quarta-feira, 16 de julho de 2014

Software aumenta precisão na triagem de crianças com autismo

Profissionais da área da Psicologia poderão contar em alguns anos com uma ferramenta de análise computacional para realizar a triagem de crianças com transtorno do espectro autista (TEA) com maior precisão. Um grupo de pesquisadores da University of Minnesota e da Duke University, nos Estados Unidos, em colaboração com colegas do Instituto de Computação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), desenvolveu um software para análise automatizada de vídeos de testes de triagem de autismo.
Alguns dos resultados das análises dos testes feitas pelo software foram descritos na edição de junho da revista Autism Research and Treatment.
“A ideia é que o software possa contribuir para aumentar a acurácia da triagem de crianças com autismo”, disse Thiago Vallin Spina, estudante de doutorado no Instituto de Computação da Unicamp e um dos autores do projeto, à Agência FAPESP.
“Nossa meta é ter uma versão do software que possa ser utilizada em escolas de educação infantil, por exemplo, para realizar a triagem de crianças com suspeita de autismo com maior precisão e encaminhá-las para a realização do diagnóstico por especialistas o mais cedo possível”, afirmou Spina, que faz doutorado com Bolsa da FAPESP e orientação do professor Alexandre Xavier Falcão.
De acordo com Spina, estudos recentes apontam que muitas crianças com TEA apresentam marcadores comportamentais indicativos de autismo logo no primeiro ano de vida, tais como a dificuldade de desviar o olhar de um determinado ponto para rastrear um estímulo visual.
A fim de tentar detectar mais precocemente esses distúrbios no desenvolvimento infantil – e iniciar uma intervenção clínica intensiva – são feitos comumente três tipos de testes comportamentais, baseados na Escala de Observação de Autismo para Lactentes (AOSI, na sigla em inglês), para avaliar a atenção visual da criança.
No primeiro teste, um brinquedo sonoro é chacoalhado ao lado esquerdo da criança e, em seguida, outro brinquedo é balançado ao lado direito, a fim de avaliar o tempo que ela leva para responder ao segundo estímulo por meio do desvio do olhar.
Já no segundo teste, um brinquedo é movido horizontalmente próximo ao rosto e no campo de visão da criança, para verificar se há algum atraso em rastrear o movimento do objeto.
E no terceiro teste, uma bola é rolada em direção à criança com intuito de verificar se a criança pega a bola e estabelece contato visual e interação social com o especialista.
O problema é que esses testes ocorrem em tempo real e durante sua realização o profissional precisa não apenas controlar o estímulo, como também contar o tempo que a criança leva para reagir, o que torna o diagnóstico impreciso, segundo Spina. “O tempo de atraso da criança para reagir aos estímulos considerado nestas medidas de atenção visual é de um a dois segundos”, disse.
“Por isso, o diagnóstico de TEA por meio desses testes depende em grande parte da experiência e acurácia do especialista em identificar com precisão o tempo de atraso na resposta da criança ao estímulo”, disse Spina.
Medições automáticas
Para tentar aumentar a precisão dos resultados, os pesquisadores desenvolveram algoritmos (sequências de comandos) de processamento de imagens e de visão computacional, que fazem medições automáticas da atenção visual de crianças durante os testes comportamentais de triagem de TEA a partir da gravação de vídeos das sessões de avaliação.
Para isso, utilizaram gravações de vídeos de testes comportamentais durante sessões de avaliação de TEA realizados por Amy Esler, professora de Pediatria na University of Minnesota, com um grupo de 12 crianças, com idade entre 5 e 18 meses, indicadas para realização dos testes. As gravações foram feitas durante o estágio de pesquisa de Spina na universidade norte-americana, no grupo do professor Guillermo Sapiro.
“Colocamos duas câmeras convencionais de alta resolução na sala onde foram realizadas as sessões de avaliação, sendo uma posicionada no centro da mesa da professora Esler e com foco direcionado para a lateral das crianças, e outra em um canto da sala, para obter uma visão geral do comportamento das crianças durante as sessões”, contou Spina.
O software foi capaz de rastrear a direção do rosto das crianças participantes dos testes comportamentais de atenção visual. Para fazer isso, o sistema computacional identificou, inicialmente, a direção dos olhos e do nariz das crianças no primeiro quadro (frame) do vídeo dos testes em relação ao objeto apresentado a elas.
Por meio de algoritmos de visão computacional, o software avaliou se a direção dos olhos e do nariz das crianças se repetia ou mudava nos quadros seguintes do vídeo.
Dessa forma, conseguiu estabelecer vetores de movimento dos olhos e do nariz da criança de um quadro para outro e, por meio de medidas geométricas, estimar em que direção ela estava olhando durante os testes em relação aos objetos – se em direção a eles ou não.
“Como sabia em que direção a criança estava olhando no primeiro quadro do vídeo e qual a posição do objeto, o software foi capaz de rastrear os movimentos dos olhos da criança e indicar se apresentavam ou não um correlação com a direção do brinquedo”, explicou Spina.
Os resultados das análises dos vídeos feitas pelo software foram comparados com a avaliação clínica feita por Esler com base na observação em tempo real dos testes e nos próprios vídeos – sem terem passado pelas análises do software – e com as de dois estudantes de graduação em Psicologia e uma psicóloga não especializada em autismo.
A comparação mostrou que o programa foi capaz de detectar sinais comportamentais indicativos de autismo tão bem quanto a especialista e melhor do que a psicóloga e os estudantes de Psicologia.
“O programa permite registrar os tempos de reação da criança a um estímulo visual com até décimos de segundo, uma vez que cada segundo de um vídeo tem 30 quadros”, explicou Spina.
Possíveis contribuições
O software representa uma primeira etapa de um projeto de longo prazo, desenvolvido por um grupo multidisciplinar de pesquisadores das áreas de Psicologia, visão computacional e aprendizado de máquina, que visa desenvolver ferramentas de baixo custo, automáticas e de análise quantitativa de dados, que podem ser úteis para identificar crianças com TEA mais precocemente.
Apesar de os sintomas do autismo surgirem muitas vezes cedo e o distúrbio comportamental poder ser diagnosticado nos primeiros anos de vida, a idade média de diagnóstico de TEA em países como os Estados Unidos é próxima aos 5 anos, apontam os autores do artigo.
“O software poderá contribuir para os profissionais da área de Psicologia e pesquisadores em TEA na identificação de marcadores de risco de autismo por meio de análises de grandes quantidades de vídeos do comportamento natural da criança em casa ou na escola ou das próprias sessões de avaliação clínica”, disse Spina.
“Além disso, abre portas para a melhoria dos protocolos de avaliação em curso e para descoberta de novas características de comportamento de crianças com TEA, aumentando a granularidade das análises e fornecendo dados em uma escala mais fina”, avaliou.
Em sua pesquisa de doutorado, Spina utiliza algoritmos para analisar a partir de vídeos um comportamento motor de posicionamento e movimento de braços identificado como um possível novo sinal característico de autismo.
Denominada assimetria dos braços, o comportamento foi identificado durante estudos realizados nos últimos anos com crianças com autismo com entre 18 meses e 24 meses de idade.
Os autores do estudo identificaram que, diferentemente do andar de crianças sem autismo – cujos braços tendem a ficar ao lado do corpo, em uma posição simétrica e com movimento de balanço – as crianças com autismo apresentam uma posicionamento assimétrico dos braços, com um estendido e outro flexionado na horizontal e para frente.
“Desenvolvemos um software para medir esse comportamento motor específico. A ideia é expandir sua aplicação para medir outros movimentos que também são bastante característicos de crianças com TEA, como o balanço do tronco para frente e para trás”, contou Spina.
Já o grupo de pesquisadores da Duke University desenvolve um aplicativo para tablet que pretende substituir a forma como os testes de atenção visual são feitos hoje. O objetivo é imitar os mesmos tipos de interações que os testes com brinquedos e bolas medem, mas sem a necessidade de utilizar os objetos.
“Eles estão discutindo quais tipos de comportamentos indicativos de autismo poderiam ser identificados por esse aplicativo para tablet”, contou Spina, que não participa diretamente do projeto. “Pretendemos dar continuidade à cooperação com o Sapiro na Duke University em projeto conjunto após o fim do meu doutorado.”
O artigo Computer vision tools for low-cost and noninvasive measurement of autism-related behaviors in infants (doi: 10.1155/2014/935686), de Spina e outros, pode ser lido na revista Autism Research and Treatment em www.hindawi.com/journals/aurt/2014/935686.
 FONTE

Agência FAPESP
http://www.planetauniversitario.com/index.php/ciencia-e-tecnologia-mainmenu-75/33099-software-aumenta-precisao-na-triagem-de-criancas-com-autismo

quinta-feira, 10 de julho de 2014

Modelo de diagnóstico precoce do autismo em Portugal a partir de setembro

Modelo Denver de Intervenção Precoce permite diagnosticar crianças dos 12 aos 48 meses e já é utilizado nos EUA há vários anos

A cooperativa Focus anunciou, esta quinta-feira, a introdução em Portugal do Modelo Denver de Intervenção Precoce, que há vários anos é utilizado nos Estados Unidos para diagnóstico das patologias do espectro do autismo em crianças dos 12 aos 48 meses.
A implementação nacional do referido programa era um dos objetivos da instituição de solidariedade social fundada em 2012 em Vale de Cambra e concretizar-se-á em setembro com três medidas: a realização de dois workshops para profissionais, a edição portuguesa do livro das autoras do modelo e a criação das primeiras equipas de prevenção precoce com essa metodologia, em Aveiro, Braga, Lisboa e Porto.
«Em 2012, a Revista Time elegeu este programa como um dos 10 principais progressos da Medicina», declarou à Lusa o presidente da Focus, Fernando Barbosa. «Vai ser apresentado pela primeira vez em Portugal e a sua característica distintiva é que abrange todas as áreas de desenvolvimento da criança, o que permite diagnosticar mais cedo eventuais formas de autismo, logo a partir dos 12 meses», acrescenta.
O primeiro Modelo Denver foi desenvolvido nos anos 80 por Sally Rogers, investigadora da Universidade da Califórnia, e Geraldine Dawson, sua colega na Universidade de Duke. É o upgrade desse programa que agora chega a Portugal, após estudos controlados terem demonstrado que a sua componente específica de intervenção precoce tem vantagens no desenvolvimento geral do indivíduo autista e repercussões substanciais na sua idade adulta.
«Em Portugal temos o problema de se detetar muito tarde as formas de autismo, porque os pediatras e mesmo as escolas têm alguma dificuldade no diagnóstico», admite Fernando Barbosa. «Mas os Estados Unidos estão 40 anos à nossa frente e [em 2013] fizeram um estudo que demonstrou que a despesa anual do Estado com indivíduos autistas foi de 137 mil milhões de dólares, 90% dos quais relativos a situações de desemprego e necessidades residenciais», revela esse responsável.
O que vários outros estudos demonstraram, garante o presidente da Focus, é que o que o Modelo Denver de Intervenção Precoce pode diminuir essa fatura: «Uma intervenção intensa na fase inicial do desenvolvimento da criança, quando a plasticidade do seu cérebro ainda é moldável, pode permitir a redução desses custos futuros em 2/3 e conduzir essas pessoas a uma participação ativa na sociedade».
As Perturbações do Espectro do Autismo provocam um conjunto de alterações no desenvolvimento humano que se manifestam sobretudo ao nível da interação social, da comunicação e da imaginação.
Segundo dados da Focus, essa é a perturbação de desenvolvimento que regista maior taxa de crescimento atualmente, sendo que nos Estados Unidos, por exemplo, uma em cada 68 crianças sofre dessa condição, enquanto na Coreia do Sul, por sua vez, a prevalência aumenta para um em cada 38 indivíduos.
Fernando Barbosa afirma que «em Portugal não existem estatísticas» sobre a matéria, mas, a avaliar pelos dados internacionais, indica que serão cerca de 65.000 os cidadãos com perturbações autistas.
«Mas muitas pessoas ainda não foram diagnosticadas nem receberam um tratamento adequado», avisa
FONTE:

http://www.tvi24.iol.pt/503/sociedade/autismo-focus-autismo-modelo-denver--saude-tvi24/1563713-4071.html

quinta-feira, 3 de julho de 2014

Congelando seu Mini-me

Engenharia de tecidos e órgãos é setor que tem crescido no mundo e está em desenvolvimento em diversas universidadesFaz quase dez anos da publicação original da maior descoberta dos últimos tempos na medicina, a fenomenal reprogramação celular, por Shinya Yamanaka. O marco cientifico fez história e levou Shinya ao prêmio Nobel de medicina em 2012.
A essa altura só não vê quem não quer. As famosas células-tronco de pluripotência induzida, ou células iPSC (do inglês) vieram pra ficar. Devido à facilidade da técnica, diversos bancos dessas células-tronco têm se proliferado exponencialmente, criados tanto pela iniciativa privada quanto por órgãos governamentais. O fenômeno é mundial e, apesar de ainda não ser um tipo de negócio com rendimentos projetados a curto prazo, o futuro é promissor. Compare com as viagens espaciais, o sonho astronômico vai deixar de estar restrito à alta sociedade e voos estarão no roteiro de férias da classe média. Investir em áreas de risco requer conhecimento do produto, espírito empreendedor, capital e (muita) paciência.
Com o custo da reprogramação celular diminuindo consideravelmente, diversos investidores americanos estão prontos a produzir uma versão embrionária de seus consumidores pra uso futuro. Células iPS podem ser manipuladas e induzidas a se especializar em qualquer célula ou tecido do corpo humano. Do ponto de vista da medicina regenerativa, é o bicho! Com elas, seria possível reconstituir qualquer tecido danificado do corpo humano. De fato, o primeiro ensaio clínico com células iPS está sendo realizado no Japão, para doença macular degenerativa. Pacientes receberão células da retina criadas em laboratório, derivadas das iPS reprogramadas da sua própria pele. Essa tecnologia combinada com a bioengenharia tem também contribuído para a organogenese, ou cultura de órgãos inteiros em laboratório. A prova de princípio já foi mostrada para diversos outros órgãos humanos. O futuro é personalizado.
Mas hoje em dia, o maior uso clínico dessas células ainda está restrito à triagem de drogas. Eu explico. Com essas células, é possível originar um infindável número de outras células com a mesma carga genética do indivíduo para teste de medicamentos. Encontrar o medicamento certo na dosagem correta leva tempo. Pergunte aos médicos e aos próprios pacientes que acabam servindo de cobaias a si mesmo. A mesma idéia já é aplicada no tratamento do câncer. Basta colocar uma biópsia do câncer numa placa de petri e testar qual droga reduz o seu crescimento, evitando-se testá-las diretamente no paciente. Funcionou com o Steve Jobs, vai funcionar pra você também. Agora imagina poder fazer isso com doenças mentais ou do coração, cujo acesso às células-alvo (no cérebro) não é tão simples assim e o tecido é precioso.
Pensando nisso, diversos bancos hoje estão oferecendo células iPS, derivadas das mais diversas doenças, para companhias farmacêuticas. Afinal, é muito mais barato do que financiar ensaios clínicos. Além disso, o material é humano, algo muito apreciado por esse setor depois de anos e alguns bilhões de dólares investidos em pesquisas com animais sem resultado algum. Esses biorepositórios já existem e devem ter cerca de 200 linhagens celulares para uma doença específica. Estima-se que esse número suba para 10-20 mil linhagens em cinco anos. Muitas dessas células virão de pesquisadores que já trabalham com essa tecnologia.
 Agências de fomento americanas passaram a exigir que células iPS derivadas com suporte público, sejam depositadas em algum banco celular. Mas isso não inibe investidores privados, interessados em grupos ou populações humanas com interesse comercial. Os maiores bancos de células-tronco iPS estão nos EUA (RUDCR, NYSCF, CIRM, Coriell e CDI), Japão e Europa (European Bank for Induced Pluripotent Stem Cells, UK). As doenças com maiores números de células estocadas são o mal de Parkinson, Huntington e Esclerose Lateral Amiotrófica.
Mas, e o Brasil? Será que valeria a pena entrar nessa no Brasil?
Depende de como for feito. Academicamente já não somos competitivos nessa área, pois demoramos muito a perceber essa mudança de paradigma (enquanto a reprogramação celular explodia no resto do mundo, ainda estávamos discutindo a liberação de células-tronco embrionárias humanas para pesquisa...). Porém, o material genético do brasileiro é misturado e heterogêneo, o que é atraente para definir ou estratificar mercados farmacológicos. Isso sim seria um bom investimento caso o número de células iPS fossem representativos. E o teste para doenças? Diluir um potencial investimento em pequenos esforços seria jogar dinheiro fora. Jamais conseguiríamos competir com bancos nos EUA, com milhares de amostras para uma determinada doença. Ao meu ver, a janela de oportunidade seria investir em apenas um tipo de doença e nos destacar por isso. Por exemplo, há dois anos foi proposta a criação de um banco de células iPS derivadas de 200 autistas brasileiros e 100 controles para o Ministério da Casa Civil e Ministério da Saúde. Até hoje não houve resposta, o que demonstra um desinteresse nesse tipo de doença ou falta de percepção estratégica nessa área.
Apesar do desânimo brasileiro, investidores e inovadores estrangeiros trabalham com uma margem de risco maior, pois o retorno financeiro e tecnológico seria transformador. No final, o mundo todo irá usufruir dessa tecnologia, obviamente com um custo maior do que os pioneiros na área.
FONTE:
* Foto: Matt Dunham/APhttp://g1.globo./cienciaesaude/blog/espiral/post/congelando-seu-mini-me.html