|
O bioquímico Ricardo E. Dolmetsch lidera uma grande
mudança nas pesquisas sobre autismo, deixando de lado questões comportamentais
para enfocar a biologia e a bioquímica celular. Dolmetsch, 45, fez a maior
parte de suas pesquisas na Universidade Stanford, na Califórnia, mas tirou
licença para trabalhar no Instituto Novartis de Pesquisas Biomédicas, em
Cambridge, Massachusetts.
“As empresas farmacêuticas
possuem recursos financeiros e organizacionais que me permitem fazer coisas
que, como acadêmico, não estariam ao meu alcance”, explicou. “Quero realmente
encontrar um medicamento.”
Abaixo, uma versão condensada da entrevista feita
com Dolmetsch.
P. Você começou sua vida profissional estudando a
bioquímica do autismo?
R. Não. No pós-doutorado, fiz pesquisas básicas
sobre os canais iônicos nas membranas celulares. Então, por volta de 2006, meu
filho, que tinha quatro anos na época, recebeu o diagnóstico de autismo. Já
suspeitávamos disso. Ele fazia várias coisas que eram muito incomuns.
P. Em vista dos sinais, por que você esperou tanto
tempo para buscar um diagnóstico?
R. Pensava que meninos eram assim mesmo. Depois de
algum tempo, os professores dele disseram: “Vocês deveriam levá-lo a um
médico”.
Descobri que o autismo é uma série de doenças. Após
muitos meses confusos, finalmente ouvimos o diagnóstico “autismo”. Minha reação
imediata foi: “Vou fazer tudo para ajudá-lo”.
Descobrimos então que não havia muitas coisas
médicas que pudessem ser feitas. Há abordagens comportamentais que podem
melhorar as coisas, mas nenhuma delas é uma cura. A partir do momento em que
entendemos isso, comecei a mudar o rumo de meu laboratório para direcioná-lo a
estudos sobre autismo e doenças do desenvolvimento neural.
P. Então o destino escolheu o tema de suas
pesquisas?
R. Não acredito no “destino”. Houve motivação.
Comecei a ler e percebi que a grande mudança isolada que poderia fazer avançar
as pesquisas sobre autismo era a revolução genética. Porque, com ela, hoje
podemos identificar mutações genéticas associadas às doenças do desenvolvimento
neural.
Existem cerca de 800 mutações diferentes associadas
ao autismo. O que falta, na maioria dos casos, é uma compreensão do que fazem
essas mutações, para que então possamos alterar a biologia molecular das
células do sistema nervoso para fazer com que funcionem mais normalmente. Para
obter os melhores resultados, é preciso estudar tecidos humanos.
Isso me fez pensar no câncer, no qual houve uma
revolução no tratamento. No caso do câncer de mama —que, como o autismo, não é
uma só doença—, o tumor é molecularmente caracterizado para ajudar os
oncologistas a entender qual câncer você tem e que tipo de tratamento
funcionará contra ele. Poderíamos encontrar algo semelhante para as doenças do
desenvolvimento neural?
P. Não há como obter amostras de tecido cerebral
de crianças autistas vivas. Esse é um obstáculo?
R. Sim. Mas há como contornar o problema. Shinya
Yamanaka (que recebeu o Prêmio Nobel em 2012) reprogramou células
dermatológicas humanas para que se tornassem células-tronco e, assim, células
de vários outros tipos, incluindo as células do sistema nervoso. Graças a ele,
hoje podemos fazer neurônios que se parecem com os neurônios de um embrião
humano. Se pudéssemos pegar células da pele de uma criança autista e
convertê-las em neurônios, poderíamos entender o tipo de autismo que a criança
tem e que tratamentos químicos poderiam ajudá-la.
P. Você faz trabalho em campo com pacientes reais.
Por que?
R. É possível obter muitas informações conversando
com os pais de pacientes. Estou convencido de que a pesquisa é mais eficaz
quando partimos dos pacientes. Outra coisa é que o encontro com as famílias é
motivador. Há uma diferença enorme entre trabalhar sobre alguma espécie de
mutação e realmente encontrar uma pessoa afetada por essa mutação.
Fonte:
Por CLAUDIA DREIFUS
Ciência
07.04.2014
Nenhum comentário:
Postar um comentário