segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

“Eu não espero o dia de voltar a andar para ser feliz”

"O dia 21 de agosto de 1994 mudou para sempre minha vida...
Com 26 anos, uma estrada sinuosa, um carro em alta velocidade e uma curva malfeita deram outro rumo para minha história. Depois de um fim de semana em Paraty, ao lado do meu namorado e de meu melhor amigo, acordei em um hospital com a informação de que uma fratura nas vértebras havia me tirado todos os movimentos do pescoço para baixo. Eu, que adorava esportes, corria maratonas e não tinha medo de me aventurar em absolutamente nada, tive de reaprender a tudo, inclusive a respirar. Quando consegui fazê-lo, sem a ajuda de aparelhos, a sensação de liberdade foi muito grande.
Quando se perde o que até então é naturalmente disponível, como a fala e a respiração, qualquer outra coisa parece ficar fácil. Passei meses em hospitais para me recuperar. Primeiro em São Paulo, depois nos Estados Unidos. Nessa época, minha família deixou tudo de lado para buscar o melhor tratamento possível para mim. Meu irmão foi fundamental na minha recuperação.
Ao contrário do que muita gente pode pensar, não tive crises de revolta com Deus. Apenas uma coisa era possível me magoar em toda essa reviravolta: o olhar triste de meu pai ao me ver na cadeira de rodas. Só nessas horas eu pensava que aquela curva podia ter sido diferente.
Perder movimentos te obriga a encarar a vida de outra forma. Fiquei mais paciente porque preciso do outro o tempo todo. Passei a ser acompanhada 24 horas e auxiliada em todas as atividades do meu dia a dia. Mesmo assim, nunca vi a paralisia como um obstáculo. Na verdade ela foi uma grande propulsora de meus melhores feitos.
Ao voltar da minha reabilitação nos EUA, me deparei com uma realidade dura que eu passei a assistir de muito perto. As pessoas com deficiência não tinham reabilitação, transporte, saúde... Calçada decente para sair de casa. Resolvi então fundar uma ONG, o Projeto Próximo Passo (PPP), em 1997 para apoiar atletas com deficiência e fomentar pesquisas para cura de paralisias. Com o PPP eu conseguiria ajudar pessoas e resgatar uma de minhas grandes paixões: o esporte.
Lembro-me, dentre grandes conquistas da ONG, que conseguimos trazer o Dr. Semion Rochkind de Tel-Aviv, para uma integração com médicos e pesquisadores do Hospital Israelita Albert Einstein, de São Paulo. O intercâmbio rendeu uma linha de pesquisa no laboratório de neurodegeneração da USP. Mais tarde, lutamos bravamente também pela liberação das pesquisas com células-tronco embrionárias, hoje um instrumento de estudo e para a cura de inúmeras doenças graves e degenerativas.
Nessa mesma época, minha mãe passou a insistir para que eu me candidatasse a um cargo público para ampliar meu trabalho e assim poder atingir mais pessoas - de forma concreta e direcionada. Foi assim que, sem apoio e conhecimento político, candidatei-me a vereadora e obtive votos que me garantiram a suplência.
Nesse ínterim, em 2005, fui convidada pelo então prefeito José Serra para comandar a primeira Secretaria da Pessoa com Deficiência do País. Não tínhamos orçamento na pasta, mas conseguimos impetrar um olhar para a diversidade em todas as outras secretarias da Prefeitura. Eu não tinha experiência alguma, mas tínhamos um time com muita vontade de transformar. Em apenas dois anos de atuação, conseguimos ampliar o número de ônibus adaptados na cidade, que de 300 passaram a ser 3 mil. Sem falar nos 400 quilômetros de calçadas reformadas; na criação do programa Inclusão Eficiente em parceria com a Secretaria Municipal de Trabalho, que até hoje continua empregando trabalhadores com deficiência, dentre outros projetos.
Dois anos depois, em 2007, fui eleita vereadora na Câmara Municipal de São Paulo. Durante meu mandato consegui aprovar quatro leis: a que cria a Central de Intérpretes de Libras e Guias-Intérpretes para Surdocegos, a que torna Lei o Programa Municipal de Reabilitação da Pessoa com Deficiência Física e Auditiva, o Plano Emergencial de Calçadas e o Programa Censo Inclusão.
Nesse mesmo ano, a ONG Projeto Próximo Passo expandiu e se transformou no Instituto Mara Gabrilli (IMG), com projetos robustos, inclusive buscando as pessoas com deficiência nas grandes periferias de São Paulo. Tempos depois, em 2010, com um pouquinho mais de experiência, mas a mesma vontade de transformar, me tornei a primeira deputada tetraplégica do Brasil, com a missão de legislar em nome dos mais de 45 milhões de brasileiros com deficiência.
Hoje, cumprindo já o meu segundo mandato na Câmara, olho para trás e vejo que a curva não podia ser diferente. Que tudo que minha equipe e eu já conquistamos é muito maior que qualquer temor gerado por uma paralisia. Eu dignifiquei a quebra do meu pescoço desde o dia que resolvi trabalhar todos os dias para melhorar a minha vida, das pessoas e das cidades.
Tudo isso sem deixar de nenhum dia acreditar que eu posso voltar a andar. E sem esperar isso acontecer para buscar movimentos e ser feliz."
Mara Gabrilli para o Diversidade na Rua (http://goo.gl/p0Uosb)

* Mara Cristina Gabrilli (nascida em São Paulo, 28 de setembro de 1967) é uma psicóloga, publicitária e política brasileira.


FONTE:
por Laura Marcon

Um comentário:

Selma disse...

Parabéns, dá orgulho ter na política pessoas como você! Peço que olhe com carinho a Lei Berenice Piana e a ideia fundamental de terem escolas para Autistas em todo Brasil, aproveitando os espaços nas escolas existentes para o objetivo da inclusão continuar sendo o objetivo principal.