quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Quadros refletem carnaval de Olinda e do Recife sob visão de autista

Artista plástico Jackson Santana expõe trabalhos na Escolinha de Artes.

Obras em aquarela mostram universo do autista


Homem de Meia Noite, tradicional boneco gigante de Olinda,
é retratado por Jackson Santana
 (Foto: Divulgação)
Trabalhar o universo do autismo pela visão de quem tem a característica é a proposta da exposição individual do artista plástico Jackson Santana. Aos 39 anos, ele decidiu que queria trabalhar do seu jeito: via as irmãs saindo de casa para compromissos e viu na arte uma maneira de fazer seu próprio movimento. Acompanhado da produtora e arte-educadora Camila Sobreira, Jackson produziu 20 obras sobre a maneira como enxerga a cidade do Recife. A mostra gratuita tem abertura no sábado (9), na Escolinha de Artes do Recife, nas Graças, Zona Norte da capital.
Como conta Camila, que também é curadora da exposição, a ideia da mostra partiu das irmãs de Jackson, que gostavam de trazer à tona o lado artístico do irmão. “Ele pediu pra trabalhar, para sair de casa, estudar. Então a arte foi uma maneira dele se movimentar, foi daí que partimos nessa exposição”, relata. Depois de muitos encontros e conversas com a família desde novembro do ano passado, Jackson começou a rotina de produção das obras.
“Vimos que ele ama o Recife, o carnaval, o Galo da Madrugada. O foco dele está no desenho, não é tanto na pintura. A pintura foi algo que desenvolvemos juntos. Ele representa muito bem um lugar, uma pessoa, uma fotografia. Ele lança o olhar dele na representação, coloca no papel a representação do Marco Zero, de Olinda, do jeito que enxerga”, comenta Camila.
Apesar de desenhar desde pequeno, Jackson fez um acervo específico só para a exposição. Ele vai estar na abertura da mostra, que acontece a partir das 15h30. No local, tanto as obras quanto canecas e ímãs de geladeira com estampas feitas pelo artista serão vendidas. Todos os quadros são feitos em aquarela sobre o papel.
A educadora lembra da importância do estímulo às pessoas que têm autismo. “Através da arte a gente mexe com a autoestima da pessoa, modifica os hábitos. Antes ele não tinha uma rotina profissional, que é normal de um adulto. Agora ele tem uma, enquanto artista. Ele está aprendendo a usar o pronome possessivo, coisa que ele não fazia. Antes ele não conseguia dizer 'minhas coisas', mas agora ele fala 'minha exposição'", diz.
Jackson Santana completa 40 anos em outubro, mas desenha desde pequeno (
Foto: Divulgação)
Todos os quadros do artista plástico são feitos em aquarela sobre o papel
(Foto: Divulgação)
Serviço
Exposição individual de Jackson Santana
Do sábado (9) (com abertura às 15h30) até 9 de outubro
Escolinha de Artes do Recife - Rua do Cupim, nº 124, Graças
Entrada gratuita.

Fonte:  G1 PE

sábado, 2 de agosto de 2014

Seríamos todos autistas?

José Luiz de Araújo Júnior*  

Esta é a questão que me proponho investigar a algum tempo. É possível que não o sejamos no sentido estrito do conceito, porém certamente me parece que somos autistas sociais e políticos. Vejamos...

O Transtorno do Espectro Autista conta com diversas características idiossincráticas, dentre as quais se destaca uma quase completa incapacidade de interação social. E nós, seres humanos “normais”, dotados de incríveis faculdades verbais, gestuais e simbólicas, afastamo-nos cada vez mais do contato tête-à-tête com nossos iguais, buscando em vão preencher a solidão que naturalmente nos inunda através de contatos virtuais.
Gabamo-nos de nossa pretensa evolução tecnológica, e exibimos com orgulho a quantidade enorme de amigos que acumulamos em redes sociais, estes mesmos aglomerados de semblantes felizes que mimetizam através de selfies a montanha de emoções que somos capazes de vivenciar. Abdicamos de um cumprimento qualquer, um olá que seja — ou ao menos um aceno com a cabeça —, a um desconhecido com o qual cruzamos olhares na rua.
Em contrapartida, podemos consumir horas e mais horas em diálogos cibernéticos com “amigos” de todo o planeta. E assim nos sentimos felizes, seguros e... Solitários! A tela de um computador, de um aparelho celular ou de um tablet não nos oferece maiores riscos. Se não quisermos nos comunicar é simples: a internet caiu, o telefone ficou sem sinal ou o tablet descarregou a bateria. Já o olhar de um igual, o olhar especular, carrega-nos diretamente ao tempo de nossa infância. Reconhecemos imediatamente nosso reflexo no espelho, e ali enxergamos nossas deficiências, as quais nos fazem recordar que não somos perfeitos. É a partir desta constatação que buscamos isolamento. Tememos o olhar do outro e os julgamentos que possivelmente estarão por trás dele.
Uma outra — e não menos importante — característica que nos podemos atribuir, autistas que nos tornamos, é a estereotipia. Repetimos ações a todo momento. Isto nos dá segurança, ou seja, se já deu certo uma vez dará sempre. E se isto não mais ocorrer, fugimos novamente! E aqui me sinto à vontade para dar um salto mais distante... Observem nosso comportamento em relação à política. O que fazemos além de repetir equívocos? Erramos consecutivamente na escolha de nossos governantes, e temos ainda a audácia de culpá-los por seus previsíveis atos?! Precisamos, sim, de um processo terapêutico contínuo e coletivo, um processo no qual, tal qual é indicado aos autistas clássicos, haja estimulação por todos os lados: cultural, social e política.
Precisamos incentivar e fortalecer a educação de nossas crianças (Rubem Alves não cansou de dizê-lo), retomar com urgência a troca de olhares e palavras em nosso dia a dia, além de participar e reinventar nossa política, de baixo para cima. Precisamos de um melhor povo para cobrarmos melhores líderes. Não podemos oferecer a nossos políticos o que eles mais almejam: que sejamos autistas, que vivamos em nosso mundinho particular, avessos aos meandros sombrios do poder. Em minha experiência clínica com crianças e adolescentes autistas, percebo que prognósticos obscuros tendem a cair por terra quando buscamos enxergar além do que nos é ofertado em um primeiro momento. E é por isso que acredito firmemente que podemos reaprender a viver como nossos ancestrais viviam há milhares de anos: socialmente!

* José Luiz de Araújo Júnior é psicólogo.  
FONTE:
http://www.jb.com.br/sociedade-aberta/noticias/2014/08/02/seriamos-todos-autistas/
Foto: Google.