segunda-feira, 22 de julho de 2013

Autismo político provocará protestos mais violentos







O Brasil vive hoje um paradoxo: a população protestou contra a qualidade dos serviços públicos e cobrou ações eficazes contra a corrupção. Ao mesmo tempo, a classe política começou a articular para dar migalhas: plebiscito em vez de constituinte, R$ 0,20  em vez de qualidade de transporte público, importação de médicos em vez de aumentar a qualidade dos recursos investidos em saúde. Nada foi dado em sua totalidade. 
Hoje, estão paralisados os debates quanto à constituinte (não teve sequer discussão procedimental a respeito no parlamento), a reforma política (existe mera movimentação na mídia), a necessidade de mudanças na legislação penal (algo que atende a grande maioria da população, como a diminuição da menoridade penal), imposto sobre grandes fortunas, o aumento do investimento real em educação (já dividiram os recursos do pré-sal), redução do número de políticos em todas as casas legislativas (fingem que não escutam que existe uma PEC a esse respeito), desoneração tributária, a punição mais severa dos corruptos, o “Fora Renan”, a cobrança maior do Estado quanto ao conteúdo das emissoras de televisão (parte dos protestos se direcionou às emissoras de televisão, que teoricamente nem legalmente cumprem seu papel), a diminuição dos ministérios da presidenta Dilma Rousseff e da revisão de todos os contratos da Copa do Mundo e das Olimpíadas. 
A identificação do “autismo político” é um dos primeiros diagnósticos de tudo o que aconteceu no Brasil. Conforme o cientista político Itami Campos, a classe não percebeu que existiam circunstâncias de muita opressão e desespero nas camadas sociais e que algo (de verdade) deve ser feito. Políticos fingem que estão no mundo da lua.
Daí que deputados e executivos, nos últimos dez dias, apenas continuaram com a mesma forma de se fazer política, voltada para dentro, para seus próprios interesses.
A prova é que Renan Calheiros (PMDB-AL), presidente do Senado, já começou a declarar que nem tudo pode ser feito.  O corpo mole se repete na Câmara dos Deputados, que após reagir às manifestações começa a colocar marcha lenta nos projetos estruturantes do Brasil. Os parlamentares dividiram os recursos da PEC com a saúde. E tudo ficou por isso mesmo.
Moralidade
Não bastasse, existe a crise da moralidade. Goiânia foi palco de embates exemplificativos. Dias antes de estourar as manifestações no País, um vereador de Goiânia, Paulo Borges (PMDB), já citado em escândalos recentes (inclusive foi preso), teria respondido de forma deselegante um possível eleitor em seu Facebook.
A internauta Akyla Priscilla disse: “Q vergonha Vereador, vc não quis votar afavor de bater ponto. Na próxima eleição eu e minha família lembraremos de não votar em vc” (sic). De repente aparece a resposta: “Quem é vc para me cobrar sobre os meus atos. Guarde o seu voto e o da sua família, se é que vc tem esse poder e faça bom uso dele” (sic).
O vereador, atolado até o pescoço com problemas sérios e denúncias criminais, disse que foi um assessor que fez a reposta – o que seria um desvio ético, de qualquer forma, de seu gabinete.   Rede social é personalizada, tem conta pessoal, usuário específico.
É desse autismo político que os cientistas tratam com suas mais recentes reflexões, do desprezo com o que pensa o eleitor e o que deseja. “A tendência é aumentar a agressividade. O movimento mais forte já existe na internet. É gente pedindo cadeira elétrica para político, outros incitando colocar fogo no Congresso. Seria algo terrível para a democracia, mas será inevitável esse contato físico do eleitor com o político. Eles saíram das redes sociais, se materializaram e sabem onde moram os políticos, como ocorreu no Rio de Janeiro, com Sérgio Cabral (PMDB)”, diz Luis Gustavo de Almeida, cientista político e professor universitário.
No caso de Paulo Borges e seus companheiros, que rejeitaram o ponto eletrônico para vereador, assunto tratado nacionalmente pela imprensa, exigia-se uma resposta ética apenas – um mínimo ético, já que o máximo é ainda distante. Quanto a Câmara Municipal de Goiânia, a indignação do eleitor é clara: a casa corre para aprovar projetos de interesse de grandes grupos econômicos, mas quando precisa intervir para atender a população, finge que o assunto não é com ela ou simplesmente não vai à Câmara.  
Redes sociais
Antes de estourar a onda de protestos no Brasil, a Câmara Municipal de Goiânia foi um termômetro de todo o estresse popular, quando centenas deles foram ao plenário protestar contra a aprovação das mudanças no Plano Diretor – mudanças semelhantes deram origem a onda violenta de protestos na Turquia, que se iniciaram pouco antes dos protestos no Brasil.
“Até pouco tempo, as mídias tradicionais não conseguiam aproximar o eleitor do político. Mas com as redes sociais e outros formatos da internet, os indivíduos invisíveis, sem voz, ganham formas, tornam-se participantes e a palavra de um cidadão comum vale o mesmo dito por um político”, analisa Carlos Almeida de Soares, cientista da comunicação e autor de livros sobre mídias digitais. 
Respostas sem eficácia
A prova de que os políticos vivem um autismo é a resposta dada aos reclames da população.  A pauta inicial e momentânea do Movimento Passe Livre foi atendida exclusivamente para estudantes. Ou seja, a luta de todos tornou-se privilégio apenas de alguns. E algo momentâneo, pois uma hora tem que ocorrer aumento. No Brasil, o governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), foi o primeiro a anunciar assinatura permitindo o benefício do passe livre aos estudantes.  Em seguida, uma avalanche de gestores assinou embaixo.  Mas quem paga essa conta? Se o passe é livre, deveria ser para todos.
Outra reivindicação, mesmo que sem pleno domínio de conteúdo dos que a exigiam, foi atendida: a derrubada da Projeto de Emenda Constitucional (PEC) 37, que tratava da liberdade dos promotores de Justiça para investigar. A “Cura gay”, projeto de lei do deputado federal João Campos (PSDB), também foi tratorado sem sequer causar debates no Congresso.
Estas são as migalhas que foram dadas ao povo. As reformas profundas começaram a ser negadas. A primeira delas diz respeito à inserção do povo na tomada das decisões por meio de mecanismos como a democracia direta – em que o próprio eleitor decide aspectos importantes da sociedade.
A Constituição Federal não necessita de nenhuma emenda. Ela já estabelece que a população pode exercer o direito do plebiscito ou do referendo. O parágrafo único do primeiro artigo já dá o recado: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.  Diretamente significa o povo votar os projetos de lei.
É preciso recordar: a presidenta Dilma Rousseff veio a público oferecer a reforma política como tema de plebiscito. Mas logo a classe política criou um imbróglio pseudo-jurídico do que pode e não pode ser feito. Moral da história: a ideia de plebiscito (leia-se, de consulta direta ao povo) está de molho. A Constituinte, então, já era. E o motivo é simples: a reforma política, se feita de verdade, impediria inúmeros problemas e vícios de origem da corrupção brasileira, como a relação promíscua entre empresários e políticos.
A Medida Provisória 611, por exemplo, é um achincalhe aos manifestantes. Ela continua a existir e permite brechas de investimentos de milhares de reais em projetos da Fifa.  Cerca de R$ 33 milhões já foram investidos graças ao ato normativo assinado pela presidenta Dilma Rousseff e que não passou por debates deliberativos importantes.
Caso a Medida Provisória 611 fosse debatida em público, por meio da participação popular, dificilmente teria eficácia. Mas Dilma usa do expediente dela mesmo achar o que pode e não pode ser feito no Brasil para dar dinheiro aos magnatas do futebol. Sua gestão abusa das Medidas Provisórias, consideradas um estupro ao Poder Legislativo, principalmente para atender grandes grupos econômicos.
Políticos atendem empresários, bancos e outros políticos
Para atender os reclames populares a presidenta Dilma Roussef (e qualquer político) é uma gatinha. Mas leoa quando defende os interesses dos poderosos e ricos. No dia 15 de maio, no apagar das luzes, a Lei 12.810 sancionada pela presidenta Dilma trouxe uma ótima notícia para os bancos: quem entrar  com uma ação contra banco sobre financiamento ou empréstimo, é obrigado a continuar a pagar as prestações, até a decisão da sentença – mesmo que a instituição esteja errada. Ou seja: a lei pega mais da metade dos brasileiros e garante dinheiro jorrando nas contas dos magnatas, agiotas e factorys.
Depois, tem que enfrentar toda uma dificuldade para receber. A estratégia de Dilma e dos bancos é simples: enrolar ao máximo os processos judiciais (o que não precisa de muita ajuda) e assim tirar o dinheiro de quem fez o empréstimo. Cerca de 60% das ações contra bancos são vencidas pelos proponentes das ações. Existe até um filão na advocacia chamada “direito contra banco”.  Todavia, a medida de Dilma vai esfriar as ações contra os bancos.

A norma que emenda o Código de Processo Civil é apenas uma em um milhão de leis que são feitas exatamente para enganar o povão.  Elas são elaboradas sem que 99,9% da população saibam ou tenha em mente do que se trata. Se ficar sabendo, não protesta, queima tudo.
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