Oi, pessoal! Estamos aqui para dar continuidade ao
papo sobre autismo. O programa estava muito rico em informações, mas 1 hora de
programa é sempre muito pouco para falar sobre tudo. É justamente para evitar
que trechos e informações relevantes se percam que temos o blog, que funciona
como uma “extensão” do programa. A seguir vocês conferem a íntegra da
entrevista que Mariana Kotscho e Roberta Manreza fizeram durante o programa com
a defensora pública Renata Tibyriçá*.
Roberta
Manreza:
Quais os direitos das pessoas com autismo?
Renata Tibyriça - Defensora Pública |
Renata
Tibyriçá: As pessoas com autismo, sejam crianças, adolescentes ou adultos,
têm os mesmos direitos que qualquer outra pessoa, só que eles têm uma proteção
a mais. As crianças e os adolescentes têm a proteção do Estatuto da Criança e
do Adolescente, que é uma proteção específica para a criança que está em
desenvolvimento, que necessita de escola, saúde, atendimento especializado.
Inclusive, aquela criança que tem uma necessidade especial ela tem direito,
sim, ao atendimento especializado e adequado para a situação específica dela. E
após os 18 anos, continua não sendo só protegida pelas nossas leis que são para
todos nós, mas também pela lei que defende os direitos das pessoas com
deficiência. Isso é até uma questão um pouco discutível, mas as pessoas que têm
autismo, elas têm uma deficiência, elas são especiais, elas têm algumas
diferenças.
Mariana
Kotscho: Quer dizer, então, que ele pode, no ônibus, sentar no lugar para deficiente?
Renata:
Exatamente. E isso é uma dificuldade das pessoas entenderem porque olhando para
eles, aparentemente, eles não têm nenhum problema de desenvolvimento, mas eles
têm. Eles têm necessidades especiais e que precisam ser protegidas e precisam
ser respeitadas pelas pessoas. O problema é que as pessoas não entendem isso.
Eles têm direito, por exemplo, a parar na vaga especial, têm direito ao bilhete
único [especial]. A questão do transporte é até mais complexa, porque muitos
têm dificuldades em entrar num transporte coletivo e eles precisariam, na
verdade, de um transporte especializado, adequado às necessidades deles. Como
existe, por exemplo, a "Atende", poderia existir um outro tipo de
serviço fornecido tanto pela prefeitura quanto pelo Estado e que atendesse a
crianças, adolescentes e adultos com autismo.
Mariana
– Isso aqui em São Paulo, mas como é que fica a situação nos outros estados?
Renata –
Isso é em todo Brasil, a lei é federal, tanto o Estatuto da Criança e do
Adolescente quanto a lei da pessoa com deficiência, são leis federais aplicadas
em qualquer cidade, em qualquer estado e esses direitos devem ser respeitados.
Roberta:
Você falou que cuida de muitos processos de pessoas com autismo. Além dessa
questão do transporte, quais as outras dificuldades que o autista enfrenta?
Renata –
A grande dificuldade é de receber o atendimento adequado ou até mesmo ter o
direito à educação garantida. Mas o estado de São Paulo, hoje, e acredito que
em muitos estados do Brasil, não dispõe de escolas que tenham pessoas
especializadas e capacitadas para atender pessoas com autismo. E isso é um
problema grave. O estado de São Paulo, especificamente, faz convênios com
algumas entidades.
Mariana:
Até porque tem a lei da inclusão.
Renata:
Nós temos vários casos, inclusive. Eu tenho um caso específico de Síndrome de
Asperger em que o menino, que tem 13 anos, foi encaminhado para uma escola
regular do Estado e a escola não dispõe de qualquer profissional ou trabalho
específico. Nós, então, tivemos que pedir uma escola particular; o estado não
se dispôs a pagar. Então, tivemos que entrar com uma ação para garantir esse
direito dele.
Mariana:
E conseguiu?
Renata: Conseguimos o direito, ele foi finalmente
matriculado, demorou um tempo para o estado cumprir, mas conseguimos. A decisão
é de outubro e o estado cumpriu agora, mas, graças a Deus, no início do ano
letivo, e agora ele vai receber atendimento. Quem tem Síndrome de Asperger tem
um potencial cognitivo para poder ter uma educação, claro que tem que ser
especializada, mas uma educação regular, tem condições de cursar a faculdade,
inclusive.
Mariana:
E como fica o mercado de trabalho?
Renata:
A grande dificuldade que nós enfrentamos, além, obviamente, daqueles que estão
recebendo diagnóstico precoce é daqueles que não receberam o diagnóstico no
momento correto, não receberam nenhum atendimento correto e hoje têm 20, 30
anos e se tornaram autistas com alto grau de severidade, de agressividade por
falta de tratamento. Por isso, não conseguem trabalhar, dependem dos pais e os
pais vão envelhecendo.
Mariana:
Se tem o diagnóstico e não tem a condição de trabalho, pode ter o direito à
aposentadoria?
Renata:
Na verdade, não é aposentadoria; é um benefício da lei de assistência social
que é concedido apenas para aqueles cuja renda familiar per capita seja até ¼
do salário mínimo, ou seja, tem que ser absolutamente miserável. E a maior
parte não se enquadra nessa situação, e aí, com isso, fica sem ter condições.
Acho que a gente tem muito para avançar nessa área em termos de políticas
públicas que precisam ser feitas por todos os estados do país para poder
garantir o direito, tanto daqueles que estão em idade escolar como dos que já
são adultos e também daqueles que estão por vir.
Roberta:
A escola pública não pode recusar uma criança?
Renata:
Não pode, o problema é que a escola pública não tem estrutura para receber uma
criança com autismo. Ela não poderia recusar, só que o grande problema é
colocar uma criança com autismo numa escola regular sem ter profissionais
capacitados que tenham condições de atender; é quase um crime.
Roberta:
Qual é a saída?
Renata:
São encaminhados ofícios para a Secretaria da Saúde. Aqui em são Paulo tem
acontecido isso porque tem uma ação judicial coletiva para indicar um local e
eles estão indicando locais que são conveniados, particulares, porque eles
reconhecem que não dispõem de locais públicos para o atendimento.
Júlio
(participante do Papo de Mãe): Eu tenho convênio particular, da empresa. A
partir dos 18 anos, meu filho vai continuar dependente para a vida inteira
enquanto eu tiver convênio?
Renata:
Normalmente, para continuar como dependente, ele teria que ser muitas vezes,
interditado, porque ele precisaria demonstrar de alguma forma que ele não tem
capacidade. Pode ser que o plano de saúde aceite um laudo médico que indique
isso, mas em geral, eles exigem a interdição para poder comprovar a
incapacidade.
Mariana:
O que é esse processo de interdição?
Renata:
É um processo judicial que tem que ser proposto via um advogado ou defensor
público, caso não tenha condições de pagar um advogado, e nesse processo vai
ser verificada a capacidade dele em entender os atos da vida civil, ou seja, se
ele tem condições de contratar, de cuidar da vida dele sozinho ou se ele
depende de alguém, aí vai ser definido um curador para ele, que pode ser o pai
ou a mãe, e a partir disso ele é considerado incapaz total ou parcialmente.
Mariana:
A interdição pode ser feita em qualquer idade ou tem que ser feita após os 18
anos?
Renata:
Após os 18 anos, pois antes disso, ele ainda é dependente dos pais, já que eles
têm o poder familiar, então é presumida a dependência dele.
*Renata Tibyriçá é defensora pública
do Estado de São Paulo e atua na defesa dos direitos dos autistas. Participou
com especialista convidada pelo Papo de Mãe sobre autismo exibido em
03.04.2011.
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