Rede é poderosa aliada na troca de
informações e experiências sobre doenças
Rio - ‘No início meu mundo caiu. O
buraco não tinha fim. Depois, decidi ajudar meu filho a superar as dificuldades
e a evoluir. Hoje, ele é feliz. Eu sou feliz”. O depoimento é da fisioterapeuta
Tarita Inoue Garcia, 34 anos, mãe de Lucas, de 4, diagnosticado como autista.
Como ela, centenas de outras mães, cujos filhos têm doenças raras, bombardearam
a depressão com uma poderosa arma: a internet, que possibilitou a troca de
informações e de experiências e estimulou o debate na construção de políticas
públicas.
Sobretudo, gerou uma rede de apoio
mútuo, onde dores e alegrias podem ser divididas entre pessoas na mesma
situação de vida. Seja YouTube, Facebook, Instagram, Twitter, site, blog,
WhatsApp ou e-mail, as novas mídias permitiram a difusão de informações sobre
sintomas, tratamentos e especialistas em transtornos como o autismo, Asperger,
down, déficit de atenção, hiperatividade e alergias específicas, entre outros,
dos quais pouco ou nada se ouvia falar até então.
Isabel Fillardis com dois de seus
três filhos.
Jamal, que não aparece nesta foto, é portador de Síndrome de West.
Em 2006, a atriz fundou a ONG A Força do Bem
Foto: Fernando Souza / Agência O Dia
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Além disso, as modernas
plataformas, como tablet e smartphone, tornaram possível o acesso imediato — e
em pontos remotos — ao universo dessas mídias. Campanhas bem-sucedidas, como a
Põe no Rótulo, planejada para que as indústrias descriminem as substâncias
contidas nos alimentos, ganharam corpo na internet e angariaram o apoio maciço
do público em geral.
“O movimento começou a crescer. De
repente, dezenas de artistas famosos estavam participando e virou uma grande
campanha. Hoje, temos 824 mães no Facebook e nosso Instagram está com movimento
de cinco mil pessoas”, acentua a advogada Cecília Cury, 34 anos, idealizadora
da campanha e mãe de Rafael, de dois 2 anos e 6 meses, que tem intolerância a
lactose e soja.
Um documentário sobre uma mãe que
lutava desesperadamente com o governo para obter medicamento à base de maconha
para a filha de 5 anos, lançado no YouTube em março, já obteve 126 mil
visualizações. A personagem do filme ‘Ilegal’ é a paisagista Katiele Fischer,
33 anos, mãe de Anny, que desde os 3 anos tinha até 80 crises convulsivas por
semana.
Tarita Inoue Garcia e Lucas contam
com apoio do site
‘Mães Amigas’
e do blog ‘Uma voz para o autismo’
Foto: Divulgação
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Pela internet, Katiele descobriu
um medicamento para controlar as convulsões: o Canabidiol, ou CBD, um dos 60
componentes ativos da Cannabis sativa. Passou a importá-lo ilegalmente para
salvar a vida da filha. Em abril, após exibição do curta, a Justiça Federal em
Brasília determinou que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)
entregasse à Katiele o Canabidiol.
‘Um ajuda o outro dividindo as
dores e as alegrias’
A fisioterapeuta Tarita Inoue
Garcia percebeu que o filho Lucas estava com quase 2 anos e apresentava atrasos
no desenvolvimento. “Uma psicóloga foi a primeira que disse que meu filho tinha
comportamentos autistas. O meu mundo caiu”, recorda a fisioterapeuta.
Foi na internet que ela descobriu
um especialista em autismo. A doença foi confirmada recentemente.
Como seria natural, logo no início
de todo o processo Tarita caiu em depressão. “Recebi muita força do ‘Mães
Amigas’ (site) e ‘Uma voz para o autismo’ (blog). Foi fundamental para eu ficar
de pé no início. Hoje, mantenho um grupo no Yahoo com 100 pessoas que trocam
informações e experiências, além de apoio emocional. Um ajuda o outro nos dias
difíceis, que não são poucos, dividindo dores e alegrias”, afirma.
Mulher ‘adotou’ grupo com Asperger, que deu virada
O filho caçula de Rosana Leh, 47
anos, tem 17 anos e foi diagnosticado tardiamente aos 9 com asperger — que a
grosso modo é uma espécie de autismo em nível mais leve. “Sempre encarei a
questão como uma condição de vida, e não como um problema. Einstein tinha
asperger. Thomas Edson tinha asperger. Na minha opinião, é um transtorno
neurológico, não uma doença”, define.
Em busca de informações, a mãe
descobriu uma comunidade no Orkut que conversava sobre asperger, frequentada
por familiares e também por quem sofria do transtorno. Eram jovens que
enfrentavam depressão, dizendo que os pais não aceitavam a aquela realidade na
vida deles.
Rosana : ‘Sempre encarei a Asperger como uma condição de vida’
Foto: Divulgação
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“Acabei assumindo o papel de
consoladora. Tomei como missão divulgar informações sobre o asperger e dar
apoio emocional a pais e pessoas que têm o transtorno neurológico.
Principalmente para quem acaba de receber o diagnóstico”, ressalta Rosane
Leh. Segundo ela, a troca de informações
ajuda mães a terem o diagnóstico precocemente. “Eu poderia ter iniciado o
tratamento do Mateus muito antes, não fosse levar tanto tempo para descobrir a
doença”, pondera Rosane.
Atriz vira exemplo e conselheira
A atriz Isabel Fillardis tornou-se
exemplo para todo o país ao expor, da forma mais natural possível, que seu
segundo filho, Jamal, agora com 10 anos, era portador da rara Síndrome de West.
Em 2006, fundou a ONG A Força do Bem, com o objetivo de ajudar na inclusão de
portadores de necessidades especiais.
Utilizando a internet como
ferramenta principal de acesso, Isabel elaborou um site, por meio do qual
realiza o primeiro censo de mapeamento das pessoas com deficiência no Brasil,
visando auxiliar quem não está recebendo cuidados. Uma iniciativa pioneira que,
na verdade, deveria ser uma política pública.
“O lançamento do cadastro nacional
visava a informação, porque havia muita dificuldade de se conseguir dados sobre
as doenças e acesso a hospitais. Paralelamente, tínhamos como objetivo dar
conforto para quem estava começando a vivenciar o problema”, explica.
Segundo a atriz, sem a internet e
as novas mídias, esse trabalho seria quase impossível. Por meio do site da
Força do Bem, Isabel passou a ser uma espécie de conselheira virtual. “Ajudamos
no encaminhamento para diagnóstico e tratamento em hospital, mas o conforto
psicológico é essencial, principalmente para os pais. Procuro mostrar ao casal
que um filho com necessidade especial precisa de apoio para ter qualidade de
vida”, ensina a atriz, que é mãe de mais duas crianças: Analuz, de 13 anos, e o
bebê Kalel, de apenas 4 meses.
‘Um dia especial’ brilha em
festival internacional
No fim do ano passado, o cineasta
Yuri Amorim, 26 anos, lançou o longa ‘Um dia especial’ no Festival
Internacional Assim Vivemos, organizado no Brasil. A película retrata a rotina
e os desafios enfrentados por dez mães de filhos com doenças neurológicas.
“Uma pesquisa internacional
constatou grande incidência de depressão em mães com filhos com necessidades
especiais. O Instituto Educarte decidiu montar uma oficina com um grupo de
mulheres, criando estratégias para o enfrentamento da situação”, explica Yuri,
que pretende futuramente exibir o filme na internet. Uma das mães retratadas no
filme, Sônia Pajtak, 54 anos, funcionária de uma clínica especializada em
doenças neurológicas, afirma que após lançamento várias mulheres entraram em
contato para integrar o grupo.
Campanha Põe no Rótulo contra
alergia
Idealizadora da campanha Põe no
Rótulo, deflagrada com sucesso absoluto pela internet, a advogada Cecília Cury
conta que o filho Rafael foi diagnosticado com intolerância a lactose e a soja
quando tinha apenas 1 mês e meio de vida. Cecília passou a integrar um grupo no
Facebook específico sobre pessoas com alergia a alimentos, que hoje conecta 824
mães.
"2012, fizemos uma hashtag de
um grupo de crianças segurando um cartaz onde se lia Põe no Rótulo. O movimento
cresceu e muitos artistas estavam participando. Virou uma grande campanha. A
internet possibilitou isso”, ressalta. A publicitária agora está discutindo com
a Anvisa a rotulagem dos alimentos.
“Todos têm o direito de saber
exatamente o que estão comendo e a nossa campanha fez isso: extrapolou o âmbito
de quem é alérgico e ganhou a população em geral. Queremos que todos os
alimentos tenham a informação em local bem visível sobre substâncias que podem
causar alergias”, defende. Como os alimentos para alérgicos são caros e
vendidos em poucos lugares, Cecília já tem um novo projeto. “Pretendemos abrir
uma campanha para que o governo dê benefícios fiscais a produtores, de forma a
baratear o produto”, afirma.
Relações públicas vira uma
especialista e faz palestras
Uma das mulheres mais bem
informadas no Brasil, quando se trata de autismo, é a relações públicas Marie
Dorion, 40 anos, fundadora do blog ‘Uma voz para o autismo’, organizado quando
ela ainda morava nos Estados Unidos e que tem 250 visitações por dia. Seus dois
filhos — Pedro, 10 anos, e Luís, de 9 — são autistas e o diagnóstico foi dado
quando ela acabara de mudar para a América do Norte, em 2006. “A primeira coisa
que fiz foi ir para a internet e procurar brasileiros que morassem nos Estados
Unidos e tivessem filhos autistas”, conta.
Marie Dorion, com Pedro e Luís,
criou blog ‘Uma voz para o autismo’
Foto: Divulgação
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Marie mergulhou de cabeça: fez
vários cursos sobre o assunto, pesquisas e mais pesquisas. “Em 2009 criei o
blog. Eu precisava dar um pouco do que recebi. E comecei a ajudar brasileiros
no Brasil” conta. Em 2010, Marie retornou ao país. Segundo ela, paralelamente à
troca de informações e de experiências com o dia a dia dos filhos, sobretudo e
o apoio emocional, são fundamentais.
“Sem a internet e as novas mídias,
nada disso seria possível. Hoje, mantenho o blog e participo de quatro grupos
na internet: dois de mães em geral e dois do tema específico”, contabiliza
Marie. Ela ainda percorre o Brasil fazendo palestras e cursos sobre o assunto.
FONTE:
Hilka Telles
Hilka Telles
http://odia.ig.com.br/noticia/rio-de-janeiro/2014-05-11/maes-usam-a-internet-para-lutar-pela-vida-dos-filhos.html
Um comentário:
Muito bacana reportagem
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