Sete anos se passaram e hoje, Nico, 21, que tem
traços de autismo, trabalha em uma biblioteca em Brasília e pensa em morar
sozinho.
ANÁLISE:
Viver sozinho implica preparo familiar e de toda a
sociedade
Ana Maria Elias Braga
Especial para Folha
A ideia de
tornar o deficiente intelectual mais independente é bem vinda e se constitui em
autêntico "sonho" da maioria das famílias que possuem um filho nessa
condição. Porém, tomar uma atitude nesse sentido esbarra em desafios diversos.
Na condição
de mãe de gêmeos autistas, considero que seja necessária profunda e detida
análise sobre o tema.
A
experiência na qual se baseiam as idealizadoras da campanha ocorreu na
Inglaterra e é preciso saber como adaptá-la, na prática, à realidade de nosso
país.
É preciso
indagar que nível de deficientes podem ser considerados aptos a uma vida mais
independente, com segurança, e quais são suas condições socioeconômicas.
Também é
necessário considerar como se dará a alocação dessas pessoas -vai haver
proximidade física com seu lar de origem? Morando sozinhos, qual a rotina para
eles estabelecida e qual o seu acompanhamento?
Morar
sozinho implica possuir várias atividades externas, especialmente as de
trabalho. Para que isso aconteça, é fundamental que eles sejam muito bem
preparados não apenas pela família como também por serviços de psicólogos,
terapeutas, além de profissionais de educação e de profissionalização.
Fosse tudo
isso uma realidade brasileira, a experiência poderia ser adotada de imediato, o
que, infelizmente, não é o caso.
Em nossa
realidade, o conceito de inclusão, em diversas esferas, ainda engatinha, tanto
nas instituições públicas quanto nas privadas.
As
habilidades adquiridas por esse grupo de pessoas são, na maioria das vezes,
transmitidas apenas dentro do núcleo familiar.
Assim, se o deficiente intelectual, desde a sua
infância, não possuiu efetivo estímulo de inclusão, sem ter sido ao menos
preparado para uma vida produtiva, será imenso o desafio. A experiência inglesa
é interessante, mas representa o topo da escada. Por aqui, ainda estamos
subimos o primeiro degrau.
Para muitas mães de jovens como Nicolas, é quase
impossível pensar em vida independente para os filhos com deficiência intelectual.
Não é o que acontece com a economista Flávia Poppe,
a biblioteconomista Ana Maranhão e a
administradora Monica Mota, que querem que os filhos tenham moradia própria e
independente.
Inspiradas em experiências no Reino Unido, criaram
o Instituto JNG (iniciais dos filhos João, Nicolas e Gabriella) com a meta de
discutir e desenvolver um projeto piloto de moradia independente para jovens
com deficiências intelectuais, como seus filhos.
"As famílias e a sociedade falam em inclusão
na escola, no trabalho, mas se esquecem da moradia. Talvez por não acreditarem
que seja possível. Mas é possível, basta acreditar e dar meios", afirma
Ana Maranhão, mãe de João, 19.
Autista, João é filho único. "Como vai ser
quando não estivermos mais aqui? Quem vai cuidar dele? É preciso construir
alternativas saudáveis para que eles vivam bem após a morte de seus
responsáveis."
Por falta de informações e de uma rede de
acolhimento, os pais tendem a superproteger os filhos com deficiência
intelectual, tratando-os como crianças mesmo já adultos.
"É erro. Confundem os limites entre proteger e
impedir que seus filhos se desenvolvam", diz Flávia, que preside o
Instituto JNG, que será inaugurado na terça-feira, no Rio.
Segundo a economista, é preciso criar um modelo de
moradia e de assistência que se adapte à realidade do país.
No Brasil existem 2.611.536 pessoas com deficiência
mental/intelectual, 1,5% da população, segundo o IBGE.
MORADIAS ASSISTIDAS
Flávia e as amigas fizeram uma série de visitas a
moradias assistidas no Reino Unido. "Lá, o morador deficiente passa por
avaliação em que as habilidades são valorizadas. E recebem suporte para lidar
com as deficiências."
Por exemplo, há moradores com mais dificuldade para
atividades como fazer compras. Outros não conseguem preparar um lanche
sozinhos. Então, recebem ajuda pontual.
Na Inglaterra, a maioria das moradias assistidas é
subsidiada pelo governo e funciona em edifícios de seis a oito apartamentos.
Apenas um cuidador coletivo fica 24 horas no local e é responsável por todos.
Para Ana Maranhão, esse modelo dá autonomia.
"Se você reúne numa mesma casa três ou quatro, com um cuidador, a
tendência é haver um nivelamento para baixo e não um estímulo às habilidades de
cada um."
Ela dá o exemplo de como o filho, que não faz a
barba sozinho, tenta progredir.
"Ele já tentou, mas se machuca. Agora, tenta
com o barbeador, mas os pelos são ralos. Se estivesse numa casa com mais três,
é possível que o cuidador fizesse a barba de todos"
Fonte:
CLÁUDIA COLLUCCI
DE SÃO PAULO
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