sexta-feira, 16 de maio de 2014

Autismo: O que sabemos, o que nos falta saber



  A geneticista Wendy Chung compartilha o que sabemos sobre o transtorno conhecido como autismo. Ela afirma que o autismo possui causas múltiplas, talvez entrelaçadas. E pergunta: existe hoje uma epidemia de autismo?
 Diretora do setor de pesquisas clínicas da Simons Foundation Autism Research Initiative, a médica Wendy Chung é uma autoridade mundial em matéria dos aspectos genéticos do autismo.
 Vídeo da palestra sobre autismo proferida por Wendy Chung :
http://www.brasil247.com/pt/247/revista_oasis/139940/Autismo-O-que-sabemos-o-que-nos-falta-saber.htm
"Por quê?" "Por quê?" é a pergunta que os pais sempre me fazem. "Por que meu filho desenvolveu autismo?" Como pediatra, como geneticista, como pesquisadora, tento tratar essa questão.
Mas o autismo não é uma condição única. Na verdade é um espectro de distúrbios, um espectro que vai, por exemplo, de Justin, um menino de 13 anos que não fala, não consegue falar, e se comunica usando um iPad em que toca imagens para comunicar suas ideias e ansiedades, um menininho que, quando fica chateado, começa a se sacudir, e, por fim, quando muito incomodado, bate a cabeça chegando a se ferir seriamente, precisando levar pontos. Mas o mesmo diagnóstico de autismo também se aplica a Gabriel, outro menino de 13 anos que possui uma realidade bem diferente de desafios. Na verdade, ele é incrivelmente talentoso em matemática. Ele multiplica três números, por outros três números, de cabeça e com facilidade. Contudo, no que se refere a tentar manter uma conversa, ele tem muita dificuldade. Ele não faz contato visual. Ele tem dificuldades para puxar conversa, sente-se sem jeito e, quando fica nervoso, ele acaba se fechando. Mas esses dois meninos têm o mesmo diagnóstico de transtorno do espectro autista.
 Uma das coisas que nos preocupam é se realmente existe ou não uma epidemia de autismo. Hoje em dia, uma em cada 88 crianças é diagnosticada como autista, e a pergunta é: por que este gráfico está assim? Será que esse número tem aumentado drasticamente com o passar do tempo? Ou será que hoje passamos a chamar esses indivíduos de autistas, simplesmente lhes dando esse diagnóstico, embora essas pessoas já existissem antes, mas simplesmente não eram chamadas assim? Na verdade, no fim da década de 1980 e início da década de 1990, foi aprovada lei que proporcionou aos indivíduos com autismo recursos, acesso a material educativo que os ajudaria. Com essa maior conscientização, mais pais, mais pediatras e mais educadores aprenderam a reconhecer as características do autismo. Consequentemente, mais indivíduos receberam o diagnóstico e tiveram acesso aos recursos de que precisavam. Além disso, mudamos nossa definição com o passar do tempo. Na verdade, ampliamos a definição do autismo, a que se deve, em parte, o aumento da prevalência que vemos.
 A outra pergunta que todo mundo faz é: o que causou o autismo? E uma concepção errônea comum é a de que as vacinas causam autismo. Mas permitam-me deixar bem claro: as vacinas não causam autismo. (Aplausos) Na verdade, o trabalho de pesquisa original que sugeriu que essa era a causa foi completamente fraudulento. Foi, na verdade, retirado do jornal Lancet, em que foi publicado, e o autor, um médico, perdeu sua licença de exercício da profissão. (Aplausos) O Instituto de Medicina, o Centro para Controle de Doenças, investigou isso repetidas vezes e não há evidência palpável de que as vacinas causem autismo. Além disso, um dos ingredientes das vacinas, chamado timerosal, era considerado como sendo a causa do autismo. Na verdade, ele foi removido das vacinas em 1992, e é possível perceber que ele não tinha nada a ver com o que acontecia com a prevalência do autismo. Então, mais uma vez, não há evidência alguma de que esta seja a resposta. Então, a pergunta permanece: o que causa o autismo?
Na verdade, provavelmente não existe uma única resposta. Assim como o autismo é um espectro, há um espectro de etiologias, um espectro de causas. Com base em dados epidemiológicos, sabemos que uma das causas ou uma das associações, devo dizer, é a idade avançada do genitor, ou seja, a idade avançada do pai à época da concepção. Além disso, outro período crítico e de vulnerabilidade em termos de desenvolvimento é quando a mãe está grávida. Durante esse período, enquanto o cérebro do feto se desenvolve, sabemos que a exposição a alguns agentes pode, na verdade, aumentar o risco de autismo. Em particular, existe um medicamento, o ácido valproico, que mães com epilepsia às vezes tomam, e que sabemos que pode aumentar o risco de autismo. Além disso, pode haver alguns agentes infecciosos que também podem causar autismo.
E uma das coisas em que vou passar muito tempo me concentrando são os genes que podem causar o autismo. Este é o meu foco não porque os genes sejam a única causa do autismo, mas é uma das causas do autismo que podemos prontamente definir e ser capazes de compreender melhor a biologia e como o cérebro funciona, para que possamos pensar em estratégias para podermos intervir. Um dos fatores genéticos que não compreendemos, entretanto, é a diferença que vemos entre homens e mulheres. Os homens são afetados pelo autismo a uma razão de 4 por 1, comparados às mulheres, e realmente não entendemos por quê.
Uma das formas de entendermos que a genética é um fator é analisando algo chamado de taxa de concordância. Em outras palavras, se um irmão é autista, qual a probabilidade de outro irmão nessa família ser autista? E podemos analisar, em particular, três tipos de irmãos: gêmeos univitelinos, gêmeos que compartilham 100% de sua informação genética e que compartilharam do mesmo ambiente intrauterino; gêmeos bivitelinos, gêmeos que compartilham 50% de sua informação genética; e irmãos comuns, irmão-irmã, irmã-irmã, que também compartilham 50% de sua informação genética, embora não compartilhem do mesmo ambiente intrauterino. E quando analisamos essas taxas de concordância, uma das coisas mais impressionantes que vemos é que, em gêmeos univitelinos, essa taxa de concordância é de 77%. Mas, notavelmente, não é de 100%. Não que os genes sejam responsáveis por todo o risco de autismo, mas são responsáveis por boa parte do risco, porque, quando analisamos os gêmeos bivitelinos, essa taxa de concordância é de apenas 31%. Por outro lado, há uma diferença entre os gêmeos bivitelinos e os irmãos comuns, o que sugere que há exposições em comum para os gêmeos bivitelinos que podem não ser compartilhadas de forma tão comum em irmãos comuns.
Então, isso nos fornece alguma informação de que o autismo é genético. Bem, genético até que ponto? Quando comparado a outras condições que conhecemos, coisas como o câncer, doenças do coração, diabetes, na verdade, a genética possui um papel bem maior no autismo do que em qualquer dessas outras condições. Mas com isso, não sabemos quais genes. Nem sabemos, em qualquer criança: é um gene apenas, ou potencialmente uma combinação de genes?
Então, na verdade, em alguns indivíduos com autismo, é genético!
Ou seja, é um único gene, poderoso e determinístico, que causa o autismo.
Contudo, em outros indivíduos, é genético, ou seja, é, na verdade, uma combinação de genes, em parte com o processo de desenvolvimento, que, por fim, determina o risco de autismo. Não sabemos em nenhuma pessoa, necessariamente, qual dessas duas respostas é a correta, até começarmos a nos aprofundar.
Então, a pergunta se torna: como podemos começar a identificar exatamente quais são esses genes? Deixem-me colocar algo que talvez não seja intuitivo.
Certos indivíduos podem ter autismo por uma razão genética, mas, mesmo assim, não porque o autismo ocorra na família. Isso porque alguns indivíduos podem ter mudanças ou mutações genéticas que não são transmitidas pela mãe nem pelo pai, mas, na verdade, são mutações novas nesses indivíduos, mutações que estão presentes no óvulo ou no esperma no momento da concepção, mas que não foram passadas de geração a geração na família. E podemos usar essa estratégia para hoje entender e identificar esses genes que causam o autismo nesses indivíduos.
 Então, na verdade, na Fundação Simons, pegamos 2.600 indivíduos que não tinham histórico algum de autismo na família, e pegamos a criança, a mãe e o pai e tentamos entender quais eram os genes que causavam o autismo nesses casos. Para isso, tivemos que, de forma abrangente, ser capazes de analisar toda essa informação genética e determinar quais eram as diferenças entre a mãe, o pai e a criança. Fazendo isso, peço desculpas, vou usar uma analogia fora de moda, de enciclopédias em vez de Wikipedia, mas vou fazer isso para tentar ajudar a explicar que, quando fizemos esse inventário, precisávamos analisar quantidades enormes de informação.
Nossa informação genética é organizada em uma serie de 46 volumes, e, quando fizemos isso, tivemos de dar conta de cada um desses 46 volumes, porque, em alguns casos de autismo, na verdade, falta um volume inteiro. Mas tínhamos que ser mais minuciosos que isso. Para isso, tínhamos que começar a abrir esses livros e, em alguns casos, a mudança genética era mais sutil. Talvez fosse um único parágrafo faltando, ou, ainda mais sutil que isso, uma única letra, uma entre três bilhões de letras que estivesse modificada, alterada, e, mesmo assim, tivesse efeitos profundos em termos de como o cérebro funciona e afeta o comportamento. Fazendo isso com essas famílias, conseguimos dar conta de aproximadamente 25% dos indivíduos e determinar que havia um único e poderoso fator genético que causava o autismo nessas famílias. Por outro lado, há 75% que ainda não compreendemos.
Mas, fazermos isso foi realmente impressionante, porque percebemos que não havia apenas um gene para o autismo. Na verdade, as estimativas atuais são de que haja de 200 a 400 genes diferentes que podem causar o autismo. E isso explica, em parte, por que vemos um espectro tão amplo em termos de seus efeitos. Embora existam todos esses genes, existe um método na loucura. Não é simplesmente randômico 200, 400 genes diferentes, mas, na verdade, eles se encaixam. Eles se encaixam em um trajeto. Eles se encaixam em uma rede que está começando a ser compreendida hoje, em termos de como o cérebro funciona.
Estamos começando a ter uma abordagem ascendente, em que estamos identificando esses genes, essas proteínas, essas moléculas, entendendo como interagem entre si para fazer esse neurônio funcionar, entendendo como esses neurônios interagem para fazer os circuitos funcionarem, e entender como esses circuitos funcionam para controlar o comportamento e entender isso tanto em indivíduos com autismo quanto em indivíduos que possuem cognição normal. Mas o diagnóstico precoce é fundamental para nós. Ser capaz de fazer esse diagnóstico em alguém que é suscetível em um momento no tempo em que podemos transformar, impactar um cérebro que está crescendo e se desenvolvendo é crucial.
Por isso, pessoas como Ami Klin desenvolveram métodos para conseguir levar crianças, bebês, e poder usar biomarcadores, neste caso, o contato ocular e o rastreamento ocular, para identificar uma criança em risco. Essa criança em particular, vocês podem ver, fazendo um contato visual muito bom com essa mulher enquanto ela canta "A Dona Aranha", na verdade não vai desenvolver autismo. Sabemos que esse bebê vai estar livre disso. Por outro lado, esse outro bebê vai desenvolver autismo. Nesta criança em particular, pode-se ver que ela não faz bom contato visual. Em vez de os olhos terem foco e de terem uma conexão social, estão olhando para a boca, para o nariz, olhando para outra direção, mas novamente não se conectando socialmente, e sendo capaz de fazer isso em escala muito grande, examinar os bebês, examinar as crianças para ver se têm autismo, através de algo bem robusto, bem confiável, será bem útil em termos de conseguirmos intervir em um estágio precoce, em que podemos causar o maior impacto.
Como vamos intervir? Provavelmente será uma combinação de fatores. Em parte, em alguns indivíduos, vamos tentar usar medicamentos. Então, na verdade, identificar os genes do autismo é importante para nós para identificarmos os alvos dos medicamentos, para identificarmos coisas que possamos impactar e termos certeza de que é realmente aquilo que precisamos fazer no autismo. Mas essa não será a única resposta. Além de apenas medicamentos, vamos usar estratégias educacionais.
Alguns indivíduos com autismo têm uma programação cerebral um pouquinho diferente. Eles aprendem de forma diferente. Eles absorvem o que está ao redor de forma diferente, e precisamos conseguir educá-los de forma mais eficiente para eles. Além disso, há muitos indivíduos nesta sala que têm grandes ideias em termos de novas tecnologias que possamos usar, tudo, desde dispositivos que podemos usar para treinar o cérebro para torná-lo mais eficiente e conseguir compensar as áreas em que ele tenha algum probleminha, até coisas como o Google Glass.
Vocês podem imaginar, por exemplo, que o Gabriel, com sua estranheza social, possa usar um Google Glass com um fone de ouvido em sua orelha, possibilitando que um treinador o ajude a pensar em conversas, em como puxar conversas, sendo capaz até de, um dia, convidar uma moça para um encontro.
Todas essas novas tecnologias oferecem oportunidades tremendas para que consigamos impactar os indivíduos com autismo, mas ainda temos um longo caminho pela frente. Mesmo sabendo tanto, há muito mais que ainda não sabemos, e, por isso, convido todos vocês a nos ajudarem a pensar em como fazer isso de forma melhor, em como usar, enquanto comunidade, nossa sabedoria coletiva para conseguirmos fazer a diferença, e, em particular, para os indivíduos e famílias com autismo, eu convido vocês a se juntarem à Rede Interativa do Autismo, a serem parte da solução, porque realmente serão necessários muitos de nós para pensar no que é importante, no que vai fazer uma diferença significativa.
Ao pensarmos em algo que seja potencialmente uma solução, vai funcionar bem? É algo que realmente vai fazer a diferença em suas vidas, enquanto indivíduos, enquanto família com autismo? Vamos precisar de indivíduos de todas as idades, dos jovens aos idosos, e de todas as formas e tamanhos do transtorno do espectro autista, para garantir que causemos impacto. Então, convido todos vocês a se juntarem à missão e a ajudar a conseguir tornar as vidas de indivíduos com autismo muito melhor e muito mais rica.

FONTE:
Vídeo: TED – Ideas Worth Spreading
Tradução: Leonardo Silva. Revisão: Ruy Lopes Pereira
 Tradução integral da palestra de Wendy Chung proferida no TED:
http://www.brasil247.com/pt/247/revista_oasis/139940/Autismo-O-que-sabemos-o-que-nos-falta-saber.htm

quarta-feira, 14 de maio de 2014

Mulheres autistas são mal diagnosticadas



 
As mulheres com autismo são com frequência mal diagnosticadas e diagnosticadas tardiamente, o que faz com que não sejam apoiadas a tempo, revela uma investigação internacional que defende que o diagnóstico pode evitar sofrimentos futuros.
O projeto internacional dá pelo nome de `Autism in Pink`, foi financiado pela União Europeia e decorreu durante quatro anos, coordenado pela Sociedade Nacional de Autismo do Reino Unido e com a participação das organizações Edukacinai Projektai, da Lituânia, a Autismos Burgos, da Espanha, e a Federação Portuguesa de Autismo.
O principal objetivo deste projeto foi estudar as mulheres com autismo, as suas necessidades e competências, ajudando-as a ultrapassar as suas dificuldades.
No decorrer do projeto foi reconhecido "ser norma" que os diagnósticos são feitos de forma tardia nas mulheres, algo provavelmente explicado pelo facto de esta ser uma doença que afeta maioritariamente homens.
Segundo a investigadora Judy Gould, da Sociedade Nacional de Autismo do Reino Unido, o diagnóstico tardio é consequência da "natureza escondida" do autismo entre as mulheres, defendendo, por outro lado, que o diagnóstico é o ponto de partida para dar o apoio adequado e necessário a estas mulheres.
A mesma investigadora aponta que a prevalência do autismo é de 1 para cada 100 pessoas e que as investigações mais recentes dão um rácio masculino/feminino de 1,4 para 1 e 15,7 para 1, mas defendeu que "há um forte desvio de género em relação ao diagnóstico de rapazes".
Por outro lado, Judy Gould sustenta que um diagnóstico atempado "pode evitar as dificuldades que as mulheres e raparigas sofrem durante a sua vida", ao mesmo tempo que ajuda na avaliação das necessidades ao nível da educação, lazer, residência, relações sociais ou emprego.
A investigação mostrou que "o estereótipo masculino ensombrou o problema do diagnóstico" feminino e revelou também que enquanto os rapazes autistas são mais hiperativos e agressivos, as raparigas são mais passivas e recolhem informação mais das pessoas do que das coisas.
"Os sistemas correntes não dão exemplos dos tipos de dificuldades mostrados pelas raparigas e mulheres e não são bons para reconhecer os sintomas do autismo nas raparigas e mulheres", uma vez que "os métodos usados para diagnosticar estão desviados para a apresentação masculina da condição", revela a investigação.
O estudo internacional defende que as dificuldades centrais são semelhantes tanto em homens como em mulheres com autismo, apesar de a forma como o autismo afeta cada individuo ser altamente variável.
Especificamente em relação às características das mulheres com autismo, o `Autism in Pink` mostra que são mais competentes para "cumprir ações sociais por imitação atrasada", são mais conscientes e sentem necessidade de interagir socialmente.
Por outro lado, são socialmente mais imaturas e passivas do que os colegas sem autismo, na escola primária são mais "protegidas" pelas colegas, mas são normalmente vítimas de `bullying` na escola secundária.
Segundo esta investigação, as raparigas "têm capacidades linguísticas superiores à dos rapazes", mas têm pouco conhecimento da hierarquia social e de como comunicar com pessoas de diferente estatuto.
Mostra também que elas "têm melhor imaginação" e "mais capacidade de jogo simbólico", mas às vezes têm dificuldade em separar a realidade da ficção.
Estes e outros resultados serão apresentados sexta-feira, na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, no decorrer da apresentação do projeto `Autism in Pink`.
FONTE:

Foto: Google.

domingo, 11 de maio de 2014

Mães usam a internet para lutar pela vida dos filhos



Rede é poderosa aliada na troca de informações e experiências sobre doenças
Rio - ‘No início meu mundo caiu. O buraco não tinha fim. Depois, decidi ajudar meu filho a superar as dificuldades e a evoluir. Hoje, ele é feliz. Eu sou feliz”. O depoimento é da fisioterapeuta Tarita Inoue Garcia, 34 anos, mãe de Lucas, de 4, diagnosticado como autista. Como ela, centenas de outras mães, cujos filhos têm doenças raras, bombardearam a depressão com uma poderosa arma: a internet, que possibilitou a troca de informações e de experiências e estimulou o debate na construção de políticas públicas.
Sobretudo, gerou uma rede de apoio mútuo, onde dores e alegrias podem ser divididas entre pessoas na mesma situação de vida. Seja YouTube, Facebook, Instagram, Twitter, site, blog, WhatsApp ou e-mail, as novas mídias permitiram a difusão de informações sobre sintomas, tratamentos e especialistas em transtornos como o autismo, Asperger, down, déficit de atenção, hiperatividade e alergias específicas, entre outros, dos quais pouco ou nada se ouvia falar até então.
Isabel Fillardis com dois de seus três filhos.
Jamal, que não aparece nesta foto, é portador de Síndrome de West. 
Em 2006, a atriz fundou a ONG A Força do Bem
Foto:  Fernando Souza / Agência O Dia
  Além disso, as modernas plataformas, como tablet e smartphone, tornaram possível o acesso imediato — e em pontos remotos — ao universo dessas mídias. Campanhas bem-sucedidas, como a Põe no Rótulo, planejada para que as indústrias descriminem as substâncias contidas nos alimentos, ganharam corpo na internet e angariaram o apoio maciço do público em geral.
“O movimento começou a crescer. De repente, dezenas de artistas famosos estavam participando e virou uma grande campanha. Hoje, temos 824 mães no Facebook e nosso Instagram está com movimento de cinco mil pessoas”, acentua a advogada Cecília Cury, 34 anos, idealizadora da campanha e mãe de Rafael, de dois 2 anos e 6 meses, que tem intolerância a lactose e soja.
Um documentário sobre uma mãe que lutava desesperadamente com o governo para obter medicamento à base de maconha para a filha de 5 anos, lançado no YouTube em março, já obteve 126 mil visualizações. A personagem do filme ‘Ilegal’ é a paisagista Katiele Fischer, 33 anos, mãe de Anny, que desde os 3 anos tinha até 80 crises convulsivas por semana.
Tarita Inoue Garcia e Lucas contam com apoio do site 
‘Mães Amigas’ 
e do blog ‘Uma voz para o autismo’
Foto:  Divulgação
 Pela internet, Katiele descobriu um medicamento para controlar as convulsões: o Canabidiol, ou CBD, um dos 60 componentes ativos da Cannabis sativa. Passou a importá-lo ilegalmente para salvar a vida da filha. Em abril, após exibição do curta, a Justiça Federal em Brasília determinou que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) entregasse à Katiele o Canabidiol.
‘Um ajuda o outro dividindo as dores e as alegrias’
A fisioterapeuta Tarita Inoue Garcia percebeu que o filho Lucas estava com quase 2 anos e apresentava atrasos no desenvolvimento. “Uma psicóloga foi a primeira que disse que meu filho tinha comportamentos autistas. O meu mundo caiu”, recorda a fisioterapeuta.
Foi na internet que ela descobriu um especialista em autismo. A doença foi confirmada recentemente.
Como seria natural, logo no início de todo o processo Tarita caiu em depressão. “Recebi muita força do ‘Mães Amigas’ (site) e ‘Uma voz para o autismo’ (blog). Foi fundamental para eu ficar de pé no início. Hoje, mantenho um grupo no Yahoo com 100 pessoas que trocam informações e experiências, além de apoio emocional. Um ajuda o outro nos dias difíceis, que não são poucos, dividindo dores e alegrias”, afirma.
Mulher ‘adotou’ grupo com Asperger, que deu virada
O filho caçula de Rosana Leh, 47 anos, tem 17 anos e foi diagnosticado tardiamente aos 9 com asperger — que a grosso modo é uma espécie de autismo em nível mais leve. “Sempre encarei a questão como uma condição de vida, e não como um problema. Einstein tinha asperger. Thomas Edson tinha asperger. Na minha opinião, é um transtorno neurológico, não uma doença”, define.
Em busca de informações, a mãe descobriu uma comunidade no Orkut que conversava sobre asperger, frequentada por familiares e também por quem sofria do transtorno. Eram jovens que enfrentavam depressão, dizendo que os pais não aceitavam a aquela realidade na vida deles.

Rosana : ‘Sempre encarei a Asperger como uma condição de vida’
Foto:  Divulgação
“Acabei assumindo o papel de consoladora. Tomei como missão divulgar informações sobre o asperger e dar apoio emocional a pais e pessoas que têm o transtorno neurológico. Principalmente para quem acaba de receber o diagnóstico”, ressalta Rosane Leh.  Segundo ela, a troca de informações ajuda mães a terem o diagnóstico precocemente. “Eu poderia ter iniciado o tratamento do Mateus muito antes, não fosse levar tanto tempo para descobrir a doença”, pondera Rosane.
Atriz vira exemplo e conselheira
A atriz Isabel Fillardis tornou-se exemplo para todo o país ao expor, da forma mais natural possível, que seu segundo filho, Jamal, agora com 10 anos, era portador da rara Síndrome de West. Em 2006, fundou a ONG A Força do Bem, com o objetivo de ajudar na inclusão de portadores de necessidades especiais.
Utilizando a internet como ferramenta principal de acesso, Isabel elaborou um site, por meio do qual realiza o primeiro censo de mapeamento das pessoas com deficiência no Brasil, visando auxiliar quem não está recebendo cuidados. Uma iniciativa pioneira que, na verdade, deveria ser uma política pública.
“O lançamento do cadastro nacional visava a informação, porque havia muita dificuldade de se conseguir dados sobre as doenças e acesso a hospitais. Paralelamente, tínhamos como objetivo dar conforto para quem estava começando a vivenciar o problema”, explica.
Segundo a atriz, sem a internet e as novas mídias, esse trabalho seria quase impossível. Por meio do site da Força do Bem, Isabel passou a ser uma espécie de conselheira virtual. “Ajudamos no encaminhamento para diagnóstico e tratamento em hospital, mas o conforto psicológico é essencial, principalmente para os pais. Procuro mostrar ao casal que um filho com necessidade especial precisa de apoio para ter qualidade de vida”, ensina a atriz, que é mãe de mais duas crianças: Analuz, de 13 anos, e o bebê Kalel, de apenas 4 meses.
‘Um dia especial’ brilha em festival internacional
No fim do ano passado, o cineasta Yuri Amorim, 26 anos, lançou o longa ‘Um dia especial’ no Festival Internacional Assim Vivemos, organizado no Brasil. A película retrata a rotina e os desafios enfrentados por dez mães de filhos com doenças neurológicas.
“Uma pesquisa internacional constatou grande incidência de depressão em mães com filhos com necessidades especiais. O Instituto Educarte decidiu montar uma oficina com um grupo de mulheres, criando estratégias para o enfrentamento da situação”, explica Yuri, que pretende futuramente exibir o filme na internet. Uma das mães retratadas no filme, Sônia Pajtak, 54 anos, funcionária de uma clínica especializada em doenças neurológicas, afirma que após lançamento várias mulheres entraram em contato para integrar o grupo.
Campanha Põe no Rótulo contra alergia
Idealizadora da campanha Põe no Rótulo, deflagrada com sucesso absoluto pela internet, a advogada Cecília Cury conta que o filho Rafael foi diagnosticado com intolerância a lactose e a soja quando tinha apenas 1 mês e meio de vida. Cecília passou a integrar um grupo no Facebook específico sobre pessoas com alergia a alimentos, que hoje conecta 824 mães.


Piquenique com alimentos para alérgicos é uma das atividades 
do grupo da campanha Põe no RótuloFoto:  Estefan Radovicz / Agência O Dia
"2012, fizemos uma hashtag de um grupo de crianças segurando um cartaz onde se lia Põe no Rótulo. O movimento cresceu e muitos artistas estavam participando. Virou uma grande campanha. A internet possibilitou isso”, ressalta. A publicitária agora está discutindo com a Anvisa a rotulagem dos alimentos.
“Todos têm o direito de saber exatamente o que estão comendo e a nossa campanha fez isso: extrapolou o âmbito de quem é alérgico e ganhou a população em geral. Queremos que todos os alimentos tenham a informação em local bem visível sobre substâncias que podem causar alergias”, defende. Como os alimentos para alérgicos são caros e vendidos em poucos lugares, Cecília já tem um novo projeto. “Pretendemos abrir uma campanha para que o governo dê benefícios fiscais a produtores, de forma a baratear o produto”, afirma.
Relações públicas vira uma especialista e faz palestras
Uma das mulheres mais bem informadas no Brasil, quando se trata de autismo, é a relações públicas Marie Dorion, 40 anos, fundadora do blog ‘Uma voz para o autismo’, organizado quando ela ainda morava nos Estados Unidos e que tem 250 visitações por dia. Seus dois filhos — Pedro, 10 anos, e Luís, de 9 — são autistas e o diagnóstico foi dado quando ela acabara de mudar para a América do Norte, em 2006. “A primeira coisa que fiz foi ir para a internet e procurar brasileiros que morassem nos Estados Unidos e tivessem filhos autistas”, conta.

Marie Dorion, com Pedro e Luís, criou blog ‘Uma voz para o autismo’
Foto:  Divulgação
Marie mergulhou de cabeça: fez vários cursos sobre o assunto, pesquisas e mais pesquisas. “Em 2009 criei o blog. Eu precisava dar um pouco do que recebi. E comecei a ajudar brasileiros no Brasil” conta. Em 2010, Marie retornou ao país. Segundo ela, paralelamente à troca de informações e de experiências com o dia a dia dos filhos, sobretudo e o apoio emocional, são fundamentais.
“Sem a internet e as novas mídias, nada disso seria possível. Hoje, mantenho o blog e participo de quatro grupos na internet: dois de mães em geral e dois do tema específico”, contabiliza Marie. Ela ainda percorre o Brasil fazendo palestras e cursos sobre o assunto.
 FONTE:
Hilka Telles
http://odia.ig.com.br/noticia/rio-de-janeiro/2014-05-11/maes-usam-a-internet-para-lutar-pela-vida-dos-filhos.html