Andréa Werner Bonoli é autora do blog Lagarta Vira Pupa, no qual inspira e ajuda outras mães ao falar sobre sua relação com o filho Theo, de 6 anos, que foi diagnosticado autista aos 2 aninhos. Aqui, ela conta porque decidiu deixar o trabalho para acompanhar o desenvolvimento do filho. Confira!
“Era uma vez uma moça mineira formada em Jornalismo, que passou em um famoso programa de trainees de uma multinacional em São Paulo. Com as malas e a cabeça feitas, ela entrou no mundo corporativo pela porta da frente: viagens, treinamentos, festas… Mas também cobranças, muitas cobranças. E a vida foi passando. As empresas mudando, mas sempre com o mesmo esquema rígido de ‘cargo de confiança’ – o que, na prática, significa que você tem hora para entrar, mas não tem para sair.
A moça se casou e logo engravidou. Nasceu um bebê enorme, lindo e risonho, que foi se desenvolvendo normalmente com o tempo: virou-se com muita rapidez, sustentou a cabecinha, começou a balbuciar palavras, fazia várias gracinhas, batia palmas e até dava tchau para o avião.
Com um aninho, o bebê foi para a escola para que a mamãe pudesse voltar a trabalhar. Mas foi doença atrás de doença. Mamãe e papai estavam quase virando sócios da farmácia de tanto antibiótico, quando veio o primeiro surto de gripe suína. Todos em pânico, ainda não havia vacina ou remédio eficaz e ouvimos da pediatra: ‘ele está com a imunidade muito alterada, muito doentinho. Se pegar gripe suína agora, pode ser muito perigoso’. Mas mamãe não podia deixar o trabalho. Grande parte do padrão de vida da família dependia disso. Então, veio a babá. E mamãe continuou no seu esquema de multinacional.
Essa mãe notou que o filho, após o primeiro aninho, parecia mais introspectivo e deixou de fazer algumas coisas que fazia antes, como bater palmas e dar tchau. Ele também parecia ter obsessão por objetos que giravam, como as rodinhas dos carrinhos. E agia como surdo quando ela pedia alguma coisa pra ele. Mas mãe de primeira viagem não tem muito parâmetro e ela pensou que era só um caso de personalidade difícil.
Quando o bebê estava para fazer 2 anos, papai e mamãe conseguiram comprar seu primeiro apartamento. Junto com a mudança, veio a escola. E, após um mês, uma conversa muito difícil entre o pai e uma professora, além de um relatório que enumerava várias coisas preocupantes: ‘a criança não olha quando chamada pelo nome, não faz contato visual, não se interessa em brincar com os colegas, tem fixação por objetos que giram’. Nesse mesmo dia, o pai ligou para a mãe no trabalho e ela quebrou o protocolo corporativo saindo de lá aos prantos, porque já sentia, em seu coração, que havia algo de muito errado com o desenvolvimento do seu filho.
O diagnóstico de autismo veio logo em seguida, após uma consulta com um neuropediatra. Ele foi enfático: a criança precisa de muita terapia e muita intervenção, porque agir antes dos 3 anos faria toda a diferença. Aí começou a peregrinação diária do menino. Ele ia à escola pela manhã e, à tarde, ia e voltava de táxi de alguma terapia com a babá. Como a família morava no Morumbi e as intervenções eram feitas na Vila Mariana, o custo de cada sessão de terapia quase dobrava com o preço do táxi pago todos os dias.
O tempo foi passando e a criança foi se desenvolvendo. Mas uma coisa incomodava a mãe: ela quase não tinha contato com as terapeutas pessoalmente. Com a correria do trabalho, muitas vezes se perdia entre o que deveria estar sendo feito e o que as terapeutas faziam efetivamente. Daí vieram vários questionamentos: estaria o filho se desenvolvendo, realmente, no ritmo adequado? Seriam essas as melhores técnicas?
Essa mãe sou eu, Andréa. E faz três anos que decidi parar de trabalhar para levar meu filho, Theo, às terapias, acompanhá-lo de perto, mergulhar de cabeça nesse mundo diferente chamado autismo e ser a maior especialista em Theo que há no mundo. Há um ano, nós nos mudamos para o exterior e, além do Theo, virei especialista em cuidados domésticos e caninos (agora que a Lola, uma Golden Retriever, se juntou à nossa turma).
Parar de trabalhar fora implica em várias coisas. A queda no orçamento da família é inevitável, portanto, tem que ser uma decisão tomada em conjunto. Nem todo mundo pode optar por fazer isso – ainda mais levando-se em consideração que, no Brasil, todos os tratamentos são particulares e caros.
Sim, meu filho ficou claramente melhor comigo em casa. Mas, mesmo assim, às vezes eu me questiono se as coisas poderiam ter seguido outro rumo. Algumas vezes, eu penso que poderíamos estar em uma situação mais confortável financeiramente – o que também é importante para uma criança autista, que pode nunca vir a ser independente. Também tenho dúvidas sobre os impactos dessa decisão na minha vida a longo prazo.
Às vezes, sinto falta de ver gente. Estou tentando compensar isso com cursos. Também dá um pontinha de inveja quando o marido faz viagens legais a trabalho, não posso negar! Depender financeiramente de outra pessoa também não é o melhor cenário do mundo, mas eu vou levando numa boa.
No final das contas, lembro-me de uma frase que a minha irmã falou em uma das nossas conversas: ‘não existem respostas fáceis para as grandes questões da vida. A gente toma as decisões e lida com as consequências’. Quando toda essa coisa de ‘consequências’ começa a me encher demais, agarro meu rapazinho, encho-o de beijos, e penso que estar mais perto dele compensa tudo. Daqui a 20 anos, se bobear, vou ver que, no fundo, eu não estava errada”.
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