quinta-feira, 3 de julho de 2014

Congelando seu Mini-me

Engenharia de tecidos e órgãos é setor que tem crescido no mundo e está em desenvolvimento em diversas universidadesFaz quase dez anos da publicação original da maior descoberta dos últimos tempos na medicina, a fenomenal reprogramação celular, por Shinya Yamanaka. O marco cientifico fez história e levou Shinya ao prêmio Nobel de medicina em 2012.
A essa altura só não vê quem não quer. As famosas células-tronco de pluripotência induzida, ou células iPSC (do inglês) vieram pra ficar. Devido à facilidade da técnica, diversos bancos dessas células-tronco têm se proliferado exponencialmente, criados tanto pela iniciativa privada quanto por órgãos governamentais. O fenômeno é mundial e, apesar de ainda não ser um tipo de negócio com rendimentos projetados a curto prazo, o futuro é promissor. Compare com as viagens espaciais, o sonho astronômico vai deixar de estar restrito à alta sociedade e voos estarão no roteiro de férias da classe média. Investir em áreas de risco requer conhecimento do produto, espírito empreendedor, capital e (muita) paciência.
Com o custo da reprogramação celular diminuindo consideravelmente, diversos investidores americanos estão prontos a produzir uma versão embrionária de seus consumidores pra uso futuro. Células iPS podem ser manipuladas e induzidas a se especializar em qualquer célula ou tecido do corpo humano. Do ponto de vista da medicina regenerativa, é o bicho! Com elas, seria possível reconstituir qualquer tecido danificado do corpo humano. De fato, o primeiro ensaio clínico com células iPS está sendo realizado no Japão, para doença macular degenerativa. Pacientes receberão células da retina criadas em laboratório, derivadas das iPS reprogramadas da sua própria pele. Essa tecnologia combinada com a bioengenharia tem também contribuído para a organogenese, ou cultura de órgãos inteiros em laboratório. A prova de princípio já foi mostrada para diversos outros órgãos humanos. O futuro é personalizado.
Mas hoje em dia, o maior uso clínico dessas células ainda está restrito à triagem de drogas. Eu explico. Com essas células, é possível originar um infindável número de outras células com a mesma carga genética do indivíduo para teste de medicamentos. Encontrar o medicamento certo na dosagem correta leva tempo. Pergunte aos médicos e aos próprios pacientes que acabam servindo de cobaias a si mesmo. A mesma idéia já é aplicada no tratamento do câncer. Basta colocar uma biópsia do câncer numa placa de petri e testar qual droga reduz o seu crescimento, evitando-se testá-las diretamente no paciente. Funcionou com o Steve Jobs, vai funcionar pra você também. Agora imagina poder fazer isso com doenças mentais ou do coração, cujo acesso às células-alvo (no cérebro) não é tão simples assim e o tecido é precioso.
Pensando nisso, diversos bancos hoje estão oferecendo células iPS, derivadas das mais diversas doenças, para companhias farmacêuticas. Afinal, é muito mais barato do que financiar ensaios clínicos. Além disso, o material é humano, algo muito apreciado por esse setor depois de anos e alguns bilhões de dólares investidos em pesquisas com animais sem resultado algum. Esses biorepositórios já existem e devem ter cerca de 200 linhagens celulares para uma doença específica. Estima-se que esse número suba para 10-20 mil linhagens em cinco anos. Muitas dessas células virão de pesquisadores que já trabalham com essa tecnologia.
 Agências de fomento americanas passaram a exigir que células iPS derivadas com suporte público, sejam depositadas em algum banco celular. Mas isso não inibe investidores privados, interessados em grupos ou populações humanas com interesse comercial. Os maiores bancos de células-tronco iPS estão nos EUA (RUDCR, NYSCF, CIRM, Coriell e CDI), Japão e Europa (European Bank for Induced Pluripotent Stem Cells, UK). As doenças com maiores números de células estocadas são o mal de Parkinson, Huntington e Esclerose Lateral Amiotrófica.
Mas, e o Brasil? Será que valeria a pena entrar nessa no Brasil?
Depende de como for feito. Academicamente já não somos competitivos nessa área, pois demoramos muito a perceber essa mudança de paradigma (enquanto a reprogramação celular explodia no resto do mundo, ainda estávamos discutindo a liberação de células-tronco embrionárias humanas para pesquisa...). Porém, o material genético do brasileiro é misturado e heterogêneo, o que é atraente para definir ou estratificar mercados farmacológicos. Isso sim seria um bom investimento caso o número de células iPS fossem representativos. E o teste para doenças? Diluir um potencial investimento em pequenos esforços seria jogar dinheiro fora. Jamais conseguiríamos competir com bancos nos EUA, com milhares de amostras para uma determinada doença. Ao meu ver, a janela de oportunidade seria investir em apenas um tipo de doença e nos destacar por isso. Por exemplo, há dois anos foi proposta a criação de um banco de células iPS derivadas de 200 autistas brasileiros e 100 controles para o Ministério da Casa Civil e Ministério da Saúde. Até hoje não houve resposta, o que demonstra um desinteresse nesse tipo de doença ou falta de percepção estratégica nessa área.
Apesar do desânimo brasileiro, investidores e inovadores estrangeiros trabalham com uma margem de risco maior, pois o retorno financeiro e tecnológico seria transformador. No final, o mundo todo irá usufruir dessa tecnologia, obviamente com um custo maior do que os pioneiros na área.
FONTE:
* Foto: Matt Dunham/APhttp://g1.globo./cienciaesaude/blog/espiral/post/congelando-seu-mini-me.html

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