Em exclusiva, atriz conta
curiosidades e fala sobre a
preparação da personagem
“A Linda agora faz parte de mim”, diz Bruna |
Um belo dia, Bruna Linzmeyer foi
convidada a emprestar seu talento à novela “Amor à Vida”. Exatos nove meses
depois, nascia Linda. De parto normal e sem complicações, a atriz deu à luz a
personagem autista que desperta elogios desde os primeiros capítulos da trama
de Walcyr Carrasco.
Em entrevista exclusiva ao Gshow,
ela comenta a experiência. O local da conversa, inusitado, ela própria que
escolheu: o gramado do Projac. No estúdio em frente, acabara de ser gravada a
cena emblemática da história de Linda, na qual a moça pede socorro à família. E
foi assim, recém-saída da gravação, sentada na grama com pés descalços e voz
suave, que a jovem catarinense respondeu às perguntas:
Por que você escolheu dar a
entrevista de pés descalços sobre o gramado?
Porque eu sou uma pessoa da
natureza, assim como a Linda. Ela adora as formiguinhas. De vez em quando eu
venho para cá, me sento aqui e aproveito o tempo para relaxar, refletir, ler um
pouco.
Você poderia comentar a gravação
da cena em que a Linda pede socorro à família?
Com prazer. A cena é linda, é muito
linda. Às vezes, um autista e sua família podem nunca ter um momento como esse,
mas em muitos outros casos ele existe. E trata-se de um momento muito
arrebatador, porque ninguém espera. A Linda não é um personagem verbal, não
sabe o que o verbo significa, ele não a satisfaz.
O verbo é só mais uma coisa
na vida, só mais uma maneira de ser. É preciso muito aprendizado com terapias,
fonoaudiologia e psicologia para que um autista chegue a esse estágio verbal.
Então, é muito bonito, principalmente para as pessoas não autistas, porque eles
são seres verbais, precisam de palavras para se comunicar. Para a Linda, o que
é potente é o que acontece depois desse momento. Ela só percebe a potência
daquela cena no dia a dia que acontece depois.
Você comentou com o diretor,
Mauro Mendonça Filho, que o texto da cena estava muito bom… Por quê?
Estava muito bem construído. Sua
construção foi muito boa por não ser exatamente linear. O pensamento de uma
pessoa não autista é linear, diferente de como acontece com a Linda. O
pensamento dela é entrecortado. Além disso, o texto é recheado de referências,
e o trabalho é feito a partir de histórias que já existem. A Linda existe
porque os autistas existem, e porque eles precisam que a Linda exista também.
Foi um texto cheio de história.
Como a Linda afetou você?
Por inteiro. A Linda me afetou
muito, de muitas maneiras. Ela mudou meu olhar, meu ritmo, meu tempo, mudou
muita coisa. Eu não tenho a dimensão do quanto ainda, mas espero que isso ainda
reverbere por algum tempo em mim.
Quadro de Danielle Carcav no
cenário
Quadro da artista compõe o cenário nas
gravações
Isso é tudo que você vai levar da
Linda quando a novela terminar?
Não. Eu pedi para ficar com um
dos quadros da Linda. Na verdade, eles são de uma artista muito sensível, e eu
realmente acho os quadros dela verdadeiras obras de arte, porque eles me
atravessam. Eu os acho lindos, e eles são um signo do que a Linda foi e é na
minha vida. Gostaria de ter um signo para levar comigo.
Pode ser qualquer um
deles. Ainda não sei onde vou pendurar o quadro. No meu coração, com certeza.
Como você pretende influenciar as
pessoas com o seu trabalho?
Quando a gente inventa ou decide
fazer um trabalho, tudo o que queremos é que nosso trabalho possa afetar as
pessoas, assim como os quadros da Linda me afetam. Talvez essa seja a
característica de uma obra de arte: atravessar as pessoas. Isto ou aquilo são
obras de arte para mim porque me atravessam, porque mudam a batida do meu
coração. Tudo o que um artista quer é fazer uma obra de arte, mas nem sempre
ele faz. Nem sempre dá para fazer. Eu não sei se a Linda é uma obra de arte,
mas existe em mim o desejo de que ela seja. Eu fui muito afetada pela Linda, e
isso já é importante para mim.
Como são os momentos após as
gravações?
Muito bons! Há algo de
inexplicável no trabalho de um ator. Você traz à tona emoções muito profundas,
algumas são suas, outras são de outras pessoas, e outras são inventadas. E
depois que a cena acaba você fica num lugar vazio. Isso parece ser ruim, mas é
bom. Como está vazio, você pode inventar uma coisa nova para colocar nesse
lugar. Você pode ser uma nova pessoa depois de fazer uma cena em que você ficou
vazio no final. Ou seja, trabalhar como atriz cria espaços vazios, além de
criar muita coisa.
Cachecol foi presente de um
autista
Cachecol usado em cena é presente
de uma autista
E os momentos que antecedem as
gravações? Como são?
Está aqui o pré-cena, eu carrego
na bolsa. As músicas que ouço desde o começo são as mesmas, incluindo uma
inédita, que nunca foi publicada. Só eu tenho essa música porque é do meu
namorado, o Michel Melamed. E tem também os livros, que me acompanham sempre.
São muitos, desde biografias até livros de poesia. Mesmo que eu não consiga
lê-los, só de tê-los por perto já faz alguma diferença. Nunca são os mesmos
livros. Às vezes eu olho para a minha estante e elejo aquele, sem nenhum motivo
específico. Os livros e as músicas são tão importantes quanto o texto e o
figurino. Eles são uma conexão com pessoas que eu admiro, com pessoas que
mudaram a minha vida.
O que existe no universo interior
que você construiu para a Linda?
Muita consciência de tudo. A
Linda sabe de tudo, muito mais que todo mundo. E essa vida interna existe desde
a primeira faísca de existência da personagem. Desde as primeiras cenas, eu
procurava olhar para as coisas com o olhar de quem vê, de quem sabe. E é tão
bonito chegar ao final da novela e perceber que houve conexão com o autor,
porque ele faz a Linda dizer exatamente isso: “Eu ouvia vocês”. E isso
significa “eu entendia, eu sabia, eu sei”.
O que você gostaria de dizer às
pessoas que têm acompanhado seu trabalho?
Gostaria de dizer “obrigada”.
Ouço tanta coisa das pessoas, e a Linda não existiria sem elas também. A
construção de uma personagem depende do público, especialmente em uma novela em
que a história é influenciada pelo que o público espera, e tudo muda o tempo
todo. Então eu tenho que agradecer a todo mundo que está em volta. Parece um
clichê, mas é verdade.
FONTE:
http://gshow.globo.com/novelas/amor-a-vida/por-tras-das-cameras/noticia/2014/01/bruna-linzmeyer-um-autista-e-sua-familia-podem-nunca-ter-um-momento-como-esse.html
Fotos: TV Globo
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