A geneticista Wendy Chung compartilha o que sabemos
sobre o transtorno conhecido como autismo. Ela afirma que o autismo possui
causas múltiplas, talvez entrelaçadas. E pergunta: existe hoje uma epidemia de
autismo?
Diretora do setor de pesquisas clínicas da Simons Foundation Autism Research Initiative, a médica Wendy Chung é uma autoridade mundial em matéria dos aspectos genéticos do autismo.
Diretora do setor de pesquisas clínicas da Simons Foundation Autism Research Initiative, a médica Wendy Chung é uma autoridade mundial em matéria dos aspectos genéticos do autismo.
Vídeo da
palestra sobre autismo proferida por Wendy Chung :
http://www.brasil247.com/pt/247/revista_oasis/139940/Autismo-O-que-sabemos-o-que-nos-falta-saber.htm
"Por quê?" "Por quê?" é a
pergunta que os pais sempre me fazem. "Por que meu filho desenvolveu
autismo?" Como pediatra, como geneticista, como pesquisadora, tento tratar
essa questão.
Mas o autismo não é uma condição única. Na verdade
é um espectro de distúrbios, um espectro que vai, por exemplo, de Justin, um
menino de 13 anos que não fala, não consegue falar, e se comunica usando um
iPad em que toca imagens para comunicar suas ideias e ansiedades, um menininho
que, quando fica chateado, começa a se sacudir, e, por fim, quando muito
incomodado, bate a cabeça chegando a se ferir seriamente, precisando levar
pontos. Mas o mesmo diagnóstico de autismo também se aplica a Gabriel, outro menino
de 13 anos que possui uma realidade bem diferente de desafios. Na verdade, ele
é incrivelmente talentoso em matemática. Ele multiplica três números, por
outros três números, de cabeça e com facilidade. Contudo, no que se refere a
tentar manter uma conversa, ele tem muita dificuldade. Ele não faz contato
visual. Ele tem dificuldades para puxar conversa, sente-se sem jeito e, quando
fica nervoso, ele acaba se fechando. Mas esses dois meninos têm o mesmo
diagnóstico de transtorno do espectro autista.
Uma das coisas que nos preocupam é se realmente existe ou não uma epidemia de autismo. Hoje em dia, uma em cada 88 crianças é diagnosticada como autista, e a pergunta é: por que este gráfico está assim? Será que esse número tem aumentado drasticamente com o passar do tempo? Ou será que hoje passamos a chamar esses indivíduos de autistas, simplesmente lhes dando esse diagnóstico, embora essas pessoas já existissem antes, mas simplesmente não eram chamadas assim? Na verdade, no fim da década de 1980 e início da década de 1990, foi aprovada lei que proporcionou aos indivíduos com autismo recursos, acesso a material educativo que os ajudaria. Com essa maior conscientização, mais pais, mais pediatras e mais educadores aprenderam a reconhecer as características do autismo. Consequentemente, mais indivíduos receberam o diagnóstico e tiveram acesso aos recursos de que precisavam. Além disso, mudamos nossa definição com o passar do tempo. Na verdade, ampliamos a definição do autismo, a que se deve, em parte, o aumento da prevalência que vemos.
Uma das coisas que nos preocupam é se realmente existe ou não uma epidemia de autismo. Hoje em dia, uma em cada 88 crianças é diagnosticada como autista, e a pergunta é: por que este gráfico está assim? Será que esse número tem aumentado drasticamente com o passar do tempo? Ou será que hoje passamos a chamar esses indivíduos de autistas, simplesmente lhes dando esse diagnóstico, embora essas pessoas já existissem antes, mas simplesmente não eram chamadas assim? Na verdade, no fim da década de 1980 e início da década de 1990, foi aprovada lei que proporcionou aos indivíduos com autismo recursos, acesso a material educativo que os ajudaria. Com essa maior conscientização, mais pais, mais pediatras e mais educadores aprenderam a reconhecer as características do autismo. Consequentemente, mais indivíduos receberam o diagnóstico e tiveram acesso aos recursos de que precisavam. Além disso, mudamos nossa definição com o passar do tempo. Na verdade, ampliamos a definição do autismo, a que se deve, em parte, o aumento da prevalência que vemos.
A outra
pergunta que todo mundo faz é: o que causou o autismo? E uma concepção errônea
comum é a de que as vacinas causam autismo. Mas permitam-me deixar bem claro:
as vacinas não causam autismo. (Aplausos) Na verdade, o trabalho de pesquisa
original que sugeriu que essa era a causa foi completamente fraudulento. Foi,
na verdade, retirado do jornal Lancet, em que foi publicado, e o autor, um
médico, perdeu sua licença de exercício da profissão. (Aplausos) O Instituto de
Medicina, o Centro para Controle de Doenças, investigou isso repetidas vezes e
não há evidência palpável de que as vacinas causem autismo. Além disso, um dos
ingredientes das vacinas, chamado timerosal, era considerado como sendo a causa
do autismo. Na verdade, ele foi removido das vacinas em 1992, e é possível
perceber que ele não tinha nada a ver com o que acontecia com a prevalência do
autismo. Então, mais uma vez, não há evidência alguma de que esta seja a
resposta. Então, a pergunta permanece: o que causa o autismo?
Na verdade, provavelmente não existe uma única
resposta. Assim como o autismo é um espectro, há um espectro de etiologias, um
espectro de causas. Com base em dados epidemiológicos, sabemos que uma das
causas ou uma das associações, devo dizer, é a idade avançada do genitor, ou
seja, a idade avançada do pai à época da concepção. Além disso, outro período
crítico e de vulnerabilidade em termos de desenvolvimento é quando a mãe está
grávida. Durante esse período, enquanto o cérebro do feto se desenvolve,
sabemos que a exposição a alguns agentes pode, na verdade, aumentar o risco de
autismo. Em particular, existe um medicamento, o ácido valproico, que mães com
epilepsia às vezes tomam, e que sabemos que pode aumentar o risco de autismo.
Além disso, pode haver alguns agentes infecciosos que também podem causar
autismo.
E uma das coisas em que vou passar muito tempo me
concentrando são os genes que podem causar o autismo. Este é o meu foco não
porque os genes sejam a única causa do autismo, mas é uma das causas do autismo
que podemos prontamente definir e ser capazes de compreender melhor a biologia
e como o cérebro funciona, para que possamos pensar em estratégias para
podermos intervir. Um dos fatores genéticos que não compreendemos, entretanto, é
a diferença que vemos entre homens e mulheres. Os homens são afetados pelo
autismo a uma razão de 4 por 1, comparados às mulheres, e realmente não
entendemos por quê.
Uma das formas de entendermos que a genética é um
fator é analisando algo chamado de taxa de concordância. Em outras palavras, se
um irmão é autista, qual a probabilidade de outro irmão nessa família ser
autista? E podemos analisar, em particular, três tipos de irmãos: gêmeos
univitelinos, gêmeos que compartilham 100% de sua informação genética e que
compartilharam do mesmo ambiente intrauterino; gêmeos bivitelinos, gêmeos que
compartilham 50% de sua informação genética; e irmãos comuns, irmão-irmã,
irmã-irmã, que também compartilham 50% de sua informação genética, embora não
compartilhem do mesmo ambiente intrauterino. E quando analisamos essas taxas de
concordância, uma das coisas mais impressionantes que vemos é que, em gêmeos
univitelinos, essa taxa de concordância é de 77%. Mas, notavelmente, não é de
100%. Não que os genes sejam responsáveis por todo o risco de autismo, mas são
responsáveis por boa parte do risco, porque, quando analisamos os gêmeos
bivitelinos, essa taxa de concordância é de apenas 31%. Por outro lado, há uma
diferença entre os gêmeos bivitelinos e os irmãos comuns, o que sugere que há
exposições em comum para os gêmeos bivitelinos que podem não ser compartilhadas
de forma tão comum em irmãos comuns.
Então, isso nos fornece alguma informação de que o
autismo é genético. Bem, genético até que ponto? Quando comparado a outras
condições que conhecemos, coisas como o câncer, doenças do coração, diabetes,
na verdade, a genética possui um papel bem maior no autismo do que em qualquer
dessas outras condições. Mas com isso, não sabemos quais genes. Nem sabemos, em
qualquer criança: é um gene apenas, ou potencialmente uma combinação de genes?
Então, na verdade, em alguns indivíduos com autismo, é genético!
Ou seja, é um único gene, poderoso e determinístico, que causa o autismo.
Contudo, em outros indivíduos, é genético, ou seja, é, na verdade, uma combinação de genes, em parte com o processo de desenvolvimento, que, por fim, determina o risco de autismo. Não sabemos em nenhuma pessoa, necessariamente, qual dessas duas respostas é a correta, até começarmos a nos aprofundar.
Então, na verdade, em alguns indivíduos com autismo, é genético!
Ou seja, é um único gene, poderoso e determinístico, que causa o autismo.
Contudo, em outros indivíduos, é genético, ou seja, é, na verdade, uma combinação de genes, em parte com o processo de desenvolvimento, que, por fim, determina o risco de autismo. Não sabemos em nenhuma pessoa, necessariamente, qual dessas duas respostas é a correta, até começarmos a nos aprofundar.
Então, a pergunta se torna: como podemos começar a
identificar exatamente quais são esses genes? Deixem-me colocar algo que talvez
não seja intuitivo.
Certos indivíduos podem ter autismo por uma razão genética, mas, mesmo assim, não porque o autismo ocorra na família. Isso porque alguns indivíduos podem ter mudanças ou mutações genéticas que não são transmitidas pela mãe nem pelo pai, mas, na verdade, são mutações novas nesses indivíduos, mutações que estão presentes no óvulo ou no esperma no momento da concepção, mas que não foram passadas de geração a geração na família. E podemos usar essa estratégia para hoje entender e identificar esses genes que causam o autismo nesses indivíduos.
Então, na verdade, na Fundação Simons, pegamos 2.600 indivíduos que não tinham histórico algum de autismo na família, e pegamos a criança, a mãe e o pai e tentamos entender quais eram os genes que causavam o autismo nesses casos. Para isso, tivemos que, de forma abrangente, ser capazes de analisar toda essa informação genética e determinar quais eram as diferenças entre a mãe, o pai e a criança. Fazendo isso, peço desculpas, vou usar uma analogia fora de moda, de enciclopédias em vez de Wikipedia, mas vou fazer isso para tentar ajudar a explicar que, quando fizemos esse inventário, precisávamos analisar quantidades enormes de informação.
Certos indivíduos podem ter autismo por uma razão genética, mas, mesmo assim, não porque o autismo ocorra na família. Isso porque alguns indivíduos podem ter mudanças ou mutações genéticas que não são transmitidas pela mãe nem pelo pai, mas, na verdade, são mutações novas nesses indivíduos, mutações que estão presentes no óvulo ou no esperma no momento da concepção, mas que não foram passadas de geração a geração na família. E podemos usar essa estratégia para hoje entender e identificar esses genes que causam o autismo nesses indivíduos.
Então, na verdade, na Fundação Simons, pegamos 2.600 indivíduos que não tinham histórico algum de autismo na família, e pegamos a criança, a mãe e o pai e tentamos entender quais eram os genes que causavam o autismo nesses casos. Para isso, tivemos que, de forma abrangente, ser capazes de analisar toda essa informação genética e determinar quais eram as diferenças entre a mãe, o pai e a criança. Fazendo isso, peço desculpas, vou usar uma analogia fora de moda, de enciclopédias em vez de Wikipedia, mas vou fazer isso para tentar ajudar a explicar que, quando fizemos esse inventário, precisávamos analisar quantidades enormes de informação.
Nossa informação genética é organizada em uma serie
de 46 volumes, e, quando fizemos isso, tivemos de dar conta de cada um desses
46 volumes, porque, em alguns casos de autismo, na verdade, falta um volume
inteiro. Mas tínhamos que ser mais minuciosos que isso. Para isso, tínhamos que
começar a abrir esses livros e, em alguns casos, a mudança genética era mais
sutil. Talvez fosse um único parágrafo faltando, ou, ainda mais sutil que isso,
uma única letra, uma entre três bilhões de letras que estivesse modificada,
alterada, e, mesmo assim, tivesse efeitos profundos em termos de como o cérebro
funciona e afeta o comportamento. Fazendo isso com essas famílias, conseguimos
dar conta de aproximadamente 25% dos indivíduos e determinar que havia um único
e poderoso fator genético que causava o autismo nessas famílias. Por outro
lado, há 75% que ainda não compreendemos.
Mas, fazermos isso foi realmente impressionante,
porque percebemos que não havia apenas um gene para o autismo. Na verdade, as
estimativas atuais são de que haja de 200 a 400 genes diferentes que podem
causar o autismo. E isso explica, em parte, por que vemos um espectro tão amplo
em termos de seus efeitos. Embora existam todos esses genes, existe um método
na loucura. Não é simplesmente randômico 200, 400 genes diferentes, mas, na
verdade, eles se encaixam. Eles se encaixam em um trajeto. Eles se encaixam em
uma rede que está começando a ser compreendida hoje, em termos de como o
cérebro funciona.
Estamos começando a ter uma abordagem ascendente,
em que estamos identificando esses genes, essas proteínas, essas moléculas,
entendendo como interagem entre si para fazer esse neurônio funcionar,
entendendo como esses neurônios interagem para fazer os circuitos funcionarem,
e entender como esses circuitos funcionam para controlar o comportamento e
entender isso tanto em indivíduos com autismo quanto em indivíduos que possuem
cognição normal. Mas o diagnóstico precoce é fundamental para nós. Ser capaz de
fazer esse diagnóstico em alguém que é suscetível em um momento no tempo em que
podemos transformar, impactar um cérebro que está crescendo e se desenvolvendo
é crucial.
Por isso, pessoas como Ami Klin desenvolveram
métodos para conseguir levar crianças, bebês, e poder usar biomarcadores, neste
caso, o contato ocular e o rastreamento ocular, para identificar uma criança em
risco. Essa criança em particular, vocês podem ver, fazendo um contato visual
muito bom com essa mulher enquanto ela canta "A Dona Aranha", na
verdade não vai desenvolver autismo. Sabemos que esse bebê vai estar livre
disso. Por outro lado, esse outro bebê vai desenvolver autismo. Nesta criança em
particular, pode-se ver que ela não faz bom contato visual. Em vez de os olhos
terem foco e de terem uma conexão social, estão olhando para a boca, para o
nariz, olhando para outra direção, mas novamente não se conectando socialmente,
e sendo capaz de fazer isso em escala muito grande, examinar os bebês, examinar
as crianças para ver se têm autismo, através de algo bem robusto, bem
confiável, será bem útil em termos de conseguirmos intervir em um estágio
precoce, em que podemos causar o maior impacto.
Como vamos intervir? Provavelmente será uma
combinação de fatores. Em parte, em alguns indivíduos, vamos tentar usar
medicamentos. Então, na verdade, identificar os genes do autismo é importante
para nós para identificarmos os alvos dos medicamentos, para identificarmos
coisas que possamos impactar e termos certeza de que é realmente aquilo que
precisamos fazer no autismo. Mas essa não será a única resposta. Além de apenas
medicamentos, vamos usar estratégias educacionais.
Alguns indivíduos com autismo têm uma programação
cerebral um pouquinho diferente. Eles aprendem de forma diferente. Eles
absorvem o que está ao redor de forma diferente, e precisamos conseguir
educá-los de forma mais eficiente para eles. Além disso, há muitos indivíduos
nesta sala que têm grandes ideias em termos de novas tecnologias que possamos
usar, tudo, desde dispositivos que podemos usar para treinar o cérebro para
torná-lo mais eficiente e conseguir compensar as áreas em que ele tenha algum
probleminha, até coisas como o Google Glass.
Vocês podem imaginar, por exemplo, que o Gabriel,
com sua estranheza social, possa usar um Google Glass com um fone de ouvido em
sua orelha, possibilitando que um treinador o ajude a pensar em conversas, em
como puxar conversas, sendo capaz até de, um dia, convidar uma moça para um
encontro.
Todas essas novas tecnologias oferecem
oportunidades tremendas para que consigamos impactar os indivíduos com autismo,
mas ainda temos um longo caminho pela frente. Mesmo sabendo tanto, há muito
mais que ainda não sabemos, e, por isso, convido todos vocês a nos ajudarem a
pensar em como fazer isso de forma melhor, em como usar, enquanto comunidade,
nossa sabedoria coletiva para conseguirmos fazer a diferença, e, em particular,
para os indivíduos e famílias com autismo, eu convido vocês a se juntarem à
Rede Interativa do Autismo, a serem parte da solução, porque realmente serão
necessários muitos de nós para pensar no que é importante, no que vai fazer uma
diferença significativa.
Ao pensarmos em algo que seja potencialmente uma
solução, vai funcionar bem? É algo que realmente vai fazer a diferença em suas
vidas, enquanto indivíduos, enquanto família com autismo? Vamos precisar de
indivíduos de todas as idades, dos jovens aos idosos, e de todas as formas e
tamanhos do transtorno do espectro autista, para garantir que causemos impacto.
Então, convido todos vocês a se juntarem à missão e a ajudar a conseguir tornar
as vidas de indivíduos com autismo muito melhor e muito mais rica.
FONTE:
Vídeo: TED – Ideas Worth Spreading
Tradução: Leonardo Silva. Revisão: Ruy Lopes Pereira
Tradução integral da palestra de Wendy Chung proferida no TED:
http://www.brasil247.com/pt/247/revista_oasis/139940/Autismo-O-que-sabemos-o-que-nos-falta-saber.htm
Nenhum comentário:
Postar um comentário