Entre vários comandos que representam notável
avanço para a proteção da dignidade da pessoa com deficiência, a nova
legislação altera e revoga alguns artigos do Código Civil (arts. 114 a 116),
trazendo grandes mudanças estruturais e funcionais na antiga teoria das incapacidades,
o que repercute diretamente em institutos do Direito de Família, como o
casamento, a interdição e a curatela.
Interessante observar que a norma também alterou
alguns artigos do Código Civil que foram revogados expressamente pelo Novo CPC
(art. 1.072). Nessa realidade, salvo uma nova iniciativa legislativa, as
alterações terão aplicação por curto intervalo de tempo, nos anos de 2015 e
2016, entre o período da sua entrada em vigor e o início de vigência do Código
de Processo Civil (a partir de março do próximo ano). Isso parece não ter sido
observado pelas autoridades competentes, quando da sua elaboração e
promulgação, havendo um verdadeiro atropelamento legislativo.
Partindo para a análise do texto legal, foram
revogados todos os incisos do art. 3.º do Código Civil, que tinham a seguinte
redação: “São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida
civil: I – os menores de dezesseis anos; II – os que, por enfermidade ou
deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática
desses atos; III – os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir
sua vontade”. Também foi alterado o caput do comando, passando a estabelecer
que “são absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil
os menores de 16 anos”.
Em suma, não existe mais, no sistema privado
brasileiro, pessoa absolutamente incapaz que seja maior de idade. Como
consequência, não há que falar mais em ação de interdição absoluta no nosso
sistema civil, pois os menores não são interditados. Todas as pessoas com
deficiência, das quais tratava o comando anterior, passam a ser, em regra,
plenamente capazes para o Direito Civil, o que visa a sua plena inclusão
social, em prol de sua dignidade.
Eventualmente, e em casos excepcionais, tais pessoas
podem ser tidas como relativamente incapazes em algum enquadramento do novo
art. 4.º do Código Civil. Cite-se, a título de exemplo, a situação de um
deficiente viciado em tóxicos, podendo ser considerado incapaz como qualquer
outro sujeito.
Esse último dispositivo também foi modificado de
forma considerável pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência. O seu inciso II não
faz mais referência às pessoas com discernimento reduzido, que não são mais
consideradas relativamente incapazes, como antes regulamentado. Apenas foram
mantidas no diploma as menções aos ébrios habituais (entendidos como os
alcoólatras) e aos viciados em tóxicos, que continuam dependendo de um processo
de interdição relativa, com sentença judicial, para que sua incapacidade seja
reconhecida.
Também foi alterado o inciso III do art. 4.º do
CC/2002, sem mencionar mais os excepcionais sem desenvolvimento completo. O
inciso anterior tinha incidência para o portador de síndrome de Down, não
considerado mais um incapaz. A nova redação dessa norma passa a enunciar as
pessoas que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir vontade,
o que antes estava previsto no inciso III do art. 3.º como situação típica de
incapacidade absoluta. Agora a hipótese é de incapacidade relativa.
Verificadas as alterações, parece-nos que o sistema
de incapacidades deixou de ter um modelo rígido, passando a ser mais maleável,
pensado a partir das circunstâncias do caso concreto e em prol da inclusão das
pessoas com deficiência, tutelando a sua dignidade e a sua interação social.
Isso já havia ocorrido na comparação das redações do Código Civil de 2002 e do
seu antecessor. Como é notório, a codificação material de 1916 mencionava os
surdos-mudos que não pudessem se expressar como absolutamente incapazes (art. 5.º,
III, do CC/1916). A norma então em vigor, antes das recentes alterações ora
comentadas, tratava das pessoas que, por causa transitória ou definitiva, não
pudessem exprimir sua vontade, agora consideradas relativamente incapazes,
reafirme-se.
Todavia, pode ser feita uma crítica inicial em
relação à mudança do sistema. Ela foi pensada para a inclusão das pessoas com
deficiência, o que é um justo motivo, sem dúvidas. No entanto, acabou por
desconsiderar muitas outras situações concretas, como a dos psicopatas, que não
serão mais enquadrados como absolutamente incapazes no sistema civil. Será
necessário um grande esforço doutrinário e jurisprudencial para conseguir
situá-los no inciso III do art. 4.º do Código Civil, tratando-os como
relativamente incapazes. Não sendo isso possível, os psicopatas serão
considerados plenamente capazes para o Direito Civil.
Em matéria de casamento também podem ser notadas
alterações importantes engendradas pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência. De
início, o art. 1.518 do Código Civil teve sua redação modificada, passando a
prever que, até a celebração do casamento, podem os pais ou tutores revogar a
autorização para o matrimônio. Não há mais menção aos curadores, pois não se
decreta mais a nulidade do casamento das pessoas mencionadas no antigo art.
1.548, inciso I, ora revogado. Enunciava o último diploma que seria nulo o
casamento do enfermo mental, sem o necessário discernimento para a prática dos
atos da vida civil, o que equivalia ao antigo art. 3.º, inciso II, do Código
Civil, que também foi revogado, como visto. Desse modo, perdeu sustentáculo
legal a possibilidade de se decretar a nulidade do casamento em situação tal.
Em resumo, o casamento do enfermo mental, sem discernimento, passa a ser
válido. Filia-se totalmente à alteração, pois o sistema anterior presumia que o
casamento seria ruim para o então incapaz, vedando-o com a mais dura das
invalidades. Em verdade, muito ao contrário, o casamento é, via de regra,
salutar à pessoa que apresente alguma deficiência, visando a sua plena inclusão
social.
Seguindo no estudo das modificações do sistema de
incapacidades, o art. 1.550 do Código Civil, que trata da nulidade relativa do
casamento, ganhou um novo parágrafo, preceituando que a pessoa com deficiência
mental ou intelectual em idade núbil poderá contrair matrimônio, expressando
sua vontade diretamente ou por meio de seu responsável ou curador (§ 2.º).
Trata-se de um complemento ao inciso IV da norma, que prevê a anulação do
casamento do incapaz de consentir e de manifestar de forma inequívoca a sua
vontade. Advirta-se, contudo, que este último diploma somente gerará a anulação
do casamento dos ébrios habituais, dos viciados em tóxicos e das pessoas que,
por causa transitória ou definitiva, não puderem exprimir sua vontade, na linha
das novas redações dos incisos II e III do art. 4.º da codificação material.
Como decorrência natural da possibilidade de a
pessoa com deficiência mental ou intelectual se casar, foram alterados dois
incisos do art. 1.557, dispositivo que consagra as hipóteses de anulação do
casamento por erro essencial quanto à pessoa. O seu inciso III passou a ter uma
ressalva, eis que é anulável o casamento por erro no caso de ignorância,
anterior ao casamento, de defeito físico irremediável que não caracterize
deficiência ou de moléstia grave e transmissível, por contágio ou por herança,
capaz de pôr em risco a saúde do outro cônjuge ou de sua descendência
(destacamos a inovação).
Em continuidade, foi revogado o antigo inciso IV do
art. 1.557 do CC/2002 que possibilitava a anulação do casamento em caso de
desconhecimento de doença mental grave, o que era tido como ato distante da
solidariedade (“a ignorância, anterior ao casamento, de doença mental grave
que, por sua natureza, torne insuportável a vida em comum ao cônjuge
enganado”).
Essas foram às modificações percebidas na teoria
das incapacidades, que foi revolucionada, e em sede de casamento. No nosso
próximo artigo, a ser publicado neste canal, demonstraremos as alterações
geradas pela Lei 13.146/2015 quanto à interdição e à curatela e os
atropelamentos legislativos perante o Novo CPC.
FONTE:
http://genjuridico.com.br/2015/07/30/estatuto-da-pessoa-com-deficiencia-direito-de-familia-e-o-novo-cpc-primeira-parte/
http://genjuridico.com.br/2015/07/30/estatuto-da-pessoa-com-deficiencia-direito-de-familia-e-o-novo-cpc-primeira-parte/
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