Alysson Muotri, da Tismoo:
“Abrimos a empresa sem saber ao certo se teríamos mercado para o que estávamos oferecendo”.
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Alysson Muotri é um cientista que resolveu mudar
essa lógica e criou, ele mesmo, a empresa que levaria a inovação desenvolvida
em seu laboratório para o mercado. Há poucos meses, ele e mais seis sócios
fundaram a Tismoo, a primeira startup de medicina personalizada especializada
em casos de autismo e doenças neurogenéticas. Ao lado de Alysson no
empreendimento estão as biólogas Graciela Pignatari e Patrícia Beltrão Braga, o
neurologista Carlos Gadia, o cientista da computação Roberto Herai, o
publicitário Gian Franco Rocchiccioli e o advogado Marco Antonio Innocenti.
Lançada em abril de 2016, a startup de biotecnologia
(ou “biotech”, num paralelo com “fintech“) nasceu depois de dois anos de
planejamento e com o investimento de 3 milhões de reais retirado do bolso dos
próprios sócios. Seis meses depois do lançamento, a Tismoo — que oferece
mapeamento e aconselhamento genético — já realizou cerca de 50 análises
completas do genoma de pacientes, que geraram um faturamento de 600 mil reais.
Alysson conta que ele e os sócios consideram estes números extraordinários:
“Ficamos surpresos, pois não esperávamos uma
procura tão rápida. Abrimos a empresa sem saber se teríamos mercado para o que
estávamos oferecendo”
A seu ver, o sucesso imediato da Tismoo pode ser
explicado por dois fatores: a carência de informação e alternativas de
tratamento para o autismo e o fato de o brasileiro ter um interesse natural por
tecnologia e inovação.
AUTISMO: UM MERCADO DELICADO E POUCO ATENDIDO
Com um caso a cada 50 nascimentos, o autismo é tão
frequente quanto é desconhecido. Até o momento, não existe nenhum tratamento
capaz de eliminar a condição e, quanto mais os cientistas a pesquisam, mais a
doença se mostra complexa. Hoje, já se sabe que existem mais de 300 genes
envolvidos na ocorrência do autismo. Isso significa que o autismo se apresenta
de formas muito variadas. Ou seja, assim como o câncer, existem tipos
diferentes de autismo.
Equipe Tismoo, da esquerda para a direita: Carlos
Gadia, Marco Antonio Innocenti, Alysson Muotri, Graciela Pignatari, Patrícia
Beltrão Braga, Roberto Herai e Gian Franco Rocchiccioli (foto: Lu Carmada).
Pai de um garoto autista, Alysson se formou em
Ciências Biológicas pela Unicamp, fez doutorado em Genética na USP e, em 2002,
mudou-se para a Califórnia, em pleno Vale do Silício, para realizar o
pós-doutorado no Instituto Salk Para Pesquisas Biológicas. Inserido num
ambiente que respira inovação e empreendedorismo, ele desenvolveu sua pesquisa
que tem como base a reprogramação celular. Com pinta de ficção científica, o
que ele faz em seu laboratório é criar minicérebros que servem de modelo para
testar novos tratamentos contra o autismo.
Os fundadores da Tismoo: Carlos Gadia, Marco Antonio Innocenti, Alysson Muotri, Graciela Pignatari, Patrícia Beltrão Braga, Roberto Herai e Gian Franco Rocchiccioli (foto: Lu Carmada). |
Antes de fundar a Tismoo, Alysson tentou uma parceria
com o governo brasileiro para criar o primeiro centro de estudo do autismo que
levasse em conta as características genéticas da população brasileira. Como a
parceria não foi para frente, ele decidiu tocar o projeto com a iniciativa
privada (no caso, o seu próprio bolso e dos outros cientistas e pesquisadores
que entraram como sócio). Ao que tudo indica, a decisão foi acertada.
Se continuar nesse ritmo, os sócios da Tismoo
esperam recuperar o investimento em dois anos e já planejam ampliar as
atividades. “Em 2017, abriremos dois novos escritórios nos Estados Unidos, um
em San Diego e outro em Miami”, adianta Alysson, que é cientista e já fala como
empreendedor. “Também já tivemos interessados no Japão, China e Índia.”
Do background como cientista, somado à curta
experiência como cofundador de startup, Alysson já aprendeu que uma lição
importante funciona nos dois universos: é errando que se aprende e adaptar-se é
fundamental. “Dizemos que a Tismoo é uma startup porque estamos começando e
sabemos que vamos cometer erros, estamos prontos para isso. O tipo de serviço
que a gente oferece é muito novo. A gente sabe que vai errar no caminho até
encontrar a melhor fórmula de fazer isso e vamos nos adaptar”, diz. Atualmente
a startup oferece três tipos de mapeamento genético:
1) O mapeamento completo do genoma, chamado T-Gen®,
custa 30 050 reais.
2) O mapeamento do Exoma, em que são analisados os
genes conhecidos, o que representaria 1% do material genético, chamado de
T-Exon®, sai por 9 900 reais.
3) O mapeamento de um painel dos 350 genes mais
comuns relacionados ao autismo (feito visando identificar se há mutação em
algum deles), chamado T-Panel®, sai por 8 950 reais.
Além dos testes, oferece também o serviço de
monitoramento e análise do que surge na literatura médica mundial a respeito do
autismo e das doenças neurogenéticas. “Sempre que um estudo novo sobre
determinada mutação é publicado, em qualquer lugar do mundo, nós olhamos e
verificamos se isso pode ser interessante para algum dos nossos pacientes”, diz
Alysson. É uma espécie de pós-venda permanente.
QUANDO A INFORMAÇÃO PRECISA VIR MUITO ANTES DA
VENDA
Alysson considera o maior desafio da Tismoo é
conscientizar familiares e médicos que tratam crianças com autismo de que a
análise genética e o aconselhamento são ferramentas que têm potencial para
ajudar no tratamento desses pacientes e, até mesmo, evitar que os pais tenham
outro filho com a doença.
Um mero sequenciamento de genoma produz 1 Tera (ou
1.000 Gigas) de informação: a Tismoo analisa e traduz isso para médico e
paciente.
“Há exemplos muito concretos, na literatura médica, de pessoas que tinham um tipo de autismo desconhecido e, depois de fazer o sequenciamento, descobriram o gene causador do problema. É importante saber, pois pode ser que já exista uma medicação que neutralize bem aquela mutação específica”, diz ele.
Até o momento, a maior parte dos cerca de 50
mapeamentos já realizados pela Tismoo foram sequenciamentos completos do
genoma. A maioria dos clientes, até o momento, são famílias de classe AB que já
tentaram de tudo e continuam buscando tratamentos que melhorem a vida de
crianças com autismo.
O mapeamento completo é o serviço mais caro o que,
além de ajudar no faturamento, também permite à startup criar e abastecer um
banco de dados do material genético dos brasileiros (o que, lá atrás, Alysson
sugeriu fazer em parceria com o governo). Pode até parecer, mas a startup não é
só um laboratório de análise genética:
“A análise dos genes é apenas a porta de entrada
para o que a gente chama de medicina personalizada. Somos um laboratório de
medicina personalizada”
Alysson também conta que, além de fornecer uma
análise com foco no espectro autista, a Tismoo oferece um material altamente
detalhado e em linguagem acessível para médico e paciente. Isso porque o
sequenciamento genético gera quase um Terabyte (o equivalente a 1 000
Gigabytes) de informação e — ao contrário do resultado de um exame de análises
clínicas, por exemplo, que tem o resultado expresso em números e parâmetros bem
definidos — a análise genética precisa ser interpretada.
“A gente começa pelo mapeamento genético mas não
paramos por aí. A partir disso é que vamos fazer a recomendação de qual seria o
próximo passo. O tipo de resultado que a gente mostra não é só uma descrição. A
gente conta uma história, é mais mastigado, tanto o médico como o paciente vão
entender o laudo. E se não entenderem, a gente vai sentar e explicar tudo
detalhadamente, porque tudo parte dessa personalização”, afirma Alysson.
O FUTURO DA TISMOO E DO SEQUENCIAMENTO GENÉTICO
Tornar-se uma biotech generalista não está nos
planos da Tismoo. Segundo o cofundador, a startup quer continuar sendo
específica e focando no autismo e nas doenças neurogenéticas. A seu ver, a
tendência é que à medida que a tecnologia vá se popularizando, o custo dos
testes acabe caindo:
“Acredito que em dez anos o sequenciamento genético
vai estar muito mais presente na vida das pessoas.
Um dia, vai substituir o
teste do pezinho”
Ele prossegue: “Você terá seu genoma sequenciado ao
nascer e, ao longo da vida, diversos especialistas vão olhar para aquele
material e ajudá-lo a entender, por exemplo, o seu risco de desenvolver
doenças, aconselhando-o caso você possa passar alguma falha genética para seus
filhos etc. É uma área que vai explodir”.
Apesar de empreender no Brasil, e ao lado de
brasileiros, Alysson continua vivendo na Califórnia. De lá, dedica algumas
horas da semana para analisar, junto com o time da Tismoo (que tem 10
funcionários), o resultado dos testes. A cada dia, ele fica mais confortável
com a condição de cientista-empreendedor: “No fim, o que a gente quer é isso:
ver as descobertas científicas virando produtos que possam ajudar as pessoas a
viver melhor”. Que mais cientistas tomem este caminho.
Projeto: Tismoo
O que faz: Usa biotecnologia e medicina
personalizada para estudar e tratar autismo e doenças neurogenéticas
Sócio(s): Alysson Muotri, Graciela Pignatari,
Patrícia Beltrão Braga, Carlos Gadia, Roberto Herai, Gian Franco Rocchiccioli e
Marco Antonio Innocenti
Funcionários: 10
Sede: São Paulo
Início das atividades: abril de 2016
Investimento inicial: R$ 3 milhões
Faturamento: R$ 600.000 (primeiros seis meses de
operação)
Contato: alysson@tismoo.com.br
FONTE:
Cecilia Valenza - 8 de novembro de 2016
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