porque já coletamos
bastante material dos outros tipos de autismo. A melhor forma de colaborar é
entrar em contato pelo email: projetoafadadodente@yahoo.com e pedir informações
sobre como participar da pesquisa.
Janelinha para o mundo: E o surf? No meio desta
tua vida agitada, ainda tem tempo para esta paixão?
Alysson: Porque estou viajando muito (muito
mesmo), tive que reduzir o surf, mas sempre que dá eu caio na água. Assim como
a Yoga, o surf me ajuda no equilíbrio físico e intelectual.
Janelinha para o mundo:
Que Deus abençoe suas ondas, seu corpo e espírito. Que
continues sendo esta luz acesa, brilhante, aquecendo os corações de todas as
famílias dos autistas. Namastê, Dr. Alysson !
FONTE:
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