Lei garante o direito à matrícula para crianças com
autismo em todas as escolas.
Mas a inclusão desejada passa longe da sala de
aula
A terapeuta ocupacional Márcia Valiati recomenda trabalhar com crianças com autismo mantendo sempre o contato visual, como de frente para o espelho | Aniele Nascimento/Gazeta do Povo |
Negar matrícula a pessoas com deficiência – e quem
tem autismo passou recentemente a ter os mesmos direitos – leva à punição de
três a 20 salários mínimos para o gestor escolar e, em caso de reincidência, à
perda do cargo.
Mas, mesmo que garantida a matrícula, é longa a
luta pelo direito de aprender e de ter suas particularidades respeitadas.
Diferente de quem tem uma deficiência física, que pode ter a necessidade
educacional especial resolvida com rampas e elevadores, por exemplo, a solução
é mais desafiadora em casos como o autismo, transtorno que compromete a
comunicação, a interação social e a capacidade de imaginação e planejamento.
“Existe a lei que determina que a inclusão deve acontecer, mas não determina o
apoio e, mais do que isso, não determina ações que possibilitem atendê-los de
forma mais inclusiva”, afirma a terapeuta ocupacional Claudia Omairi,
professora e pesquisadora em Integração Sensorial e Autismo pela UFPR.
Especialistas defendem que alunos com necessidades
especiais como os que têm autismo precisam de uma readaptação do ambiente para
que possam ter a chance de aprender como os demais. Para isso, as políticas
públicas devem garantir aos educadores a capacitação, tempo de preparo de
aulas, recursos de tecnologia assistiva e espaço físico adequados. Além do
currículo adaptado e de um profissional de apoio com maior ou menor
interferência no dia a dia escolar, uma criança com autismo pode precisar de
cuidados com estratégias sensoriais, que variam desde estímulos visuais,
auditivos ou táteis, lembrando que cada criança pode responder com uma
hiper-resposta (quando não tolera brincar na areia, ou mexer em tinta) ou ser
hipo-responsivo (se machuca, mas a dor não é percebida, pois não tem registro
sensorial). “Os professores devem ter um bom conhecimento acerca do autismo, e
saber como lidar com as estratégias sensoriais a fim de amenizar o impacto
frente às diversas reações da criança”, afirma Cláudia.
“A professora grita muito, grita: ‘vai logo”,
‘presta atenção’”, conta Artur, 7 anos, estudante de uma escola particular de
Curitiba. O menino, que tem autismo e sensibilidade auditiva, passou a se
recusar ir à escola e a mãe Estefânia Dias Mendes, que é professora do ensino
fundamental da rede pública, está aguardando um posicionamento da direção. A
terapeuta ocupacional e a psicóloga que atendem o menino já haviam feito
visitas à escola, mas o garoto permanece sendo obrigado a fazer cópia do quadro
e as reclamações sobre a gritaria continuam. “Essa semana, um colega contou que
Artur disse à professora que não era correto deixar os alunos surdos. A turma
toda riu, e nada tem sido feito para respeitar meu filho. Ele não pode
continuar com essa professora”, conta Estefânia, que estuda registrar boletim
de ocorrência contra a escola.
Mães assumem adaptações das salas de aula
Apesar de a inclusão estar em debate no Brasil há
quase 20 anos, a escola ainda rejeita o uso de materiais fundamentais para o
aprendizado de muitas crianças com necessidades educacionais como o autismo,
segundo a terapeuta ocupacional Marcia Valiati, do ambulatório Enccantar, que
também atende crianças com autismo. Ela sugere que sempre um profissional
capacitado encontre adaptações personalizadas em cada escola, de acordo com os
alunos que lá estudam. Apesar do cuidado individualizado ser o ideal, há
medidas que favorecem a todos e que podem ser implementadas facilmente. “Ao
sentar, a criança não deve ficar com os pés elevados, balançando. O que pode
ser resolvido com um apoio fixo, de balanço, ou almofada. As escolas também não
aceitam o plano inclinado, mas ele é essencial para ajudar a manter o foco,
especialmente na hora da criança copiar algo do quadro. Também adapto
materiais”, afirma.
A fisioterapeuta e psicopedagoga Karlen Pagel conta
que conquistou abertura para fazer adaptações de materiais na escola particular
onde os filhos Enzo e Caio cursam o 1º ano. Ambos têm autismo e usam materiais
como almofadas sensoriais, lápis e tesoura especiais além de adaptações
ergonômicas. Mas se a abertura para levar materiais adaptados para a sala de
aula – pagos pela família – não é um problema, Karlen sente falta do contato
mais próximo com a equipe de professores. “Eles não adaptam nada, parte da família
mesmo. Mas penso que é um processo, aos poucos vamos conseguindo convencer a
escola da importância de assumir esse papel. Minha maior dificuldade é a
distância em relação às professoras. Não são liberadas para participar de
discussões com a equipe terapêutica dos meninos, como um grupo do whatsapp que
mantemos só para esse fim.”
Nos Estados Unidos cada aluno com autismo têm seu
material escolar adaptado, com muita informação visual, figuras e cuidado com
textos que podem ser difíceis de ser interpretados – pessoas com autismo têm
pensamento literal e concreto. A rotina visual traz previsibilidade das ações
que ocorrerão na escola, evitando assim o aparecimento de comportamentos
inadequados. Foi um baque se deparar com a realidade das escolas brasileiras
para a pedagoga Laressa Herman, mãe do Leonardo, 6 anos, que estudou em escolas
americanas até o ano passado. “Além da escola, pago terapeuta ocupacional e
clínica, o combinado era a escola passar todo o material que a turma do
Leonardo está vendo com antecedência de uma semana, para as terapeutas poderem
adaptar. Mas a escola sempre atrasava e acabou virando uma bola de neve”,
conta.
Leonardo têm atividades estruturadas específicas,
leva para escola almofada de peso (veja galeria de fotos abaixo) e um tapete
para ficar mais confortável quando cansa da cadeira, tudo pago pela mãe. Para a
professora da UFPR Claudia Omairi, informar as famílias sobre os direitos de
seus filhos e deveres das escolas – como a proibição de qualquer escola cobrar
que a família providencie materiais adaptados ou pague profissionais para isso
– também deve ser alvo de ação governamental. “São muitos os desafios, a
sociedade tem de obter mais conhecimento acerca do autismo e há um grande
caminho a ser percorrido. Cabe aos governos instituir e à sociedade cobrar.”
A psicopedagoga Karlen Pagel prepara materiais
estruturados de forma visual para ajudar os próprios filhos gêmeos Caio (foto)
e Enzo na escola. O conteúdo permanece o mesmo ministrado às outras crianças,
porém, muda-se a forma de apresentação das atividades. Aniele Nascimento/Gazeta
do Povo
FONTE:
Adriana Czelusniak
Adriana Czelusniak
http://www.gazetadopovo.com.br/educacao/criancas-com-autismo-tem-inclusao-de-faz-de-conta-3p4vc5dv3rqihnh3zltv2my68
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