LUIZ FERNANDO VIANNA
ESPECIAL PARA A FOLHA
RESUMO
Pai de um menino
com autismo, jornalista faz apanhado dos discursos sobre a síndrome, tanto no
campo social e midiático como nos estudos científicos. Apesar de progressos
pontuais, como lei aprovada em dezembro passado, a carência de políticas
públicas no país e a desinformação alimentam o preconceito vigente.
*
No filme "As Chaves
de Casa" (2003), de Gianni Amelio, Nicole (Charlotte Rampling) diz a
Gianni (Kim Rossi Stuart) como percebeu que ele, embora negasse, era o pai de
Paolo (Andrea Rossi), um adolescente com deficiências físicas e intelectuais:
pela vergonha estampada em seu rosto. A vergonha é um sentimento que também não
abandona quem tem um filho com autismo --eu tenho um, de 12 anos.
Se antigamente o
deixaríamos trancado em casa, para não expô-lo (e não nos expormos) aos olhos
da sociedade, hoje nos esforçamos para levá-lo à praia, ao cinema, às compras
e, sobretudo, à escola. Mas a vergonha está, com frequência, na nossa cara,
porque na cara dos outros à volta estão o desconhecimento, o desconforto, ou
pior, o escárnio, o nojo.
Antes (e ao lado) da
vergonha, vêm o luto e a culpa. Depois vem a indignação. Essa divisão
esquemática não sobrevive ao crivo de nenhum psicólogo ou psiquiatra. Não tem
problema: uma coisa que um pai de autista aprende logo é a se lixar para certos
crivos. Assim como nossos filhos, temos um mundo bem particular.
Joel Silva/Reprodução/Folhapress
Pintura da artista plástica Deborah Paiva ara a edição de 17 de março da "Ilustríssima" |
Pintura da artista
plástica Deborah Paiva para a edição de 17 de março da "Ilustríssima"
Quem ri de nós ou faz cara
feia costuma ser alvo de iras avassaladoras. É o que anda acontecendo. Se
vivemos numa era em que tudo é motivo de indignação (no Facebook, nas conversas
pelo celular, nas mensagens anônimas nos sites de notícias, nos programas
matinais de rádio, nas revistas semanais, às vezes até em praças públicas),
também queremos, em nome dos filhos que tanto amamos, nosso quinhão de gritos.
A ONU legitima os que poderemos dar no próximo
2 de abril, Dia Mundial de
Conscientização do Autismo.
LEI BERENICE
Foi num gesto contra o preconceito
e o isolamento que a presidente Dilma Rousseff sancionou, em 27 de dezembro do
ano passado, a lei nº 12.764/12, conhecida como Lei Berenice Piana, em
homenagem à mãe de Itaboraí (RJ) que tanto batalhou pelo projeto que pode
beneficiar seu filho e milhares de outros.
A nova lei dá direito a
atendimento especializado e obriga o Estado e as entidades privadas a garantir
o acesso à educação e ao mercado de trabalho, dentre outros direitos. Escolas e
planos privados de saúde não poderão rejeitar pessoas com autismo, e estas
terão como reivindicar prioridade no atendimento. O gestor escolar que recusar
a matrícula de um aluno com deficiência pode receber multa de 3 a 20 salários
mínimos.
Os pais e profissionais que
defendem o ensino especial (por acharem que os alunos aprendem mais assim e
ficam protegidos de bullying, argumentos sérios que devem sempre ser levados em
conta) vêm se queixando de uma desvalorização dos trabalhos voltados
diretamente para autistas. Mas a redação da lei não impede que as escolas
especiais continuem a existir. O que não tem havido é incentivo público a essa
ala da educação, opção que precisa continuar a ser debatida.
Mais urgente é a criação de uma
política pública para o autismo. O Estado brasileiro praticamente ignora o
assunto. E o passo inicial é simples: propagar pelo país a experiência da Casa
da Esperança, de Fortaleza, referência internacional em atendimento a autistas.
O que vemos, no entanto, é a casa lutando para não fechar as portas, pois a
prefeitura da capital cearense retarda o repasse das verbas do SUS. A maioria
dos autistas não vota, então não interessa aos donos do poder.
E quem somos esses agora
indignados, os pais? Por muito tempo, fomos os vilões responsáveis pelo autismo
dos nossos filhos.
Para ler a matéria completa, clique em:
http://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/1247106-o-autismo-na-era-da-indignacao.shtml
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