Perplexos, cerca de 2 milhões de pais de autistas
estão lutando com as únicas armas que conhecem: a paciência e o bom senso,
contra o decreto regulamentador da Lei 12.764/12, que instituiu a Política
Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista.
Através da regulamentação, o Conselho Nacional da Pessoa com Deficiência
(Conade) propõe novas diretrizes à legislação conseguida depois de décadas de
mobilização popular.
No artigo 3, item C, o decreto de regulamentação,
subliminarmente, estabelece que os autistas deverão ser tratados pelos Centros
de Atenção Psico Social (CAPS), criados para substituir os hospitais
psiquiátricos, incluindo tratamentos manicomiais, porém, sem a devida
capacitação profissional dos seus quadros.
Os pacientes autistas que necessitarem dos CAPS
serão encaminhados para atendimento nas instituições da iniciativa privada,
algumas delas integrantes do conselho do Conade.
O decreto apresentado pelo Conade deixa claro que o
atendimento das pessoas na condição do espectro autista (TEA) nos CAPS, criados
pelo Ministério da Saúde para pessoas com esquizofrenia, necessidades
decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, para tratamento contínuo,
revela total desconhecimento do autismo e das suas especificidades. Por serem
extremamente mal estruturados, os CAPS, na prática, estão longe do ideal para
atendimento, principalmente daqueles que necessitam de tratamento mais complexo
como é o caso do autismo, conforme foi defendido até pela Associação Paranaense
de Psiquiatria. O Conselho Federal de Medicina (CFM), por meio da Consulta CFM
8.589/10 também considerou antiéticas as condições de segurança do CAPS para a
assistência médica aos pacientes e ao próprio ato médico.
Autistas são pessoas com deficiências, para todos
os efeitos legais, de acordo com a nossa Constituição e a Carta da ONU da qual
o Brasil é signatário. Todos os dias, pais de autistas se engalfinham nas áreas
médicas, de educação e previdenciária, para conseguir atendimentos para os seus
filhos. Tais atendimentos, não raro, só são conseguidos após ação do Ministério
Público, enquanto o Ministério da Saúde ainda não faz uso dos recursos do
Programa Viver sem Limite e as Diretrizes de Atenção à Reabilitação da Pessoa
com Transtornos do Espectro Autista.
A exclusão ou alteração do artigo 3, item C da
regulamentação, que levaria os autistas a equívocos indesejados, além de manter
a fidelidade à Lei 12.764/12, terá a chancela de toda a comunidade autista do
Brasil.
A afirmação de que o decreto não pode ser alterado
é simplesmente política e por isso é preciso trazer a tona o Censo 2010 do IBGE
que mostra 45,6 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência, o que
representa 23,92% de brasileiros. Entre eles, cerca de 2 milhões de autistas
que hoje são visíveis em todo o país. Se for acrescido a esse porcentual seus
responsáveis e cuidadores, teremos um número considerável de votos em jogo. Só
queremos que nossos filhos não sofram mais do que o inevitável.
*Berenice Piana, idealizadora da Lei 12.764,
membro do Conselho da Pessoa com Deficiência no Município de Itaboraí-RJ e
presidente do Grupo de Mães Família Azul.
FONTE:http://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/conteudo.phtml?tl=1&id=1467788&tit=Autistas-dizem-nao-ao-CAPS
Foto: Ronaldo Cruz