"O dia 21 de agosto de 1994 mudou para sempre
minha vida...
Com 26 anos, uma estrada sinuosa, um carro em alta
velocidade e uma curva malfeita deram outro rumo para minha história. Depois de
um fim de semana em Paraty, ao lado do meu namorado e de meu melhor amigo,
acordei em um hospital com a informação de que uma fratura nas vértebras havia
me tirado todos os movimentos do pescoço para baixo. Eu, que adorava esportes,
corria maratonas e não tinha medo de me aventurar em absolutamente nada, tive
de reaprender a tudo, inclusive a respirar. Quando consegui fazê-lo, sem a
ajuda de aparelhos, a sensação de liberdade foi muito grande.
Quando se perde o que até então é naturalmente
disponível, como a fala e a respiração, qualquer outra coisa parece ficar
fácil. Passei meses em hospitais para me recuperar. Primeiro em São Paulo,
depois nos Estados Unidos. Nessa época, minha família deixou tudo de lado para
buscar o melhor tratamento possível para mim. Meu irmão foi fundamental na
minha recuperação.
Ao contrário do que muita gente pode pensar, não
tive crises de revolta com Deus. Apenas uma coisa era possível me magoar em
toda essa reviravolta: o olhar triste de meu pai ao me ver na cadeira de rodas.
Só nessas horas eu pensava que aquela curva podia ter sido diferente.
Perder movimentos te obriga a encarar a vida de
outra forma. Fiquei mais paciente porque preciso do outro o tempo todo. Passei
a ser acompanhada 24 horas e auxiliada em todas as atividades do meu dia a dia.
Mesmo assim, nunca vi a paralisia como um obstáculo. Na verdade ela foi uma
grande propulsora de meus melhores feitos.
Ao voltar da minha reabilitação nos EUA, me deparei
com uma realidade dura que eu passei a assistir de muito perto. As pessoas com
deficiência não tinham reabilitação, transporte, saúde... Calçada decente para
sair de casa. Resolvi então fundar uma ONG, o Projeto Próximo Passo (PPP), em
1997 para apoiar atletas com deficiência e fomentar pesquisas para cura de
paralisias. Com o PPP eu conseguiria ajudar pessoas e resgatar uma de minhas
grandes paixões: o esporte.
Lembro-me, dentre grandes conquistas da ONG, que
conseguimos trazer o Dr. Semion Rochkind de Tel-Aviv, para uma integração com
médicos e pesquisadores do Hospital Israelita Albert Einstein, de São Paulo. O
intercâmbio rendeu uma linha de pesquisa no laboratório de neurodegeneração da
USP. Mais tarde, lutamos bravamente também pela liberação das pesquisas com
células-tronco embrionárias, hoje um instrumento de estudo e para a cura de
inúmeras doenças graves e degenerativas.
Nessa mesma época, minha mãe passou a insistir para
que eu me candidatasse a um cargo público para ampliar meu trabalho e assim
poder atingir mais pessoas - de forma concreta e direcionada. Foi assim que,
sem apoio e conhecimento político, candidatei-me a vereadora e obtive votos que
me garantiram a suplência.
Nesse ínterim, em 2005, fui convidada pelo então
prefeito José Serra para comandar a primeira Secretaria da Pessoa com
Deficiência do País. Não tínhamos orçamento na pasta, mas conseguimos impetrar
um olhar para a diversidade em todas as outras secretarias da Prefeitura. Eu
não tinha experiência alguma, mas tínhamos um time com muita vontade de
transformar. Em apenas dois anos de atuação, conseguimos ampliar o número de
ônibus adaptados na cidade, que de 300 passaram a ser 3 mil. Sem falar nos 400
quilômetros de calçadas reformadas; na criação do programa Inclusão Eficiente
em parceria com a Secretaria Municipal de Trabalho, que até hoje continua
empregando trabalhadores com deficiência, dentre outros projetos.
Dois anos depois, em 2007, fui eleita vereadora na
Câmara Municipal de São Paulo. Durante meu mandato consegui aprovar quatro
leis: a que cria a Central de Intérpretes de Libras e Guias-Intérpretes para
Surdocegos, a que torna Lei o Programa Municipal de Reabilitação da Pessoa com
Deficiência Física e Auditiva, o Plano Emergencial de Calçadas e o Programa
Censo Inclusão.
Nesse mesmo ano, a ONG Projeto Próximo Passo
expandiu e se transformou no Instituto Mara Gabrilli (IMG), com projetos
robustos, inclusive buscando as pessoas com deficiência nas grandes periferias
de São Paulo. Tempos depois, em 2010, com um pouquinho mais de experiência, mas
a mesma vontade de transformar, me tornei a primeira deputada tetraplégica do
Brasil, com a missão de legislar em nome dos mais de 45 milhões de brasileiros
com deficiência.
Hoje, cumprindo já o meu segundo mandato na Câmara,
olho para trás e vejo que a curva não podia ser diferente. Que tudo que minha
equipe e eu já conquistamos é muito maior que qualquer temor gerado por uma
paralisia. Eu dignifiquei a quebra do meu pescoço desde o dia que resolvi
trabalhar todos os dias para melhorar a minha vida, das pessoas e das cidades.
Tudo isso sem deixar de nenhum dia acreditar que eu
posso voltar a andar. E sem esperar isso acontecer para buscar movimentos e ser
feliz."
Mara Gabrilli para o Diversidade na Rua
(http://goo.gl/p0Uosb)
* Mara Cristina Gabrilli (nascida em São Paulo, 28
de setembro de 1967) é uma psicóloga, publicitária e política brasileira.
FONTE:
por Laura Marcon
Um comentário:
Parabéns, dá orgulho ter na política pessoas como você! Peço que olhe com carinho a Lei Berenice Piana e a ideia fundamental de terem escolas para Autistas em todo Brasil, aproveitando os espaços nas escolas existentes para o objetivo da inclusão continuar sendo o objetivo principal.
Postar um comentário