segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

NEGATIVA DE MATRÍCULA SOBRE ESSA CONDUTA ILEGAL

É recorrente a conduta ilegal e atentatória praticada por escolas particulares do Brasil que têm recusado matrícula a estudantes com deficiência. Essas instituições têm dificuldades em reconhecer os benefícios da educação inclusiva e continuam presas a um conceito de deficiência ligado à ideia de incapacidade. Com isso, reforçam a discriminação, alegando inúmeros motivos sem fundamentos para não receber esses alunos. Muitas vezes, os estabelecimentos privados de ensino sequer conhecem o educando e suas potencialidades e imaginam, tão somente, as dificuldades que eles possam ter em função da deficiência.
         A escola não deveria ser o local de negação de um direito fundamental. Ao contrário, tem de ser a primeira instituição a dar o exemplo de inclusão, acolhimento e confiança nas possibilidades de desenvolvimento das pessoas com deficiência, por mais que os resquícios de um passado excludente e segregador ainda estejam presentes no pensamento dos sujeitos.
          Estabelecimentos particulares são prestadores de um serviço público por meio de autorização do Estado e estão vinculados ao regime jurídico-administrativo do país. O ensino é livre à iniciativa privada, mas esta deve cumprir as normas gerais da educação nacional – como  os atos normativos previstos na Constituição Federal, no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), dentre outras legislações, bem como as portarias de autoridades administrativas competentes (Ministério da Educação, Conselhos e Secretarias de Educação). Os deveres são comuns a todos – logo, a obrigação de matricular estudantes com deficiência não cabe somente às escolas públicas, mas também às particulares.
       Como justificativa para a conduta ilegal de negação de matrícula, as escolas privadas afirmam que são regidas também pela livre iniciativa, propriedade privada e livre concorrência. Esses princípios, porém, não devem se sobrepor às normas e regras do sistema educacional brasileiro. Por essa razão, não se admite que a rede particular não cumpra as obrigações previstas pela Política Nacional de Educação Inclusiva.
 Oferta de atendimento educacional especializado
O texto constitucional, em seu artigo 208, estabelece que o Estado deve conceder atendimento educacional especializado (AEE) a alunos com deficiência, preferencialmente, na rede regular. Mas ainda há muitos equívocos na compreensão desse serviço. Eugênia Augusta Gonzaga Fávero, procuradora da República e procuradora regional dos direitos do cidadão no estado de São Paulo, esclarece na obra Direitos das Pessoas com Deficiência: Garantia de Igualdade na Diversidade:
 “Atendimento educacional especializado é complemento à escolarização ou educação escolar, conforme definida no artigo 21 da LDB. Nos termos desse artigo, a educação escolar compõe-se de: I – educação básica, formada pela educação infantil, ensino fundamental e ensino médio; II – educação superior. A Educação Especial é modalidade de ensino, tratada na LDB em capítulo não compreendido entre aqueles que cuidam dos níveis de ensino. Como modalidade, o atendimento especializado perpassa todos os níveis de ensino, mas não se confunde com eles. Se esse atendimento especializado fosse exatamente o mesmo que escolarização, a Constituição não teria inserido a sua garantia, além do acesso aos ensinos infantil, fundamental e médio. Portanto, o atendimento educacional especializado é complemento e refere-se ao que é necessariamente diferente do ensino escolar, para melhor atender às especificidades dos alunos com deficiência, abrangendo, principalmente, instrumentos necessários à eliminação das barreiras que esses alunos têm para relacionar-se com o ambiente externo. Exemplo: ensino da Língua Brasileira de Sinais (Libras), do braille, do uso de recursos de informática, e outras ferramentas e linguagens.”
       Assim, se o educando necessitar de atendimento educacional especializado, a instituição de ensino deve procurar parcerias ou implementar políticas para atendê-lo. Porém, a falta do AEE, um serviço complementar à escolarização, jamais poderá impedí-lo de frequentar a sala de aula comum.
               Muitos estabelecimentos privados alegam que não há como obrigá-los a oferecer o AEE quando não possuem estrutura física adequada e profissionais habilitados. Nesse caso, fica evidenciado o desconhecimento quanto ao ordenamento jurídico brasileiro, já que a inclusão de pessoas com deficiência no sistema de ensino não se restringe ao âmbito da rede pública. As escolas particulares devem ter acessibilidade arquitetônica, disponibilizar atendimento educacional especializado e material pedagógico acessível, entre outros serviços e recursos. É fundamental destacar que, aliás, uma escola particular só pode ser autorizada a funcionar pelos Conselhos de Educação quando atende às normas de acessibilidade.
 Legislação inclusiva
      O Brasil é signatário de documentos internacionais, como a Convenção de Guatemala de 1999, ratificada e promulgada pelo decreto nº 3.956/2001, que proíbe qualquer diferenciação que implique na exclusão ou restrição de acesso aos direitos fundamentais, e a Convenção das Pessoas com Deficiência de 2006, que garante a esse público o direito de não ser excluído do sistema educacional regular.
      A legislação brasileira ainda tipificou como crime a recusa, procrastinação, cancelamento, suspensão ou cessação da inscrição de estudante em instituição de qualquer nível, etapa ou modalidade de ensino, público ou privado, por motivos derivados da deficiência que tem (art. 8º, Lei nº 7.853/89), sujeito a pena de um a quatro anos de reclusão e multa. Negar a matrícula e a participação de qualquer aluno com deficiência é ferir princípios arduamente conquistados e, sobretudo, destruir sonhos, negando dignidade à pessoa humana.
      A escola deve enfrentar os desafios das diferenças para se tornar um local de cooperação, de acolhimento e de desenvolvimento humano. Alguns educandos necessitam de serviços e recursos de acessibilidade que atendam a suas necessidades educacionais específicas. Essas singularidades, no entanto, não podem ser utilizadas como pretexto para se negar matrícula ou confinar pessoas com deficiência em instituições que as privem do convívio com os demais estudantes. Mesmo que existam locais com profissionais especializados, isso não impede nem substitui o direito à educação escolar comum.
    Os estabelecimentos de ensino da iniciativa privada que recusam a matrícula devem ser orientados a cumprir o que estabelece a legislação brasileira e as normas internacionais. Em caso de negativa, o Ministério Público e os Conselhos de Educação podem e devem ser órgãos articuladores que garantam o direito à educação nas instituições regulares aos alunos com deficiência. Além disso, os estabelecimentos particulares devem compreender os princípios e fundamentos da educação inclusiva, reconhecer a grandeza de uma escola aberta às diferenças e trabalhar em prol de uma educação que promova valores humanos em oposição a expressões de rejeição a todo aquele que se opõe ao padrão.

 Rosângela Machado é doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e gerente de 
Educação Especial da Secretaria Municipal de Educação de 
Florianópolis (SC).

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

SINCERICÍDIO


Outdoor em Curitiba - segunda-feira (30/11) Foto: Thais Kaniak/G1
O uso ilimitado das redes sociais a meu ver está sugerindo a substituição do relacionamento humano, pensei, depois que na madrugada do último dia do novembro molhado de Curitiba, recebi na minha fanpage a postagem de um outdoor pedindo o “fim de privilégios para deficientes”, assinado pelo “Movimento Pela Reforma de Direitos" – MRD.
Não me assustei, embora tenha arregalado os olhos para encontrar no texto a razão da piada, já que a sigla do movimento sugere mau cheiro e nada daquilo era risível.  Deve ser coisa de algum composto orgânico envelhecido, pensei. Um desses infelizes que gostam de boiar sobre tragédias.
A perplexidade, desrespeitosa e discriminatória do MRD, de tão categórica, machucou moralmente, um universo impossível de se medir de pessoas com deficiência, pais de autistas ou não, redes sociais da própria prefeitura de Curitiba, professor de publicidade amparado no Código de Ética do CONAR, entidades afins, autoridades, instituições e até políticos que surfaram na onda repudiaram. Para eles ainda é difícil crer que o eleitor já saiba saber votar.
O outdoor fez lembrar determinismos genéticos recentes dos seus autores que tem menos chances de ser felizes. Quem sabe a “criação especial” podia se encaixar como bullying coletivo, com embasamento tão convincente que todos concordariam com a pegadinha questionável do ponto de vista de autoridades que a autorizaram.
Curitiba ficou muito entristecida quando descobriu que alguns dos seus gênios da publicidade, além de especialistas em preconceitos infames, tiveram defesa em preciosos minutos de TV em rede nacional e farta mídia impressa para justificar o erro cometido pela pegadinha que o tal de MRD fez, pagos por nós curitibanos, que vistos discutidos e relatados seus efeitos não passaram de um tiro no pé.
Muitos curitibanos estão saindo de casa pela manha sem tomar café, e talvez não almoce porque seus ganhos se esvaem nas passagens de ônibus que um dia já foram bons. Caminha por uma rua e talvez não chegue à próxima esquina com as pernas inteiras pelo risco que corre enfrentando as calçadas ruins.
Muitos curitibanos começam a falar e possivelmente não consiga concluir o que pretende dizer por que não tem porta-voz.  Então, quando ouvimos que essa campanha vai continuar... É para levar a sério?
Pais de pessoas com deficiência, autistas ou não, antes de qualquer ato eles refletem, não fazem escolhas intuitivas. Reavaliam decisões por mais simples que sejam para trocar de caminho, pois já descobriram no fundo da alma que ninguém é o mesmo para sempre.
Afirmo que a peça que pediu o “fim de privilégios para os deficientes” foi lamentável. A Prefeitura vem respondendo as críticas dizendo que quem criou a campanha foram os próprios integrantes do Conselho da Pessoa com Deficiência.
Por isso, muitos recalques da vida estão sendo levados para as redes. Mensagens subliminares, falar mal disso ou daquilo nas redes sociais é péssimo, mesmo parecendo legal. O que a Prefeitura conseguiu com essa campanha foi causar mal-estar e questionamento de direitos das pessoas que mais necessitam dela.
Às vezes cometemos o sincericídio que é aquilo que a gente revela, mas não deveria, a exemplo dessa campanha que mais destruiu, e que por definição inconfessável ao invés de agregar, os resultados são muito ruins politicamente, pois, se a intenção inicial era chocar para depois apoiar os direitos dos deficientes, forneceu mais munição para os adversários políticos.
Por aí se percebe também que Curitiba independentemente das intensas chuvas dos últimos tempos, deriva há muito tempo... Abdicou de ser exemplo para outras cidades.
Triste constatação de uma cidade que até pouco tempo já foi SORRISO.
Nilton Salvador
       rosandores@gmail.com              
http://autismovivenciasautisticas.blogspot.com.br