José Luiz de Araújo
Júnior*
Esta é a questão que me proponho investigar a algum
tempo. É possível que não o sejamos no sentido estrito do conceito, porém
certamente me parece que somos autistas sociais e políticos. Vejamos...
O Transtorno do Espectro Autista conta com diversas
características idiossincráticas, dentre as quais se destaca uma quase completa
incapacidade de interação social. E nós, seres humanos “normais”, dotados de
incríveis faculdades verbais, gestuais e simbólicas, afastamo-nos cada vez mais
do contato tête-à-tête com nossos iguais, buscando em vão preencher a solidão
que naturalmente nos inunda através de contatos virtuais.
Gabamo-nos de nossa pretensa evolução tecnológica,
e exibimos com orgulho a quantidade enorme de amigos que acumulamos em redes
sociais, estes mesmos aglomerados de semblantes felizes que mimetizam através
de selfies a montanha de emoções que somos capazes de vivenciar. Abdicamos de
um cumprimento qualquer, um olá que seja — ou ao menos um aceno com a cabeça —,
a um desconhecido com o qual cruzamos olhares na rua.
Em contrapartida, podemos consumir horas e mais
horas em diálogos cibernéticos com “amigos” de todo o planeta. E assim nos
sentimos felizes, seguros e... Solitários! A tela de um computador, de um
aparelho celular ou de um tablet não nos oferece maiores riscos. Se não
quisermos nos comunicar é simples: a internet caiu, o telefone ficou sem sinal
ou o tablet descarregou a bateria. Já o olhar de um igual, o olhar especular,
carrega-nos diretamente ao tempo de nossa infância. Reconhecemos imediatamente
nosso reflexo no espelho, e ali enxergamos nossas deficiências, as quais nos
fazem recordar que não somos perfeitos. É a partir desta constatação que
buscamos isolamento. Tememos o olhar do outro e os julgamentos que
possivelmente estarão por trás dele.
Uma outra — e não menos importante — característica
que nos podemos atribuir, autistas que nos tornamos, é a estereotipia.
Repetimos ações a todo momento. Isto nos dá segurança, ou seja, se já deu certo
uma vez dará sempre. E se isto não mais ocorrer, fugimos novamente! E aqui me
sinto à vontade para dar um salto mais distante... Observem nosso comportamento
em relação à política. O que fazemos além de repetir equívocos? Erramos
consecutivamente na escolha de nossos governantes, e temos ainda a audácia de
culpá-los por seus previsíveis atos?! Precisamos, sim, de um processo
terapêutico contínuo e coletivo, um processo no qual, tal qual é indicado aos
autistas clássicos, haja estimulação por todos os lados: cultural, social e
política.
Precisamos incentivar e fortalecer a educação de
nossas crianças (Rubem Alves não cansou de dizê-lo), retomar com urgência a
troca de olhares e palavras em nosso dia a dia, além de participar e reinventar
nossa política, de baixo para cima. Precisamos de um melhor povo para cobrarmos
melhores líderes. Não podemos oferecer a nossos políticos o que eles mais
almejam: que sejamos autistas, que vivamos em nosso mundinho particular,
avessos aos meandros sombrios do poder. Em minha experiência clínica com
crianças e adolescentes autistas, percebo que prognósticos obscuros tendem a
cair por terra quando buscamos enxergar além do que nos é ofertado em um
primeiro momento. E é por isso que acredito firmemente que podemos reaprender a
viver como nossos ancestrais viviam há milhares de anos: socialmente!
* José Luiz de Araújo Júnior é psicólogo.
FONTE:
http://www.jb.com.br/sociedade-aberta/noticias/2014/08/02/seriamos-todos-autistas/
Foto: Google.
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