Sobre 'Mensalão Tucano', engavetado pelo
antecessor, Rodrigo Janot diz que
trabalhará para evitar prescrições de penas
Para Janot, Procuradoria Geral da República deve
dialogar mais com outros poderes
São Paulo – Em entrevista concedida aos repórteres
Felipe Recondo e Andreza Matais, para o jornal O Estado de S. Paulo, o novo
Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, deixou claro que está disposto a
imprimir ao Ministério Público Federal um ritmo menos partidarizado e mais
transparente do que seu antecessor no cargo, Roberto Gurgel. Ele critica o
“autismo” que tomou conta do órgão não gestão passado, devido ao que ele chama
de falta de diálogo com os demais poderes, e se recusou a classificar o chamado
mensalão como “maior escândalo de corrupção da História do Brasil” – como fazia
Gurgel. Para Janot, “toda corrupção é ruim”. O importante a destacar, segundo o
novo procurador, é que houve
investigação e julgamento, o que contrasta com a ideia de suposta impunidade.
Perguntado se vai acelerar o processo que tratada do chamado Mensalão Tucano,
que ocorreu em Minas Gerais nos governos Fernando Henrique Cardoso e Eduardo
Azeredo, ambos do PSDB, Janot respondeu: “Pau que dá em Chico dá em Francisco”.
Abaixo a íntegra da entrevista publicada:
O processo do mensalão está acabando. O senhor vai
acelerar o processo do mensalão mineiro?
Pau que dá em Chico dá em Francisco. O que posso
dizer é que, aqui na minha mão, todos os processos, de natureza penal ou não,
vão ter tratamento isonômico e profissional. Procuradores, membros do
Ministério Público e juízes não têm processo da vida deles. Quem tem processo
da vida é advogado. Para qualquer juiz e para o Ministério Público todo
processo é importante.
O crime de formação de quadrilha no mensalão
mineiro já prescreveu. O senhor vê novos riscos?
Uma das minhas formas de trabalho aqui é dar a
prioridade a qualquer processo com risco iminente de prescrição. Isso é buscar
efetividade da justiça.
O senhor já disse que não deve pedir prisão
imediata dos réus do mensalão. Mas vai agilizar os pareceres aos embargos
infringentes?
Eu tenho de esperar o acórdão. Vou me desincumbir
do que tenho de fazer o mais rápido possível. Mas não posso dizer se vou usar o
prazo todo ou não. Vai depender do acórdão. Eu vou inclusive usar o recesso.
Não vou tirar férias.
O senhor considera que o julgamento do mensalão foi
um marco contra a impunidade?
Não. Eu tenho muito receio de dizer que um processo
é um marco contra a impunidade, que é marco disso ou daquilo. Eu espero que isso
contribua, dentro de um contexto maior, para que todo o processo chegue ao
final com o resultado que a lei prevê. Será que esse é o grande marco? Não sei
se é o grande marco. Eu olho pra trás e vejo que este julgamento, há 20 anos,
não teria ocorrido, não existiria o processo. Essa tem que ser a grande
mudança.
Por que não haveria processo há 20 anos?
Havia uma resistência a se aplicar igualmente a lei
para todo mundo. Hoje a República é mais República.
O senhor comunga da ideia de que foi o maior escândalo
da história do País?
O que é maior? Receber um volume de dinheiro de uma
vez só ou fazer uma sangria de dinheiro da saúde, por exemplo. São igualmente
graves, mas eu não consigo quantificar isso. Não sei o que é pior. Não sei se
este é o maior caso de corrupção, não. Toda corrupção é ruim.
Talvez pelo envolvimento da cúpula de um governo.
E a (corrupção) difusa? Envolve também muita gente.
Dinheiro que sai na corrupção falta para o atendimento básico de saúde,
educação e segurança pública. Toda corrupção é ruim.
O senhor já disse que não defende a prisão agora
dos condenados do mensalão com novo julgamento. E os demais?
]Para esses, transitando e julgando a prisão é
decorrente. Para os demais (que terão um segundo julgamento), só depois da
publicação do acórdão.
O senhor defende a extinção do foro privilegiado ou
a mudança poderia gerar mais impunidade?
Quanto mais se sobe o foro, mais diminui a revisão
dos julgados. Se você diminui a revisão do julgado, maior é o risco de ter
erro. Essas questões têm que ser colocadas de maneira clara na mesa para
discutir esse assunto.
O senhor disse que tem disposição ao diálogo. Isso
tem a ver com pessoas que o senhor investigará?
Investigação não é diálogo. Falo de relação
institucional entre poderes.
Esse diálogo faltou nos últimos anos?
O Ministério Público se fechou. Virou uma
instituição autista. Diálogo não é composição. Se eu tiver de investigar, eu
vou investigar. Eu sou mineiro ferrinho de dentista.
Como o senhor pretende acelerar processos que estão
no Ministério Público?
Vou dar maior transparência às questões que
tramitam no gabinete do procurador-geral. A sociedade brasileira tem direito de
saber o que tem aqui dentro, como tramitam os processos e os prazos. Eu quero
abrir o gabinete. Minha segunda meta é acabar com os processos que ficam na
prateleira. O acervo é a massa do diabo. Não podemos ter medo de arquivar e de
judicializar.
O senhor é a favor de flexibilização das regras
para criação de novos partidos?
Não temos que flexibilizar. Temos que cumprir a
lei. A lei fixa os requisitos para a criação dos novos partidos. Nós temos que
ver se os requisitos foram cumpridos. Ponto.
O senhor enviará proposta ao Congresso para
diminuir benefícios salariais para os membros do Ministério Público, como
auxílio-moradia ou licença prêmio?
Eu discuto o estatuto (do Ministério Público) como
um todo. Para que eu possa enviar uma proposta cortando o que está previsto no
estatuto, tenho que negociá-lo como um todo. Duvido que qualquer colega meu não
deixe de trocar privilégio pela garantia de investigação.
Outros procuradores-gerais da República já saíram
com a pecha de engavetador e prevaricador. O sr. quer deixar qual marca?
Quero deixar uma marca: simplicidade. Só.
©SÉRGIO LIMA/FOLHAPRESS
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