quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Escola particular na ASA Norte Expulsa aluna autista e é condenada a indenizar a família

A criança de 11 anos teve a matrícula cancelada, em maio de 2014, por causar “insegurança no ambiente escolar”. A família entrou na Justiça e venceu o processo por danos morais
  A pedagogia do amor é o slogan do Colégio Logosófico Gonzalez Pecotche, na 704 Norte. A proposta, porém, não é simples quando retirada do papel. Em 23 de maio de 2014, a escola cancelou a matrícula de um aluno de 11 anos, com Síndrome de Asperger, condição psicológica do espectro autista. Alegou “reiteradas condutas inadequadas por parte do autor” que geravam “insegurança no ambiente escolar”.
Depois da expulsão, no meio do ano letivo, os pais do aluno Amir Bliacheris iniciaram um processo contra a instituição de ensino, por danos morais. Na sexta-feira (4/12), o juíz Wagner Pessoa Vieira, da 5ª Vara Cível de Brasília, decidiu a favor do estudante e sua família. Condenou a escola, em primeira instância, a pagar R$ 20 mil em indenização. Ainda cabe recurso.
A família Bliacheris mudou-se de Porto Alegre para Brasília, em 2014, por causa do trabalho do pai de Amir, o servidor público Marcos Bliacheris. Eles já haviam morado na capital federal, anos antes, e conheciam o ensino do Colégio Logosófico. “O Amir já tinha estudado lá. A experiência tinha sido muito boa. Resolvemos matriculá-lo, só que dessa vez foi muito diferente”, relata mãe Brenda Bliacheris.
Amir, ao lado da mãe, com o pai e o irmão mais novo
Amir não havia recebido diagnóstico de autismo quando foi matriculado, mas já tinha depressão infantil e exigia atenção especial. Teve desavenças cotidianas com colegas, como uma briga em um jogo de futebol. Percebia-se que tinha sensibilidade ao barulho e não regia bem às brincadeiras entre crianças.
A escola incluiu no processo que o Amir assustava os colegas, pois era muito grande. Eu e meu marido também somos muito grandes. Ele era um dos mais novos da sala. Agora ele tem culpa por ser autista e grande?"
Brenda Bliacheris - mãe do Amir
Ele tem dificuldades de coordenação motora, mas professores exigiam que a letra dele fosse bonita. O garoto tentava. Apagava várias vezes a tarefa e refazia a escrita. Quando não conseguia o resultado esperado, perdia o controle. Depois, era chamado na direção.
Os pais contrataram uma equipe multidisciplinar para tratar o filho. Meses depois, terapeutas e psicólogos chegaram à conclusão de que Amir tinha Síndrome de Asperger. “Nosso filho foi rotulado como violento por conta de episódios isolados. Criaram um personagem intratável. Como se fosse uma ameaça a ser eliminada. Nunca lidaram com ele como um caso de inclusão. Nos oferecemos para pagar pelo acompanhamento de uma terapeuta, dentro da escola, mas a direção negou, disse que isso afetaria o ambiente escolar”, relata Brenda.
“Não havia nenhuma adaptação curricular para ele. A escola queria que ele se adaptasse, não buscou auxilio e nem aceitou o auxilio oferecido”, diz a mãe.
Além de expulsar a criança, o colégio enviou o nome dele para todos outras instituições privadas do DF. Ele não foi aceito em nenhuma outra rede de ensino"
Adriana Monteiro, advogada da família
Depois da expulsão, a família matriculou Amir em uma escola pública, na 102 Norte. Não houve problemas. Ele recebeu inclusive uma premiação como melhor aluno em história. “Os professores se esforçaram para recebê-lo da melhor maneira. Ele conseguiu se inserir e conquistou bom desempenho acadêmico. O que demostra que a negativa da escola anterior em aceitá-lo foi determinante”, afirma o pai, Marcos.
Hoje, aos 13 anos, ele vive em Porto Alegre. A família mudou-se de Brasília por não conseguir encontrar uma escola particular que aceitasse o filho. Ele frequenta o colégio em horário reduzido, devido ao trauma.
Foi um dano moral terrível para ele e para toda família. Amir ainda está sofrendo. A expulsão é uma marca que vamos carregar por muito tempo"
Brenda Bliacheris, mãe de Amir
No processo, a advogada Adriana Monteiro baseou-se no Estatuto da Criança e do Adolescente, que determina que toda criança tem direito à educação. Também usou trechos da legislação brasileira, de cartilhas do Ministério da Educação e citou casos semelhantes.
Na sentença, o magistrado entendeu que “ficou evidente que a instituição não promoveu as adequações necessárias à correta adaptação e inclusão do autor, nem mesmo lhe ofereceu a oportunidade, em conjunto com seus pais e psicólogos, de estabelecer uma orientação pedagógica destinada a satisfazer suas necessidades educacionais, enquanto pessoa com Síndrome de Asperger”. Constatou também que o desligamento abrupto da escola causou “lesão aos atributos de personalidade” da criança.
A família hoje vive em Porto Alegre, onde encontrou escola adequada
Os pais de Amir iniciaram o processo para servir de inspiração para outras famílias. “É muito difícil lidar com essa situação. Muitos pais culpam a criança pelo mau desempenho na escola, outros têm vergonha. É preciso lutar por direitos até o fim, não pode deixar para lá, por mais dolorido que seja. São esses passos de formiguinha que vão gerar uma mudança de mentalidade”, diz Brenda.
O Metrópoles procurou a direção da escola, mas recebeu a informação de que a equipe está de férias. Ninguém retornou as ligações. A reportagem também procurou o advogado da instituição no processo, que afirmou não poder se posicionar em nome do Colégio Logosófico Gonzalez Pecotche.
Memória
Não é a primeira vez que uma família brasiliense ganha o reconhecimento da Justiça contra uma escola. Em 2010, uma professora mordeu aluno de 5 anos, na bochecha, em um colégio particular do Lago Norte. Segundo ela, teria sido a forma encontrada para separar uma briga entre a vítima e outra criança. A mãe da criança mordida iniciou ação na Justiça e recebeu indenização de R$ 30 mil, em fevereiro de 2015. A professora foi demitida após o escândalo e, em decisão judicial anterior, teve de prestar serviço comunitário num asilo. Na época, a direção tentou responsabilizar a criança, mas a culpa da escola ficou óbvia.

                                                                                                                                                                                            

FONTE:  LEILANE MENEZES

http://www.metropoles.com/vida-e-estilo/comportamento/escola-           particular-na-asa-norte-expulsa-aluno-autista-e-e-condenada-a-indenizar-familia

   

segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

“Eu não espero o dia de voltar a andar para ser feliz”

"O dia 21 de agosto de 1994 mudou para sempre minha vida...
Com 26 anos, uma estrada sinuosa, um carro em alta velocidade e uma curva malfeita deram outro rumo para minha história. Depois de um fim de semana em Paraty, ao lado do meu namorado e de meu melhor amigo, acordei em um hospital com a informação de que uma fratura nas vértebras havia me tirado todos os movimentos do pescoço para baixo. Eu, que adorava esportes, corria maratonas e não tinha medo de me aventurar em absolutamente nada, tive de reaprender a tudo, inclusive a respirar. Quando consegui fazê-lo, sem a ajuda de aparelhos, a sensação de liberdade foi muito grande.
Quando se perde o que até então é naturalmente disponível, como a fala e a respiração, qualquer outra coisa parece ficar fácil. Passei meses em hospitais para me recuperar. Primeiro em São Paulo, depois nos Estados Unidos. Nessa época, minha família deixou tudo de lado para buscar o melhor tratamento possível para mim. Meu irmão foi fundamental na minha recuperação.
Ao contrário do que muita gente pode pensar, não tive crises de revolta com Deus. Apenas uma coisa era possível me magoar em toda essa reviravolta: o olhar triste de meu pai ao me ver na cadeira de rodas. Só nessas horas eu pensava que aquela curva podia ter sido diferente.
Perder movimentos te obriga a encarar a vida de outra forma. Fiquei mais paciente porque preciso do outro o tempo todo. Passei a ser acompanhada 24 horas e auxiliada em todas as atividades do meu dia a dia. Mesmo assim, nunca vi a paralisia como um obstáculo. Na verdade ela foi uma grande propulsora de meus melhores feitos.
Ao voltar da minha reabilitação nos EUA, me deparei com uma realidade dura que eu passei a assistir de muito perto. As pessoas com deficiência não tinham reabilitação, transporte, saúde... Calçada decente para sair de casa. Resolvi então fundar uma ONG, o Projeto Próximo Passo (PPP), em 1997 para apoiar atletas com deficiência e fomentar pesquisas para cura de paralisias. Com o PPP eu conseguiria ajudar pessoas e resgatar uma de minhas grandes paixões: o esporte.
Lembro-me, dentre grandes conquistas da ONG, que conseguimos trazer o Dr. Semion Rochkind de Tel-Aviv, para uma integração com médicos e pesquisadores do Hospital Israelita Albert Einstein, de São Paulo. O intercâmbio rendeu uma linha de pesquisa no laboratório de neurodegeneração da USP. Mais tarde, lutamos bravamente também pela liberação das pesquisas com células-tronco embrionárias, hoje um instrumento de estudo e para a cura de inúmeras doenças graves e degenerativas.
Nessa mesma época, minha mãe passou a insistir para que eu me candidatasse a um cargo público para ampliar meu trabalho e assim poder atingir mais pessoas - de forma concreta e direcionada. Foi assim que, sem apoio e conhecimento político, candidatei-me a vereadora e obtive votos que me garantiram a suplência.
Nesse ínterim, em 2005, fui convidada pelo então prefeito José Serra para comandar a primeira Secretaria da Pessoa com Deficiência do País. Não tínhamos orçamento na pasta, mas conseguimos impetrar um olhar para a diversidade em todas as outras secretarias da Prefeitura. Eu não tinha experiência alguma, mas tínhamos um time com muita vontade de transformar. Em apenas dois anos de atuação, conseguimos ampliar o número de ônibus adaptados na cidade, que de 300 passaram a ser 3 mil. Sem falar nos 400 quilômetros de calçadas reformadas; na criação do programa Inclusão Eficiente em parceria com a Secretaria Municipal de Trabalho, que até hoje continua empregando trabalhadores com deficiência, dentre outros projetos.
Dois anos depois, em 2007, fui eleita vereadora na Câmara Municipal de São Paulo. Durante meu mandato consegui aprovar quatro leis: a que cria a Central de Intérpretes de Libras e Guias-Intérpretes para Surdocegos, a que torna Lei o Programa Municipal de Reabilitação da Pessoa com Deficiência Física e Auditiva, o Plano Emergencial de Calçadas e o Programa Censo Inclusão.
Nesse mesmo ano, a ONG Projeto Próximo Passo expandiu e se transformou no Instituto Mara Gabrilli (IMG), com projetos robustos, inclusive buscando as pessoas com deficiência nas grandes periferias de São Paulo. Tempos depois, em 2010, com um pouquinho mais de experiência, mas a mesma vontade de transformar, me tornei a primeira deputada tetraplégica do Brasil, com a missão de legislar em nome dos mais de 45 milhões de brasileiros com deficiência.
Hoje, cumprindo já o meu segundo mandato na Câmara, olho para trás e vejo que a curva não podia ser diferente. Que tudo que minha equipe e eu já conquistamos é muito maior que qualquer temor gerado por uma paralisia. Eu dignifiquei a quebra do meu pescoço desde o dia que resolvi trabalhar todos os dias para melhorar a minha vida, das pessoas e das cidades.
Tudo isso sem deixar de nenhum dia acreditar que eu posso voltar a andar. E sem esperar isso acontecer para buscar movimentos e ser feliz."
Mara Gabrilli para o Diversidade na Rua (http://goo.gl/p0Uosb)

* Mara Cristina Gabrilli (nascida em São Paulo, 28 de setembro de 1967) é uma psicóloga, publicitária e política brasileira.


FONTE:
por Laura Marcon