A diretriz governamental de incluir o autismo no
sistema de ensino esbarra no
despreparo e desconhecimento
Para especialistas, o autismo requer atuação individualizada |
As recentes diretrizes para educação especial no
País têm ratificado o caminho da alfabetização do aluno autista na sala de aula
de ensino regular, desafio que multiplica a relação professor-aluno-portador de
transtorno no já fragmentado e deficiente sistema educacional do País. O
desafio não é somente de natureza pedagógica, mas tem raízes humanas e
psicossociais.
Para especialistas, educadores e profissionais que
lidam com o autismo e a alfabetização em Bauru, os diferentes níveis de autismo
podem permitir, com exceção para os casos severos, evolução nos processos de
aprendizagem. Contudo, o despreparo, a ausência de conscientização e
compreensão sobre o mundo particular do autista, aliado às carências das
escolas, põem em risco o futuro dos portadores do distúrbio sem cura.
A consequência da diretriz é a crescente redução da
participação de instituições especializadas no trato com pacientes do segmento,
como a Apae Bauru. Para especialistas da entidade, o autista apresenta déficits
e excessos comportamentais que exigem atuação individualizada, específica,
abordagens dificilmente alcançadas no cotidiano do ensino regular.
Incluir ou não a criança autista na escola regular
é uma decisão que merece muitos debates, aponta o estudo que se debruçou sobre
a integração do autista exatamente na chamada “escola comum”, de autoria das
pedagogas Marilene de Oliveira Milagre e Wagna da Silva Souza. O trabalho, de
2011, foi de conclusão do programa de graduação em pedagogia da Escola Superior
de Ensino Anísio Teixeira.
No estudo, elas definem: “o indivíduo autista, não
abraça, não pede colo, nem proteção quando se magoa, evita manter o contato
físico e visual e permanece indiferente das pessoas que o cercam”.
Porém, este mesmo cidadão com síndrome sem cura
pode dar respostas excepcionais para o desenvolvimento e o aprendizado. “O
autista não deve ser visto como alguém que não aprende, mas sim, como uma
pessoa que têm formas diferentes para alcançar este aprendizado”, conclui o
estudo.
Outro desafio da escola regular na inclusão de
autistas é a heterogeneidade dos pacientes e de suas necessidades e
competências. Cada caso exige adequação específica e muito concreta das
estratégias e objetivos de tratamento. Os objetivos e procedimentos
terapêuticos e educacionais são variáveis e singulares, o que também depreende
comprometimento da pessoa, nas suas diferentes dimensões.
“As escolas ainda não estão preparadas para receber
esses alunos nos níveis de suas necessidades especiais, porque lhes falta
adaptação curricular, reformulação de critérios de avaliação e outras
estratégias para desempenhar de forma favorável estes indivíduos”, resume o
estudo de graduação.
Enquanto a orientação governamental é pela inclusão
do autista no ensino regular, a resistência dos pais em aceitar o distúrbio e a
demora no diagnóstico médico para o enfrentamento dos casos trazem prejuízos ao
portador.
De outro lado, a fragilidade na compreensão do
quadro e os ruídos no relacionamento entre escola e pais geram litígios. Em
Bauru, o caso do adolescente Pedro Paullo de Castro, ainda está pendente no
Judiciário.
O pai, Paulo de Castro Moreira, reclama no Tribunal
de Justiça do Estado de São Paulo (TJ) consequência ao colégio particular que
expulsou Pedro da unidade após ocorrência de agressão a dois professores pelo
garoto que sofre da Síndrome de Asperger (onde o autismo se apresenta em geral
com crianças com bom nível de inteligência).
Sem receita pronta, a inclusão é individual
Luci de Paula realiza atendimento especializado em
educação especial pela Apae. Para a profissional formada em fonoaudiologia é preciso
considerar três elementos para dar suporte adequado ao autista: a alteração de
comportamento, a linguagem e a interação social.
Mas a profissional adverte: “não existe receita
pronta. Cada abordagem tem de ser individual, com cada indivíduo e de forma
detalhada”. Para tanto, a orientadora da Apae considera que a tríade da ação
pelo autismo exige equipe multidisciplinar.
Sobre a possibilidade de inclusão do portador do
transtorno na escola regular, ela posiciona: “O autismo severo é de difícil
condução inclusive no sistema especializado, realidade muito distante da escola
regular”.
A secretária de Educação, Vera Casério, reconhece a
especificidade. “Em alguns casos a Apae chega a ter um professor especialista
para um único aluno em uma sala”, diz.
De outro lado, Luci sentencia que o autista é capaz
de aprender. “O ensino regular exige capacitar o profissional para que ele
considere o universo das diferenças para o autista e a capacidade de
identificação da forma como o autista compreende e vê o mundo à sua volta. Sem
compreender a linguagem do autismo a relação não avança”.
Por essa razão, a especialista acrescenta que “em
uma sala de aula com 40 alunos o estímulo específico e individual do autista
não é possível de ser realizado na plenitude. É preciso o atendimento
individual, uma realidade muito distante das escolas”.
Assim, Luci considera que a inclusão escolar do
autista deve levar em conta o grau da síndrome, as diferentes estratégias para
atuação com cada caso e a percepção, pelos pais, de que o caminho no
desenvolvimento de seu filho é longo e permanente. “A resistência dos pais em
aceitar a síndrome tem gerado muitos prejuízos, pelo retardo no início das
abordagens”, finaliza.
Expulsão de adolescente revolta pai
Paulo de Castro Moreira não se conforma com a
expulsão do adolescente Pedro Paullo de Castro por um colégio particular de
Bauru, no ano passado.
Segundo o processo apresentado pelo pai ao JC, com
ação em tramitação no Tribunal de Justiça (TJ), Pedro não apresentou dificuldades
no desenvolvimento até a sexta série. Na sétima série, entretanto, em razão de
uma sequência de desentendimentos e de reações do garoto no relacionamento em
sala de aula, o garoto foi expulso após agressão a dois professores.
O pai contesta, diz que houve despreparo da unidade
e negligência na condução das mudanças de rotina no ano passado e quer punição
do estabelecimento pela expulsão sumária e, também, pela perda do ano letivo do
menino.
Após o caso ser discutido no Ministério Público
local, Pedro conseguiu se matricular em uma unidade da rede pública local
(escola Santa Maria). “Ele está indo muito bem lá, se desenvolvendo muito bem.
Ele é muito inteligente e começou a contestar a realização de tarefas que já
sabia. E quem lidou com ele na escola ignorou esses sinais. Fui várias vezes à
escola discutir isso. A agressão é produto de uma série de erros e a expulsão
injusta e prejudicial a meu filho”, protesta o pai, que também foi professor e
deu aula para aluno autista.
Pedro tem diagnóstico da Síndrome de Asperger,
considerada moderada e que não interfere em níveis de inteligência. Ao
contrário, o portador desse tipo de transtorno tende a ter inteligência acima
da média. O craque Leonel Messi, jogador argentino que atua pelo Barcelona da
Espanha, tem o mesmo diagnóstico que o garoto Pedro.
“O autista não agride, mas responde de forma
severa, dura, se sua rotina for modificada sem explicação. O autista tem
opinião própria e não arreda o pé. O Pedro é excelente para interpretar textos
e é bom de matemática. Bastou ser ignorado por uma professora e reagido a
mudanças de rotina que a escola se omitiu e o expulsou, ao invés de solucionar
o caso”, completa o pai. O colégio foi contatado, mas não quis falar a respeito
do caso que encontra-se no TJ atualmente.
FONTE:
Nélson Gonçalves
http://www.jcnet.com.br/Geral/2014/05/desafio-o-autista-na-sala-de-aula-regular.html
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