Especialistas reclamam da falta de tratamento
adequado para autistas
Uma em cada 88 crianças nascidas é autista
Centros de tratamento especializados, profissionais
capacitados e clínicas integradas com escolas foram algumas das reivindicações
dos que participaram da audiência pública, nesta segunda-feira (23), sobre as
políticas públicas para pessoas autistas. Promovida pela Comissão de Direitos
Humanos e Legislação Participativa (CDH), a audiência começou com um jovem autista
cantando o Hino Nacional em homenagem ao Dia Mundial do Autismo, celebrado em 2
de abril.
O principal problema apontado pelos participantes da
audiência foi que Lei Berenice Piana, como é conhecida a Lei da Política
Nacional de Proteção dos Direitos do Autista (Lei 12.764/2012), não é aplicada
na íntegra. Ela foi regulamentada pelo Decreto 8.368/2014, que colocou os
Centros de Atenção Psicossocial (CAPs), do Sistema Único de Saúde, como os
responsáveis para o tratamento de autistas. Mas esses centros tratam de pessoas
com todos os tipos de transtornos mentais, incluindo os que enfrentam problemas
com o consumo abusivo de álcool ou drogas.
Para a enfermeira, mãe de autista e diretora do
Movimento Orgulho Autista Brasil (Moab), Tatiana Roque, e para Lívia Magalhães,
diretora jurídica do Moab, deveria haver centros especializados para tratamento
de pessoas autistas no Brasil. Elas explicaram que o autismo é uma síndrome que
apresenta vários espectros e varia de pessoa para pessoa.
— Precisa se cumprir a lei como ela foi escrita. O
autista precisa do centro especializado, uma clínica-escola, com equipe
multidisciplinar. O CAPs atende vários outros tipos de patologias e síndromes,
o que não seria específico para se tratar o autista. E hoje nós sabemos que o
CAPs não têm condições de atender. A fila de espera é enorme e autista não pode
esperar — disse Tatiana.
A enfermeira mostrou uma imagem de jovens autistas
amarrados em camas em uma clínica em Alagoas.
— A família não tem condições de oferecer um tratamento
adequado, o governo não ofereceu um tratamento para a família. Não tiveram o
diagnóstico precoce, não têm atendimento individualizado, não têm terapias. São
medicados diariamente e amarrados. Essa cena, pra mim, é frustrante, e me causa
raiva — lamentou ela.
A Representante da Diretoria de Saúde Mental da
Secretaria de Saúde do Distrito Federal, Simone Maria Guimarães, expôs o
trabalho desenvolvido pelo governo para melhorar o atendimento de pacientes
autistas. Mas Cibele Vieira, mãe de um autista, apontou uma série de problemas
como a limitada oferta de vagas para estudantes com autismo, a falta de
qualificação dos profissionais e a demora no atendimento na rede pública de
saúde.
— Eu me senti completamente ofendida como cidadã,
como mãe. Senti-me uma alienígena. Não tem dentro do poder público alguém que
ofereça tudo aquilo que foi dito aqui — desabafou.
Acompanhamento especializado
A diretora de Políticas de Educação Especial do
Ministério de Educação, Martinha Clarete Dutra, afirmou que a nova legislação
ajudar a fortalecer a inclusão das pessoas com Transtorno do Espectro Autista,
mas ponderou que a aplicação da mesma depende da União, dos estados e
municípios.
— Não podemos deixar que nenhuma matrícula seja
recusada, só que não basta ter matrícula, tem que ter atendimento de qualidade.
Hoje, o nosso grande desafio é esse pacto de atuarmos juntos, lá na ponta, para
que de fato todas as pessoas que estejam no sistema tenham atendimento e quem
não esteja, venha para o sistema — disse Martinha.
Mas o decreto que regulamentou a lei é omisso ao não
especificar a formação necessária para os profissionais contratados para
acompanhar os autistas nas escolas. A queixa foi apresentada pela diretora
jurídica do Moab.
— Hoje algumas escolas acabam contratando
estagiários, sem qualificação sem preparo para lidar com o autista, na sala de
aula. É muito importante que seja especificada a qualificação, seja professor
de ensino fundamental, com treinamento específico para lidar com o autista —
acrescentou Lívia.
Integração clínica-escola
Um modelo de espaço que reúne saúde e educação com
atenção qualificada para os autistas é uma a clínica-escola pública criada no
ano passado em Itaboraí, município da região metropolitana do Rio de Janeiro.
Fisioterapeutas, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, entre outros
profissionais compõem a equipe multidisciplinar do local, resultado da
persistência de Berenice Piana, que dá nome à Lei 12.764/2012.
— Na clínica-escola as mães são estimuladas. Elas
participam de grupos, recebem orientação, recebem capacitação da melhor forma
de cuidar dos seus filhos — assinalou Lívia ao elogiar a iniciativa da
Prefeitura de Itaboraí.
A médica psiquiatra da Clínica de Atendimento
Psicológico a Crianças Especiais (Cliama), Gianna Guiotti Testa acredita que o
modelo ideal é a integração clínica-escola-família.
— Não adianta a gente ter a clínica de referência se
ela não está integrada à escola. Gente, os professores precisam de ajuda! Eles
precisam de um grupo de apoio — afirmou a médica.
Diagnóstico Precoce
Outro grande problema para Tatiana Roque é a falta
de uma estatística oficial sobre o número de autistas no Brasil. Estima-se,
segundo ela, que haja 2 milhões de autistas no Brasil atualmente, número que
cresceu muito nas últimas décadas. Para Gianna, o aumento do número de casos de
autismo no país se deve também ao aumento da detecção da doença, que, há 20
anos era praticamente nula.
— O autismo é uma síndrome que a gente consegue
detectar até os 3 anos de idade. Se o diagnóstico é precoce, a assistência tem
que ser precoce. A gente pode intervir para que a criança tenha ganhos
importantes para o seu desenvolvimento — afirmou Gianna.
Acesso à medicação
Gianna alertou para a importância do acesso à
medicação. Ela explicou que não há medicação para autismo, mas há alguns
medicamentos que são importantes para alguns sintomas. A médica relatou ainda
que no último sábado uma mãe de um jovem autista ligou para ela dizendo que a
Secretaria só liberaria o medicamento para esquizofrenia.
— Isso também é muito importante: o acesso à
medicação — afirmou.
Horário especial
Tatiana Roque reclamou ainda do veto da presidente
Dilma a um artigo da Lei Berenice Piana que concedia horário especial sem
compensação para servidores públicos com filhos autistas. Ela explicou que os
pais de autistas são sobrecarregados devido à atenção e ao tratamento que devem
dar aos filhos.
— Tramita aqui no Senado um projeto de lei de
autoria do senador Romário, que prevê horário especial sem compensação para
servidor público com filho ou cônjuge com deficiência. E eu gostaria de pedir a
sensibilidade dos senadores para que essa proposta seja aprovada o quanto antes
porque ela vai ajudar muitas famílias que têm pessoas especiais — afirmou.
Reportagem:
Marilia Coêlho e Rodrigo Baptista
Foto:
Geraldo Magela/Agência Senado
Agência Senado (Reprodução autorizada
mediante citação da Agência Senado)
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