Berenice Piana, microempresária e ativista da causa
do autismo,
com o pequeno Fabiano e sua família,
com o pequeno Fabiano e sua família,
na Clínica-Escola de Itaboraí
Nem São Paulo, nem Rio de Janeiro, nem tampouco uma
outra grande cidade do país. O principal núcleo de conscientização, tratamento
e inclusão de pessoas com autismo no Brasil é uma cidade fluminense de pouco
mais de 200 mil habitantes. Itaboraí é berço da Clínica-Escola do Autista, um
projeto público pioneiro que visa, sobretudo, a integração de crianças e
adolescentes autistas ao ensino regular, por meio de um tratamento
multidisciplinar oferecido por alguns dos profissionais mais gabaritados da área
no país.
A implementação do projeto na cidade cumpre, na
prática, determinações previstas na Lei 12.764, de 2012, que institui a
Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro
Autista em todo o país. Sancionada a partir de um projeto popular, via
Legislação Participativa, a lei ganhou o nome de uma das maiores ativistas da
causa no Brasil, Berenice Piana, responsável, também, pela idealização da
Clínica-Escola no município fluminense.
A batalha de Berenice Piana
Berenice Piana é mãe de uma pessoa com autismo,
Daylan, hoje com 21 anos. Seu ativismo iniciou-se no momento em que teve o
diagnóstico de seu filho e percebeu a inexistência de políticas e conhecimento
sobre o assunto no país. O que sobrava, segundo ela, era o preconceito.
"Eu entendi que a luta por políticas públicas tinha que começar, porque
ninguém falava de autismo em lugar nenhum", afirma.
A nova lei fez com que o autista, enfim, fosse reconhecido como uma pessoa com deficiência. "O autista vivia num limbo, não era nem uma pessoa neurotípica e também não era uma pessoa com deficiência. Não tinha nenhum direito e todas as obrigações".
Berenice Piana, idealizadora da Clínica-Escola de Itaboraí,
e seu filho autista, Daylan
|
Vencida a primeira batalha, chegava a hora de tirar
a lei do papel - era a vez de construir a Clínica- Escola. Em janeiro de 2013,
menos de um mês depois de a lei ter sido sancionada, Berenice Piana tratou da
criação da escola com o prefeito de Itaboraí Helil Cardozo (PMDB)
recém-empossado no cargo. A escola foi inaugurada um ano depois.
Hoje, vão para a cidade pacientes e também
comitivas de diversos municípios à procura de instruções de como desenvolver
programas semelhantes. "Aqui virou uma 'meca do autismo'. Toda semana tem
visita de fora, de Estados diferentes, porque querem implementar nas suas
cidades", diz Berenice, apontando exemplos como Santos (SP), São Gonçalo
(RJ) e Campo Grande (MS), como locais que pretendem implantar clínicas-escolas
públicas. Em Itaboraí, uma nova Clínica-Escola está em obras, em uma parceria
da Prefeitura com a iniciativa privada. Totalmente gratuita, também.
A Clínica-Escola do Autista de Itaboraí
A Clínica-Escola do Autista de Itaboraí é a única
instituição pública do país --clínicas-escolas particulares chegam a custar até
R$ 12 mil por mês --que oferece um tratamento multidisciplinar, contando com
neurologistas, neuropediatras, nutricionistas, fonoaudiólogos, psicólogos,
terapeutas ocupacionais e fisioterapeutas. O diagnóstico precoce e orientação
aos familiares são outros trunfos do projeto. O foco principal, no entanto, é a
inclusão das crianças e adolescentes no ensino regular.
Uma vez na Clínica-Escola, o autista recebe o
tratamento para o possibilitar a frequentar, também, o ensino regular. E os
professores da rede municipal, que irão acompanhá-los no dia a dia escolar
também recebem um treinamento específico para tal propósito na Clínica-Escola.
Caso não tenha condições de ser integrado ao ensino regular, o aluno continua
estudando exclusivamente na Clínica-Escola.
"Dos 119 autistas sendo tratados aqui no
momento, apenas 13 frequentam exclusivamente a Clínica-Escola, porque os outros
já estão na inclusão", conta Berenice. "Então eles passam pela
Clínica-Escola, são avaliados. Se ele já está na inclusão, ele continua na
inclusão. E nós chamamos o mediador, o acompanhante especializado, e trazemos
na Clínica-Escola para preparar esse mediador, esse acompanhante, porque às
vezes ele chega lá e não sabe nada de autismo."
Coordenador terapêutico da Clínica-Escola, Eugênio
Cunha diz que a tarefa deles é dar autonomia, habilidades sociais, e ao mesmo
tempo trabalhar a questão pedagógica, de alfabetização, letramento, para que
depois eles tenham condições de ingressar em uma escola regular. Ele ressalta a
importância da parceria da Clínica-Escola com a rede pública de ensino para que
a política de conscientização, tratamento e inclusão do autista seja
bem-sucedida na cidade.
Seis línguas, quatro graduações: uma professora autista na Clínica-Escola
A coordenadora pedagógica da Clínica-Escola do Autista de Itaboraí, Gisele Nascimento |
Se o trabalho de formação dos terapeutas fica a
cargo de Cunha, a formação dos professores que atuam na Clínica-Escola é feita
por uma profissional que também é autista. Gisele Nascimento tem Síndrome de
Asperger, transtorno compreendido dentro do espectro autista que caracteriza-se
por uma inteligência acima da média, uma superdotação: ela aprendeu a ler
sozinha, fala seis línguas (português, espanhol, alemão, francês, inglês e
italiano, além de Libras) e tem graduação em psicologia, pedagogia, sociologia
e biologia.
Hoje com 33 anos, Gisele começou a trabalhar com
educação somente aos 20 anos, atuando, desde então, com educação especial.
Ocupando o cargo de coordenadora pedagógica da Clínica-Escola, ela enche a boca
para falar do projeto bem-sucedido implantado em Itaboraí. "É clínica e é
escola. A parte escolar, ela é perfeita. E a parte que a gente chama de
terapêutica também é muito boa. E fora que é pública, eles não pagam nada. E
fora, custa cerca de 10 a 12 mil reais".
Gisele ainda vê muita "sabotagem", nas
palavras dela, aos autistas:
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"Nós autistas nascemos para aprender, só que
somos sabotados pela sociedade. E isso precisa mudar. Eu falo isso de escolas,
de governantes e principalmente de médicos. Autismo não é doença, é
deficiência. Então quando isso diminuir ou, se Deus quiser, parar de uma vez, a
gente não vai ter tanta mãe desesperada,
vindo para cá" Gisele Nascimento
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vindo para cá"
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De Juiz de Fora para Itaboraí
Fabiano Zeferino e Mirian Seixas, que foram de Juiz de Fora (MG) para Itaboraí, para tratar o filho autista Fabiano |
Depois de buscar, em vão, um diagnóstico de autismo
para seu filho Fabiano, Zeferino viu na televisão uma entrevista de Berenice
Piana falando sobre a Clínica-Escola e não teve dúvida, pegou um ônibus com
destino à cidade fluminense e conseguiu marcar uma consulta.
"Tomei a iniciativa, vim correndo para cá
[Itaboraí], porque nós já estávamos desesperados, sem saber o que fazer",
afirma. Quando voltou com o filho, enfim teve diagnosticado Fabiano com
autismo. Como a Clínica-Escola, sendo um órgão da prefeitura, só pode aceitar
residentes na cidade, Zeferino optou por deixar o emprego que tinha em Juiz de
Fora, no comércio de eletrônicos, e decidiu ir morar em Itaboraí, ainda que,
por ora, esteja desempregado. Tudo pela saúde do filho.
Sensibilizados com a história da família, os
coordenadores da Clínica-Escola concederam a vaga ao garoto de três anos. E em
pouco mais de três meses a melhora é sensível, diz. "Estou muito
satisfeito, muito feliz. Ele está bem melhor. Está calmo. Ele já senta. Está
comendo sozinho. Antes, não. A gente tinha que ficar andando a casa toda atrás
dele para dar a comida a ele. Já está até fazendo xixi no vaso, que ele não
fazia. Melhorou muito."
A importância da alimentação no tratamento do
autismo
Chamou a atenção de Zeferino como uma pequena
mudança na alimentação fez diferença no comportamento da criança. "Eles
cortaram o leite e o glúten e o resultado foi que dentro de duas ou três
semanas ele melhorou muito. Acho que uma boa alimentação é um dos fatores mais
importantes no tratamento."
Diretor médico da Clínica-Escola do Autista, Dr.
Mauro Lins endossa a avaliação de Zeferino. "Cada vez mais está se
estudando a relação entre o que se chama de microbioma, que é a população de
micro-organismos que vive no nosso intestino, com nossa saúde geral e nosso
comportamento. Então dietas isentas de caseína, que é a proteína do leite, e
glúten, que é a proteína de trigo e de alguns outros cereais, melhoram, de
fato, o comportamento de crianças autistas, porque estas substâncias estariam
provocando reações inflamatórias no intestino", explica. "Esta
correlação entre este equilíbrio intestinal e nosso comportamento, nosso humor,
nosso funcionamento mental, isto está cada vez mais nítido."
FONTE:
http://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2016/02/05/cidade-fluminense-vira-meca-no-tratamento-de-autismo-no-brasil.htm
André
Carvalho
Do UOL, em São Paulo
Fotos: Sandro Giron/Prefeitura de Itaboraí
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