quinta-feira, 10 de abril de 2014

O universo do estudante autista




Colagem do autista Eros Daniel (8 anos)
 No último dia 2 de abril, foi comemorado o Dia Mundial de Conscientização do Autismo. A data, decretada desde 2008 pela Organização das Nações Unidas (ONU), foi comemorada pelo seu sexto ano seguido para pedir mais atenção ao Transtorno do Espectro Autista (TEA). Estima-se que, das cerca de um milhão de pessoas diagnosticadas com autismo no Brasil, apenas 100 mil recebem algum tipo de tratamento.
O Transtorno do Espectro Autista é caracterizado por problemas que afetam o interação social, a capacidade de comunicação e implicam em um padrão restrito de comportamento, afetando a fala, os movimentos do corpo, o interesse por amizades, a vida social e até as emoções. O autismo pode variar entre diferentes graus. Nos limites dessa variação, há desde casos graves, com sérios comprometimentos no cérebro, a quadros mais leves, como a Síndrome de Asperger.
"A síndrome de Asperger é um nível mais leve de autismo, onde as crianças não têm tanto comprometimento na fala, pelo contrário, elas se comunicam, conseguem se expressar. Há, às vezes, interesses restritos a objetos específicos, quase uma fixação. No autismo mais moderado, primeiro é preciso estabelecer o contato, pegar no rosto, chegar próximo, pedir para olhar nos olhos, colocar algo na mão. Há mais dificuldade de interação. O nível severo é mais complicado. Pode haver comprometimentos físicos e é mais difícil haver uma troca, uma interação", explica Priscila Maria Romero Barbosa, especialista em educação especial e coordenadora do projeto de inclusão no colégio Esil Educacional.
O diagnóstico de autismo baseia-se na história de vida do paciente, no comportamento observado em diversas situações e em testes educacionais e psicológicos. Os primeiros sinais podem ser vistos em crianças de oito a dez meses de idade, que tendem a ser mais passivas, mais difíceis de acalmar ou até mesmo não reagirem quando alguém chama seu nome. Por volta de um ano de idade, essas crianças chegam a apresentar prejuízos de orientação ao estímulo social. Esses sinais podem e  devem ser observados pelos pais, para facilitar o diagnóstico.
"Os pais podem fazer o diagnóstico a partir do momento que a criança nasce, começando a observar se há algo diferente, por exemplo: a criança não olhar nos olhos, apresentar dificuldades para mamar. Até se aquele aconchego no colo da mãe, que é comum aos recém-nascidos, estiver diferente, é bom procurar um neurologista porque pode ser um sintoma", alerta Priscila.
É importante que o diagnóstico seja feito antes dos três anos de idade para minimizar o isolamento, a dificuldade de comunicação, e o comportamento agitado, desatento e algumas vezes agressivo. Os sintomas normalmente permanecem com a pessoa durante toda sua vida. Por isso, a intervenção precoce pode fazer grande diferença no desenvolvimento da criança, se trabalhada com sabedoria e responsabilidade por especialistas.
"Trabalhamos muito com o concreto para desenvolver o conhecimento nas crianças autistas. Só a audição, só o diálogo não funciona. Usamos muito do visual e do manual para estabelecer interação. Pegar algum objeto e colocar na mão da criança facilita o aprendizado dela. Além disso, temos psicólogos, fonoaudiólogos, mediadores educacionais e psicomotricistas para ajudar no desenvolvimento dessas crianças", conta Priscila Romero.
Escolas têm papel decisivo no desenvolvimento do autista
Lucas Benigno tem 13 anos e é portador do transtorno do espectro autista. O menino estuda no colégio Esil Educacional. Para sua mãe, Viviane Benigno, a escola é a grande responsável pelo desenvolvimento de Lucas.
"O Lucas foi para o Esil com 8 anos. Ele se sente totalmente em casa. O Lucas chegou e no primeiro dia parecia que já conhecia a escola. Acho que eles, os autistas, têm esse sentido apurado para perceber quem gosta deles e quem os quer bem", conta Viviane, que desmistifica a questão dos autistas não gostarem de toques. "O Lucas gosta da turma, mas tem um carinho todo especial com uma amiga, que também é autista. Eles se abraçam e se gostam muito."
Segundo a mãe de Lucas, o diagnóstico do menino foi feito cedo e isso facilitou seu tratamento. "O Lucas é o que chamam de autismo secundário, foi diagnosticado aos quatro anos. Ele teve síndrome de west aos 6 meses. Ficou em crise por mais  dois meses, mas não teve nenhuma sequela neurológica, apenas algumas lacunas, com a questão da comunicação e a escrita, mas ele está desenvolvendo e melhorou muito nos últimos anos."
Lucas, hoje, está no 4° ano do ensino fundamental e, junto com o acompanhamento de uma mediadora em sala de aula, segue com seu tratamento, sempre estudando, para não atrasar o desenvolvimento. "O Lucas é muito tranquilo, muito calmo. Nunca teve irritabilidades muito grandes. Tem uma boa comunicação, fala bem. Tem contado histórias e relatado fatos, além de gostar muito de computador. Ele já está escrevendo e lendo. Em sala de aula é normal. O que acontece é que quando o limite dele está chegando ao fim, ele tem a opção de ir para o computador, fazer o que ele gosta", diz Viviane.
Evolução do aluno é maior quando profissionais são especializados
Cada fase do desenvolvimento da criança autista apresenta necessidades peculiares. Na pré-escola, a evolução da coordenação motora e a capacidade de adaptação ao grupo são fundamentais. Na alfabetização, dificuldades podem requerer intervenção de fonoaudiólogo e psicopedagogo. Com o início da adolescência, no entanto, novas dificuldades podem surgir e exigir outras prioridades para estimular o desenvolvimento.
A intervenção comportamental, a terapia ocupacional e a fonoaudiologia estão, normalmente, integradas ao programa educacional. Profissionais especializados são indispensáveis para esse conjunto de forças que garantirá um tratamento adequado à criança.
Viviane Soutelinho é professora de Educação Física e psicomotricista. Sua função é estudar, avaliar, prevenir e tratar o indivíduo na aquisição e no desenvolvimento de transtornos psicomotores. "A psicomotricidade vai trabalhar, basicamente, com a livre expressão; com a linguagem corporal. O que eu faço, normalmente, é um trabalho com jogos, através de brinquedos e as crianças é que vão criando. Eles trazem suas habilidades e perspectivas e eu entro com a dinâmica e o aprendizado."
De acordo com Viviane Soutelinho, a livre expressão é o carro-chefe para o aprendizado porque é a linguagem da criança. Para o autista conseguir transformar, criar e imaginar depende de um jogo lúdico. "Eu trabalho com as inteligências deles. Começo com o que eles gostam e depois vou inserindo os exercícios. Com isso consigo exercitar a linguística, o raciocínio lógico, a inteligência musical, interpessoal. Sentimentos também são trabalhados, como alegria, raiva e tudo o que eles sentem pelo outro. Tudo sempre se forma bem lúdica", descreve.
O mediador escolar, como é conhecido o profissional responsável por acompanhar e auxiliar na inclusão das crianças com necessidades educacionais especiais, além de proporcionar aos alunos atenção individualizada, trabalha com eles aspectos do comportamento, habilidades sociais, comunicação e linguagem. Beatriz Rocha, ao contrário de boa parte dos mediadores escolares, é contratada pela escola na qual trabalha, o Esil Educacional. A profissional conta que media para um aluno autista e para uma menina com síndrome de down. Para ela, a função é gratificante e sem muitas dificuldades.
"Minha aluna com síndrome de down, por exemplo, é muito geniosa, às vezes não participa junto ao grupo, mas, quando quer, fala e se expressa muito bem. Ela gosta muito de música e de histórias, então uso desses artifícios com ela. É sempre bom conhecer o aluno e saber o que ele gosta, para usar disso no aprendizado", conclui.
Solange Gomes, por sua vez, é mediadora particular, contratada pelos pais de seu aluno. O menino do qual Solange é cuidadora tem transtorno opositivo desafiador (TOD). No caso de Solange, o trabalho é manter o foco da criança. "O caso do meu aluno, que tem TOD, é que ele perde muito o foco, então tenho de estar sempre perto para trazer a atenção dele de volta a aula. Às vezes ele tem crises fortíssimas. Fora isso não tenho problemas. Ele é agitado e inquieto, mas muito inteligente."
Psicomotricidade e apoio pedagógico como estratégias
Independente dos níveis de autismo, o diagnóstico precoce do transtorno pode facilitar e ajudar no desenvolvimento da criança, desde que essas habilidades sejam identificadas e estimuladas de forma inteligente. Esse passo, muitas vezes, não depende apenas dos pais, mas, sobretudo, da escola e de sua qualidade pedagógica.
Visando a dar maior respaldo às crianças e jovens com necessidades educacionais especiais, o colégio Esil Educacional um projeto em parceria com o Instituto Pertencer, que busca fortalecer a inclusão a partir de um posicionamento pedagógico sócio-interacionista. "Nossa escola sempre se posicionou cientificamente como uma escola interacionista e socioconstrutivista. No momento em que nos posicionamos assim, nossa filosofia faz valer o seguinte: olhar cada aluno em suas peculiaridades e, a partir disso, adotar uma pedagogia diferenciada" salienta a diretora da colégio Esil Educacional Débora Dias Gomes.
A instituição existe há 33 anos, tem duas unidades - uma na Tijuca e outra na Penha - e conta com cerca de 250 alunos da educação infantil ao 9° ano do ensino fundamental. Cerca de 30% desse quadro são alunos de inclusão. Além de crianças com transtorno do espectro autista, o Esil Educacional tem alunos com síndrome de down, transtorno opositivo desafiador (TOD), transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), dentre outros distúrbios. A diretora da escola, no entanto, pontua que sua instituição é de todos e para todos.
"Nosso projeto de inclusão existe há 10 anos e sei que inclusão pressupõe diversidade em sala de aula, então temos todos os perfis de alunos na escola, dentre alunos de inclusão e neurotípicos. Não somos uma escola 100% de crianças especiais, mas nosso quadro de inclusão também não é pequeno. Somos uma escola que naturalizou-se como inclusiva por ter uma filosofia sócio-interacionista. Inclusão só é inclusão quando não exclui ninguém", ressalta a diretora.
Para atender a demanda por vagas, o Esil Educacional tenta adequar sua estrutura para receber todos os alunos. Entre funcionários, professores e corpo pedagógico, há, ainda, a preocupação em oferecer salas de recurso e um planejamento pedagógico adequado às necessidades dos estudantes com necessidades especiais. "Construímos um plano de ação praticamente personalizado para cada criança, com atividades complementares, como a psicomotricidade e o apoio pedagógico, por exemplo. Sabemos que os autistas têm suas características, suas peculiaridades, pois isso construímos contextos para nos aproximarmos deles", diz Débora Dias Gomes.
FONTE:

Juliana Britto 
Folha Dirigida
 http://www.folhadirigida.com.br/fd/Satellite/educacao/reportagens-especiais/O-universo-do-estudante-autista-2000071723419-1400002102372

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