Engenharia de tecidos e órgãos é setor que tem
crescido no mundo e está em desenvolvimento em diversas universidadesFaz quase
dez anos da publicação original da maior descoberta dos últimos tempos na
medicina, a fenomenal reprogramação celular, por Shinya Yamanaka. O marco
cientifico fez história e levou Shinya ao prêmio Nobel de medicina em 2012.
A essa altura só não vê quem não quer. As famosas
células-tronco de pluripotência induzida, ou células iPSC (do inglês) vieram
pra ficar. Devido à facilidade da técnica, diversos bancos dessas
células-tronco têm se proliferado exponencialmente, criados tanto pela
iniciativa privada quanto por órgãos governamentais. O fenômeno é mundial e,
apesar de ainda não ser um tipo de negócio com rendimentos projetados a curto
prazo, o futuro é promissor. Compare com as viagens espaciais, o sonho
astronômico vai deixar de estar restrito à alta sociedade e voos estarão no
roteiro de férias da classe média. Investir em áreas de risco requer
conhecimento do produto, espírito empreendedor, capital e (muita) paciência.
Com o custo da reprogramação celular diminuindo
consideravelmente, diversos investidores americanos estão prontos a produzir
uma versão embrionária de seus consumidores pra uso futuro. Células iPS podem
ser manipuladas e induzidas a se especializar em qualquer célula ou tecido do
corpo humano. Do ponto de vista da medicina regenerativa, é o bicho! Com elas,
seria possível reconstituir qualquer tecido danificado do corpo humano. De
fato, o primeiro ensaio clínico com células iPS está sendo realizado no Japão,
para doença macular degenerativa. Pacientes receberão células da retina criadas
em laboratório, derivadas das iPS reprogramadas da sua própria pele. Essa
tecnologia combinada com a bioengenharia tem também contribuído para a
organogenese, ou cultura de órgãos inteiros em laboratório. A prova de
princípio já foi mostrada para diversos outros órgãos humanos. O futuro é
personalizado.
Mas hoje em dia, o maior uso clínico dessas células
ainda está restrito à triagem de drogas. Eu explico. Com essas células, é
possível originar um infindável número de outras células com a mesma carga
genética do indivíduo para teste de medicamentos. Encontrar o medicamento certo
na dosagem correta leva tempo. Pergunte aos médicos e aos próprios pacientes
que acabam servindo de cobaias a si mesmo. A mesma idéia já é aplicada no
tratamento do câncer. Basta colocar uma biópsia do câncer numa placa de petri e
testar qual droga reduz o seu crescimento, evitando-se testá-las diretamente no
paciente. Funcionou com o Steve Jobs, vai funcionar pra você também. Agora
imagina poder fazer isso com doenças mentais ou do coração, cujo acesso às
células-alvo (no cérebro) não é tão simples assim e o tecido é precioso.
Pensando nisso, diversos bancos hoje estão
oferecendo células iPS, derivadas das mais diversas doenças, para companhias
farmacêuticas. Afinal, é muito mais barato do que financiar ensaios clínicos.
Além disso, o material é humano, algo muito apreciado por esse setor depois de
anos e alguns bilhões de dólares investidos em pesquisas com animais sem
resultado algum. Esses biorepositórios já existem e devem ter cerca de 200
linhagens celulares para uma doença específica. Estima-se que esse número suba
para 10-20 mil linhagens em cinco anos. Muitas dessas células virão de
pesquisadores que já trabalham com essa tecnologia.
Mas, e o Brasil? Será que valeria a pena entrar
nessa no Brasil?
Depende de como for feito. Academicamente já não
somos competitivos nessa área, pois demoramos muito a perceber essa mudança de
paradigma (enquanto a reprogramação celular explodia no resto do mundo, ainda
estávamos discutindo a liberação de células-tronco embrionárias humanas para
pesquisa...). Porém, o material genético do brasileiro é misturado e
heterogêneo, o que é atraente para definir ou estratificar mercados
farmacológicos. Isso sim seria um bom investimento caso o número de células iPS
fossem representativos. E o teste para doenças? Diluir um potencial
investimento em pequenos esforços seria jogar dinheiro fora. Jamais
conseguiríamos competir com bancos nos EUA, com milhares de amostras para uma
determinada doença. Ao meu ver, a janela de oportunidade seria investir em
apenas um tipo de doença e nos destacar por isso. Por exemplo, há dois anos foi
proposta a criação de um banco de células iPS derivadas de 200 autistas
brasileiros e 100 controles para o Ministério da Casa Civil e Ministério da
Saúde. Até hoje não houve resposta, o que demonstra um desinteresse nesse tipo
de doença ou falta de percepção estratégica nessa área.
Apesar do desânimo brasileiro, investidores e
inovadores estrangeiros trabalham com uma margem de risco maior, pois o retorno
financeiro e tecnológico seria transformador. No final, o mundo todo irá
usufruir dessa tecnologia, obviamente com um custo maior do que os pioneiros na
área.
FONTE:
* Foto: Matt Dunham/APhttp://g1.globo./cienciaesaude/blog/espiral/post/congelando-seu-mini-me.html
Nenhum comentário:
Postar um comentário