segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Forma adequada para evitar diagnósticos frouxos de transtorno autista, Asperger e outros TGDs


      Folha - Como um manual feito pela Associação de Psiquiatria Americana vai influenciar o atendimento à saúde mental no Brasil?
     
      Luis Augusto Rohde 
     - O sistema classificatório oficial no Brasil é a CID (Classificação Internacional das Doenças), da Organização Mundial da Saúde, que está na sua décima versão.
     Está atualmente em processo de revisão, com a próxima versão prevista para 2015. Na  prática clínica de saúde mental, então, o DSM-5 não terá impacto direto sobre o psiquiatra e o médico de família que atende casos psiquiátricos ou neurológicos.
     Entretanto, em todos os serviços universitários e naqueles que trabalham com pesquisa em saúde mental no Brasil, o DSM é mais utilizado que a CID. É nesses setores que o impacto vai se dar inicialmente.
     Como esses serviços são formadores de profissionais da área de saúde, os conceitos vão sendo incorporados à prática deles, embora eles tenham também que respeitar os critérios da CID.
       Existe um esforço para que a CID passe a seguir os critérios do DSM?
     Sim. Existe uma decisão preliminar por parte da CID de que eles não vão mais desenvolver um manual com diretrizes clínicas ou critérios de diagnóstico para cada doença.
     Eles vão, na verdade, apresentar protótipos para cada doença. São descrições para que o clínico possa ver quanto o caso que ele está atendendo se assemelha àquela diretriz.
     Os critérios objetivos de diagnóstico ficam, então, restritos ao DSM. Existe inclusive um comitê de "harmonização" dentro da CID para tentar emparelhar o máximo possível os critérios dos dois sistemas.
     O DSM-5 desistiu de criar algumas novas categorias, como o "transtorno da regulação do humor e do comportamento" [que busca sintomas de depressão bipolar na infância] e a "síndrome do risco de psicose" [que busca sintomas de esquizofrenia na infância]. Os critérios para diagnosticar esses males falharam nos testes com pacientes?
     Primeiro é preciso notar que houve uma mudança no processo de revisão.
     No DSM-4, os testes de campo tinham buscado a validade do diagnóstico, mas no DSM-5, por questões logísticas e financeiras, os testes foram restritos a dois outros aspectos.
     Um deles era avaliar a confiabilidade dos critérios para teste-e-reteste. Isso é feito para confirmar se um conjunto de critérios resulta no mesmo diagnóstico ao ser aplicado em um paciente em dois momentos diferentes.
     O outro aspecto era avaliar a utilidade clínica do diagnóstico. Precisávamos saber se os critérios de diagnósticos propostos pelo comitê seriam palatáveis e clinicamente adequados nas mãos de um psiquiatra clínico com treinamento usual.
      No final dos testes, alguns diagnósticos apresentaram confiabilidade muito baixa. Além dos dois que mencionaste, também não se qualificaram o "transtorno misto de ansiedade e depressão" e a "autoagressão não suicida".
     Agora essas categorias provavelmente irão para a seção 3 do manual, designada àquelas que precisam de mais dados para que possam ser ser consideradas diagnósticos psiquiátricos.
     O diagnóstico do "transtorno da regulação do humor e do comportamento" teve uma confiabilidade modesta --um grau acima da ruim--, mas será mantido, em função da qualidade de pesquisa que já existe sugerindo a validade do diagnóstico.
Isso leva em conta que existe um grupo de crianças nos EUA e em outros países que estão recebendo diagnóstico do "transtorno do humor bipolar", mesmo sem ter uma característica essencial, a episodicidade --a alternância de fases com sintomas maníacos e depressivos.
     E existe hoje um grupo de crianças com outros sintomas, mas sem a episodicidade, que acabam sendo diagnosticadas como tendo transtorno bipolar "sem outra especificação" [diagnóstico feito por exclusão].
     A partir de agora, essas crianças recebem um espaço dentro do sistema classificatório porque elas claramente têm um quadro psiquiátrico grave que requer atenção.
     Os critérios para diagnosticar crianças com TDAH (transtorno do déficit de atenção por hiperatividade) foram muito criticados. O receio é que eles ampliem o que seria uma falsa epidemia e que crianças saudáveis passem a ser medicadas com o estimulante ritalina. O que muda no DSM-5?
     Nessa área eu tive, de fato, uma participação direta no processo. Em primeiro lugar, posso dizer que sempre que se pensou em qualquer reformulação dos critérios de diagnóstico para TDAH, houve uma preocupação com a explosão da prevalência, que foi chamada de "epidemia".
Algo que precisa ficar claro é que TDAH é um conceito dimensional na população. Não existe um divisão entre o grupo dos "atentos" e o grupo dos "desatentos".
     O transtorno é um conceito gradual, como o de altura ou pressão arterial. O que fazemos com a TDAH é colocar um ponto de corte a partir do nível de intensidade em que os sintomas causam prejuízo funcional na vida do indivíduo.
     Houve duas principais modificações no DSM-5 que podem impactar na prevalência do transtorno.
     A primeira é com relação ao início dos sintomas. O DSM-4 exigia que prejuízos funcionais causados pelos sintomas do TDAH estivessem presentes na vida indivíduo antes dos sete anos de idade para o diagnóstico ser dado.
     O que temos visto, porém, é que existe um grupo significativo de crianças --principalmente aquelas com predomínio da desatenção sobre hiperatividade e impulsividade-- nas quais os sintomas só ficam evidentes quando entram na escola, porque é na sala de aula que existe uma demanda atencional mais clara.
     O que acontece é que mesmo com essas crianças tendo um quadro de TDAH com predomínio de desatenção, mesmo tendo um perfil de comorbidade similar, mesmo tendo prejuízo na vida tão grande quanto aquelas que manifestavam sintomas antes de sete anos, mesmo tendo resposta similar ao tratamento, mesmo tendo histórias de família similares, elas acabavam ficando de fora do diagnóstico do TDAH.
     Além disso, quando se faz o diagnóstico em adultos, é muito difícil que um adulto de 40 anos se lembre exatamente se tinha ou não sintomas antes dos sete anos.
     Em estudos como o "National Comorbidity Survey Replication", Ronald Kessler avaliou o diagnóstico do TDAH em adultos e demonstrou que em 96% das vezes o diagnóstico estava presente antes dos 12 anos.
     O que o comitê fez foi deslocar a idade mínima de início dos sintomas de 7 para 12 anos.
     Outro trabalho importante foi publicado no periódico da AACAP (Associação Americana de Psiquiatria da Criança e do Adolescente) por Guilherme Polanczyk, que foi meu aluno de doutorado e hoje é professor da USP.
     Ele fez uma grande avaliação populacional na Inglaterra e mostrou que o deslocamento do  critério de idade de início dos sintomas de 7 para 12 anos não implicava num aumento substancial da prevalência.
     A afirmação de que vai haver uma explosão no número de diagnósticos não é correta.
     É possível que a prevalência aumente um pouco, mas isso será produto da detecção correta de um grupo de crianças que, até então, estava excluído da possibilidade do diagnóstico mesmo tendo um quadro claro de TDAH com prejuízo funcional.
    A AACAP inclusive criticou a extensão do limite para 12 anos, porque eles queriam que expandíssemos para 18 anos.
    Nós tomamos uma medida conservadora, pensando na questão da explosão dos diagnósticos, e mantivemos o limite do critério em 12 anos, que era aquele mais bem sustentado por evidências.
     A segunda alteração está relacionada à possiblidade prevista pelo DSM-4 de excluir o diagnóstico do TDAH quando a criança é diagnosticada também com autismo ou outros tipos de TGD (transtornos globais do desenvolvimento).
    Vários trabalhos populacionais, porém, mostraram que há crianças autistas que apresentam, sim, sintomas de desatenção, hiperatividade e impulsividade num grau causando prejuízo suficiente para merecer um diagnóstico de TDAH conjunto.
     Essas crianças respondem bem às medicações e intervenções indicadas para TDAH, mas não podiam recebê-las porque o DSM-4 impedia que elas se qualificassem para o TDAH e autismo ao mesmo tempo. Isso foi corrigido agora.
     Pode ser que a prevalência aumente um pouco, mas isso ocorrerá em razão da inclusão de um grupo que claramente necessita do diagnóstico para receber o atendimento adequado em países em desenvolvimento onde a indicação do tratamento está vinculada ao diagnóstico.
     Houve muita mudança nos critérios para diagnosticar o autismo? Pais temem que seus filhos não sejam mais considerados portadores de um transtorno e percam o direito a assistência médica.
     Primeiramente, é preciso entender que o processo de mudança não foi feito rapidamente.   Cada grupo de trabalho teve reuniões por teleconferência, quase toda semana, durante quase três anos, além de vários encontros pessoais.
Uma revisão da literatura sobre esses transtornos foi feita dentro de cada grupo de trabalho. As decisões não foram tomadas sem embasamento científico.
No autismo, a ideia foi a de que o transtorno pudesse ser compreendido mais sob uma perspectiva dimensional, assim como o TDAH. Em vez de usar categorias claramente distintas, usamos um "espectro" autista e com isso abandonamos nomenclaturas que tratavam o problema como diferentes transtornos.
     A divisão era entre síndrome de Asperger, autismo, transtorno desintegrativo... Agora a nomenclatura vê "transtornos do espectro autista".
     No periódico da AACAP, Fred Volkmar mostrou que algumas dessas crianças, principalmente aquelas com diagnóstico de TGD sem outra especificação, poderiam ficar fora do diagnóstico.
    O impacto desse trabalho gerou muito debate, alimentado pela preocupação de pais de crianças com Asperger que temiam que seus filhos não se qualificariam mais para o diagnóstico. Mas isso não é verdade.
    Um artigo do grupo de trabalho de autismo do DSM-5 mostrou que, na verdade, essa constatação não tinha amparo.
     De qualquer forma, o resultado de toda a discussão foi manter a ideia do transtorno do espectro autista, mas levando em conta que aquelas crianças que já tem um diagnóstico anterior de TGD não especificado ou síndrome de Asperger pudessem ser incorporadas.
     A ideia não é excluir crianças do diagnóstico, mas ter uma compreensão mais real, mais  moderna, dos transtornos autistas e do seu espectro.
     O receio de que crianças com Asperger deixem de se qualificar como portadoras de um transtorno, então, não se justifica?
     A ideia geral é que isso não aconteça, mas vamos precisar de mais trabalhos para ver efetivamente o desempenho dessa categoria de transtornos do espectro autista, para ver se ela está sendo tão inclusiva quanto necessário.
     A razão dessa questão mais restritiva é também o diagnóstico muito frouxo de TGD que é feito em muitos locais.
     Há 15 anos, nós tínhamos uma prevalência de 4 a 8 crianças autistas por 10 mil nascimentos. Hoje se fala em 1 criança com TGD a cada 200 ou 300 nascimentos.
    O que o grupo de trabalho procurou fazer foi delimitar de maneira muito clara o que é o espectro autista e riscar essas fronteiras de forma adequada para evitar diagnósticos frouxos de transtorno autista, Asperger e outros TGDs, que são diagnósticos graves para se aplicar a uma criança.
     O DSM-4 levou muito tempo para ser revisado. A APA vai atualizar o DSM-5 com mais frequência?
     O presidente e o vice-presidente da força-tarefa --David Kupfer e Darrel Regier-- dizem que o DSM-5 vai ser um documento "vivo", porque não faz sentido esperar 29 anos para os sistemas classificatórios passarem por revisões.
     Mas, para explicar a razão dessa demora, é preciso entender uma outra coisa.
     Eu e muitos outros colegas tínhamos uma crítica com relação ao processo. Quando entrei no esforço de revisão do DSM, eu tinha o desejo e a fantasia de que seria possível ter uma modificação de paradigma na forma de se fazer diagnóstico psiquiátrico.
     Nós queríamos a inclusão de marcadores neurobiológicos [sinais físicos do funcionamento do cérebro e do sistema nervoso] na prática clínica.
     Queríamos aproximar a psiquiatria de um estágio de desenvolvimento onde está a oncologia, por exemplo. Então, o desejo entre 2000 e 2005, quando entramos no processo, era que, em algumas situações, o diagnóstico pudesse se basear em marcadores neurobiológicos.
     O que aconteceu foi que, ao revisar o que existia de evidência científica dentro da área de psiquiatria, constatamos claramente que ainda não estamos prontos para uma mudança de paradigma.
     Isso gerou na comunidade científica uma certa sensação de frustração.
     Mas foi possível, porém, fazer algo extremamente importante: analisar o que poderia ser melhorado nos critérios diagnósticos e revisá-los à luz da medicina baseada em evidência, para torná-los mais válidos. Isso levou em conta tudo o que foi feito de pesquisa durante esses 29 anos.
     O problema é que não faz sentido esperar tudo isso para modificar um sistema classificatório. Então, é importante agora que o DSM tenha essa flexibilidade e essa agilidade maiores.
     Quando houver um grupo de dados consistente, baseado em evidências, mostrando que um critério não está adequado, é importante que essa modificação não tenha de esperar pelo processo de revisão de todo o manual para ser implementada.
     Uma crítica comum de psicólogos é que a falha em usar a biologia para diagnósticos sinaliza um momento de crise na psiquiatria?
     Na verdade, evoluímos bastante na compreensão dos aspectos neurobiológicos genéticos e fenotípicos [características observáveis] dos transtornos mentais.
          Quando analiso um grupo de crianças com TDAH e as comparo um grupo de crianças com desenvolvimento típico, depois as comparo com um grupo com transtorno do espectro autista, consigo ver aspectos neurobiológicos, de neuroimagem, genéticos e de resposta a tratamento que são diferentes entre os grupos.
        O que ainda não conseguimos fazer é a tradução dessas diferenças de grupo para um indivíduo específico, a ponto de os avanços em neurobiologia serem úteis no diagnóstico individual.
    Ainda não estamos no mesmo patamar de algumas áreas da medicina como a endocrinologia, a cardiologia ou a oncologia. Esse é o desafio da psiquiatria nos próximos anos.
     Isso não significa que estejamos em crise, mas significa que ainda não estamos no mesmo patamar de algumas áreas da medicina como a endocrinologia, a cardiologia ou a oncologia.
     Nesses campos, o conhecimento vindo das diferenças de grupo pôde ter suficiente validade preditiva positiva e validade preditiva negativa para auxiliar uma medicina mais personalizada e um diagnóstico mais individual.
     Nós estamos agora num momento em que esses dados ajudam a compreensão da neurobiologia do transtorno psiquiátrico, mas não nos ajudam no diagnóstico clínico.
     O diagnóstico psiquiátrico ainda tem de ser muito baseado no exame do estado mental, na história clínica do paciente e nos dados que conseguimos com familiares.
     Isso não significa que exista uma dicotomia entre psiquiatria e psicologia no manual.    Enxergar uma dicotomia é ter uma visão limitada da área de saúde mental.
     Muitas vezes, um grupo da psicologia social, no Brasil e no exterior, tenta se valer disso para questionar a validade do diagnóstico psiquiátrico e desencadear toda essa discussão, afirmando que existe uma "medicalização da educação" e que os diagnósticos são "usados como rótulos".
     A meu ver, porém, esse grupo não representa a psicologia como um todo. Eles representam apenas uma determinada área da psicologia.
     Entidades de classe dos psicólogos reclamam que a revisão do DSM-5 foi muito restrita a psiquiatras. Eles não tem razão em reivindicar um papel maior?
     É difícil avaliar isso, porque eu teria de saber qual era o tamanho da participação esperada por essas entidades. Na maioria dos grupos de trabalho houve participação de psicólogos e de outros não psiquiatras.
     No grupo que trabalhou com TDAH, dois dos oito membros --Joel Nigg e Paul Frick-- eram psicólogos.
     Não é verdade, então, que não houve participação da psicologia. Houve até participação externa de psicólogos, porque os critérios de diagnóstico ficaram abertos para escrutínio público no site da APA por um longo tempo.
     Nós recebemos muitas críticas de psicólogos, e foram todas individualmente avaliadas para que fossem incorporadas às modificações, se fosse necessário.
     Houve uma participação de psicólogos como nunca tinha havido. Foi um processo muito mais aberto do que o do DSM-4.
     É válido discutir se a abertura foi suficiente e se a comunidade se sente confortável com ela, mas certamente foi um processo mais aberto do que qualquer outra revisão do DSM.
     Um estudo da Universidade Harvard indicou que há mais psiquiatras da força-tarefa do DSM-5 envolvidos com a indústria farmacêutica hoje do que na época da quarta edição. O conflito de interesses aumentou?
     A criação do DSM-5 é um processo que é embasado em ciência, mas é um processo que sofre forças de todos os lados.
     Enquanto um diagnóstico recebe crítica por ficar mais restritivo e deixar mais gente de fora, outro é criticado por ser mais inclusivo e acaba acusado de criar uma epidemia. As pressões são de todos os lados.
     Não tenho uma ideia clara de qual é o tamanho da pressão da indústria farmacêutica, mas posso dizer que a APA tomou medidas claras para tentar controlar ao máximo essa pressão da indústria.
     Ela determinou que a participação de pessoas no trabalho e no desenvolvimento do DSM-5 fosse dada com um limite claro de contato com a indústria. Os integrantes não poderiam receber mais de US$ 10 mil por ano da indústria nem ter mais de 5% da renda bruta vinda de qualquer relação com a indústria.
     Esse limiar é o mesmo adotado por várias outras associações médicas nos EUA. Acima disso, considera-se que a influência da indústria sobre o indivíduo --clínico ou pesquisador-- passa a ser significativa.
     A APA assumiu esse limite claro e avaliou cada membro, antes e durante o processo, para que esse limite no contato com a indústria fosse mantido. Isso tirou dos grupos de trabalho uma série de pessoas que tinham atuado no DSM-4 e até algumas pessoas que são consideradas experts em suas áreas.
     O artigo de Harvard tem um viés claro, porque entre 1990 e 1994, quando o DSM-4 estava sendo discutido, não era obrigatório para os membros revelar potenciais conflitos de interesse.
     Isso não era uma coisa discutida em detalhe pelos profissionais da área de saúde.      Comparando o grau de interesses declarados feitos no DSM-5 com aqueles do DSM-4 em 1994, então, é óbvio que se enxerga um aumento, porque antes as pessoas simplesmente não eram obrigadas declarar.
     Existia uma certa insatisfação por parte dos clínicos com a forma com que o manual trata dos chamados "transtornos de personalidade" no manual. O que vai mudar agora?
     É provável que se pense numa redução do número de transtornos. Existiam uns dez transtornos de personalidade listados no DSM-4, e muitos não tinham uma confiabilidade adequada para teste-e-reteste.
     Por isso, era difícil que os clínicos concordassem. Uma das modificações que estão sendo propostas no DSM-5, também nessa área, é uma noção mais dimensional da questão de personalidade, para substituir os diagnósticos por categorias.
     Vão continuar existindo alguns diagnósticos de transtornos de personalidade, aqueles para os quais existe base de evidência um pouco mais forte.
     Dentre os quais estão o "transtorno de personalidade antissocial" e o "transtorno de personalidade borderline". A ideia é ampliar a noção de personalidade para trabalhar com constructos que sejam mais dimensionais e menos categóricos.
     A clássica figura do psicopata como portador de um problema mental continuará existindo, então?
     Isso foi discutido, e o transtorno de personalidade antissocial deve continuar existindo.     Existe suficiente validade de diagnóstico para isso.
     Mas a questão mais discutida aqui era outra. O que debatemos é se seria possível levar o diagnóstico para a infância ou para adolescência.
     No DSM-4, o diagnóstico do transtorno de personalidade antissocial exige que o indivíduo tenha mais de 18 anos.
     Então, foi discutido se essa trava poderia ser em uma idade mais reduzida, o que teria implicações judiciais, porque existe também uma grande discussão sobre a imputabilidade de pessoas diagnosticadas com o transtorno. [A nova versão acabou mantendo o limite de idade em 18 anos.]
     Os novos critérios do DSM vão ajudar a melhorar a tensa relação entre psiquiatras e psicólogos?
     As modificações nos critérios de diagnósticos transcendem essa discussão. Elas não vão nem melhorar nem piorar essa tensão. As mudanças propostas são baseadas em evidência.
     Na minha visão, não existe essa animosidade entre psiquiatras e psicólogos. A tensão que existe é entre psiquiatras e um grupo de psicólogos que tem dominado as entidades de classe.
     Eles representam um grupo da psicologia social que não admite a possibilidade de diagnóstico psiquiátrico, o que não é a realidade da psicologia como um todo.
     Tenho bastante convivência com a psicologia dentro de meios universitários, com o pessoal da neuropsicologia e com diversas áreas clínicas, e não sinto animosidade por parte desses outros grupos.
     O que existe é um grupo específico da psicologia social que domina as entidades de classe da psicologia e, ao mesmo tempo, tenta desqualificar os diagnósticos em saúde mental.
     Não vejo isso como uma dicotomia entre psicologia e psiquiatria.
     Um dos grandes críticos do DSM-5 nos EUA foi Allen Frances, psiquiatra que tinha coordenado o DSM-4. O que esses ataques partindo de alguém tão próximo representaram para a APA?
     O exaustivo processo de revisão da evidência científica para o DSM-5, as análises secundárias que foram feitas dentro de cada diagnóstico com base em dados disponíveis e os testes de campo avaliando a utilidade clínica e a confiabilidade foram processos que em nada se diferenciam daqueles do DSM-4.
     Se Allen Frances se sentiu magoado por não ter sido convidado para participar do processo do DSM-5 é algo que tem de ser perguntado a ele.
     O que é mais importante o público leigo entender sobre as mudanças na psiquiatria?
     A mensagem é que o DSM-5 que vai aparecer em maio de 2013 é o melhor esforço possível, dado o grau de evidência científica disponível no momento, para que haja um avanço na forma de diagnosticar e de acolher os portadores de problemas de saúde mental.

http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/
1210439-uso-da-neurociencia-e-o-proximo-
desafio-dos-psiquiatras-diz-medico-brasileiro.shtml

Uso da neurociência é o próximo desafio dos psiquiatras, diz médico brasileiro



     Se ainda não o é, pode passar a ser a partir de maio de 2013, quando sai a nova edição do DSM, o Manual de Diagnósticos e Estatísticas, publicação considerada a bíblia dessa especialidade médica.
Rohde foi o único brasileiro convidado para a força-tarefa da APA (Associação Psiquiátrica Americana) que revisou os critérios de definição dos transtornos mentais.
     A transição da quarta para a quinta edição do manual, com lançamento previsto para maio, não foi nada fácil. Mudanças do DSM-4 para o DSM-5 atraíram críticas de psicólogos e familiares de pacientes e foram alvo do lobby da indústria farmacêutica.
Sob pressão, sem tempo e com orçamento limitado, psiquiatras recuaram de algumas propostas de mudança.
     Rohde, professor titular de psiquiatria da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), atuou num dos setores mais controversos da força-tarefa: o que cuidou do "transtorno do deficit de atenção por hiperatividade", grupo acusado de inflar artificialmente a epidemia desse problema mental em crianças.
     O psiquiatra, porém, argumenta que o novo manual está mais coerente e confiável.
     Em entrevista à Folha, Rohde também explicou por que o DSM-5 ainda não traz a "mudança de paradigma" que muitos cientistas desejavam: a de tornar a psiquiatria uma especialidade médica mais baseada em biologia.


RAFAEL GARCIA

EM WASHINGTON

   Jefferson Bernardes/Folhapress
http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/1210439
-uso-da-neurociencia-e-o-
roximo-desafio-dos-psiquiatras-diz-medico-brasileiro.shtml


domingo, 6 de janeiro de 2013

COMO SERIA ESTAR POR TRÁS DOS OLHOS DE UM AUTISTA?


      "O autismo me prendeu dentro de um corpo que eu não posso controlar" - conheça a história de Carly Fleischmann, uma adolescente que aprendeu a controlar o autismo para se comunicar através de palavras escritas em um computador após 11 anos de enclausuramento dentro de si mesma, e assista também o vídeo interativo "Carly's Café", no qual você poderá vivenciar alguns minutos da experiência de um autista por trás dos olhos de um.
     Lê se na tela de um computador: "Meu nome é Carly Fleischmann e desde que me lembro, sou diagnosticada com autismo", a digitação é lenta, a ideia não é concluída sem algumas interrupções, é assim que Carly trava contato com o mundo. Carly é uma adolescente de Toronto, Canadá, e atravessou uma batalha na vida. Ajudada pelos pais, ela conseguiu superar a barreira máxima do isolamento humano.
     “Quando dizem que sua filha tem um atraso mental e que, no máximo atingirá o desenvolvimento de uma criança de seis anos, é como se você levasse um chute no estômago", diz o pai de Carly. Ela tem uma irmã gêmea que se desenvolvia naturalmente, e aos dois anos, ficou claro que havia algo de errado. Ela estava imersa no oceano de dados sensoriais bombardeando seu cérebro constantemente. Apesar dos esforços dos pais, pagando profissionais, realizando tratamentos, ela continuava impossibilitada de se comunicar e de ter uma vida normal. O pai de Carly explica que ela não era capaz de andar, de sentar, e todos doutores recomendavam: "Você é o pai. Você deve fazer o que julgar necessário para esta criança".
   
Eram cerca de 3 ou 4 terapeutas trabalhando 46 horas por semana. Os terapeutas acreditavam que Carly fosse mentalmente retardada, portanto, sem esperanças de algum dia sair daquele estado. Amigos recomendavam que os pais parassem o tratamento, pois os custos eram muito altos. O pai de Carly, no entanto, acreditava que sua criança estava ali, perdida atrás daqueles olhos:
"Eu não poderia desistir da minha filha".
    
Subitamente aos 11 anos algo marcante aconteceu. Ela caminhou até o computador, colocou as mãos sobre o teclado e digitou lentamente as letras: H U R T - e um pouco depois digitou - H E L P. Hurt, do inglês "Dor", e Help significa "Socorro". Carly nunca havia escrito nada na vida, nem muito menos foi ensinada, no entanto, foi capaz de silenciosamente assimilar conhecimento ao longo dos anos para se comunicar, usando a palavra pela primeira vez, em um momento de necessidade extrema. Em seguida, Carly correu do computador e vomitou no chão. Apesar do susto, ela estava bem. "Inicialmente nós não acreditamos. Conhecendo Carly por 10 anos, é claro que eu estaria cético", disse o pai.
     Os terapeutas estavam ansiosos para ver provas e os pais incentivavam Carly ao máximo para que ela se comunicasse novamente. O comportamento histérico de Carly permanecia exatamente como antes e ela se recusava a digitar. Para força-la a digitar, impuseram a necessidade. Se ela quisesse algo, teria que digitar o pedido. Se ela quisesse ir a algum lugar, pegar algo, ou que dissessem algo, ela teria que digitar. 
Vários meses se passaram e ela percebeu que ao se comunicar, ela tinha poder sobre o ambiente. E as primeiras coisas que Carly disse aos terapeutas foi "Eu tenho autismo, mas isso não é quem eu sou. Gaste um tempo para me conhecer antes de me julgar".
     A partir dai, como dizem os pais, Carly "encontrou sua voz" e abriu as portas de sua mente para o mundo. Ela começou a revelar alguns mistérios por trás do seu comportamento de balançar os braços violentamente, e de bater a cabeça nas coisas, ou de querer arrancar as roupas: "Se eu não fizer isso, parece que meu corpo vai explodir. Se eu pudesse parar eu pararia, mas não tem como desligar. Eu sei o que é certo e errado, mas é como se eu estivesse travando uma luta contra o meu cérebro".
     "Eu gostaria de ir a escola, como as outras crianças. Mas sem que me achassem estranha quando eu começasse a bater na mesa, ou gritar. Eu gostaria de algo que apagasse o fogo". Carly explica ainda que a sensação em seus braços é como se estivessem formigando, ou pegando fogo. Respondendo a uma das perguntas que fizeram a ela, sobre porquê às vezes ela tapa os ouvidos e tapa os olhos, ela explica que isso serve para ela bloquear a entrada de informações em seu cérebro. É como se ela não tivesse controle e tivesse que bloquear o exterior para não ficar sobrecarregada. Ela explica ainda que é muito difícil olhar para o rosto de uma pessoa. É como se tirasse milhares de fotos simultaneamente com os olhos, e é muita informação para processar. O cérebro de Carly não possui a capacidade de catalizar a quantidade imensa de informações para os sentidos, e consequentemente, ela não pode lidar com a quantidade excessiva de informação absorvida.
     Segundo o pai de Carly, ela faz questão de dizer, que é uma criança normal, presa em um corpo que a impede de interagir normalmente com o mundo. O Pai de Carly teve a chance de finalmente conhecer a filha.          A partir do momento em que ela começou a escrever, se abriu para o mundo. Carly hoje está no twitter e no Facebook. 
    Ela conversa com as pessoas e responde dúvidas sobre o autismo. Com ajuda do pai ela escreveu um livro chamado Carly's Voice (A voz de Carly). Entre os mais variados comentários que ela recebe sobre o livro, um crítico disse: "A história de Carly é um triunfo. O autismo falou e um novo dia nasceu".

Assista o curta-metragem interativo 
"Carly's Café", baseado em um trecho do livro, 
e vivencie a experiência de Carly por alguns minutos: 
(http://carlyscafe.com/)

Veja algumas perguntas respondidas por Carly 
que ajudam a elucidar algumas questões do autismo:

        Questão 1: 
      Carly, você pode me dizer porque meu filho cospe todo o tempo? Ele tem todos os outros tipos de comportamento também: Bater a cabeça, rolar, balançar os braços, mas o cuspe é asqueroso e realmente faz com que as pessoas queiram ficar longe dele. Alguma ideia?
       Carly: Eu nunca cuspi, quando era criança. No entanto, eu babava, e sentia como se cuspisse. Hoje eu percebo que eu nunca soube como engolir a saliva. Eu nunca usei minha boca para falar, e por isso, nunca usei os músculos da boca. Quando você tem saliva presa na sua boca, existem poucas maneiras de se livrar do desconforto. Tente dar a ele alguns doces por duas semanas. Isso vai fortalecer os músculos e ensina-lo a engolir a saliva.
        Questão 2: 
       Meu garoto de quatro anos grita no carro toda vez que o carro para. Ele fica bem, desde que o carro mantenha-se em movimento. Mas uma vez que parou, ele começa a gritar. É uma mania incontrolável.
      Carly: Eu adoro longos passeios de carro. O carro em movimento, e o visual passando rapidamente permite que você bloqueie outros impulsos sensoriais e foque em apenas um. Meu conselho é que você coloque um DVD no carro com cenário em movimento.
       Questão 3: 
       Você alguma vez já gritou sem razão nenhuma? Mesmo com o semblante feliz, e tudo calmo e relaxado, mas você apenas começa a gritar? Minha filha às vezes faz isso e eu estou tentando entender o porquê.
        Carly: Ela está filtrando o áudio e quebrando os sons, ruídos e conversações através do dia. Além de gritar, ela poderá chorar, rir alto e até demonstrar raiva. É a nossa reação por finalmente entendermos algo que foi dito há alguns minutos, alguns dias ou alguns meses. Está tudo ok com ela.
        Questão 4: 
      Como eu faço com que um adolescente pare com movimentos repetitivos na classe? Ele diz que os professores são chatos e que é muito mais divertido na cabeça dele. Eu sei que é, mas ele está perdendo todas as instruções e leituras. Eu estou sempre redirecionando ele, mas ele está perdendo tanto. Me ajude.
     Carly: Ok. Preciso limpar uma má interpretação sobre o autismo. Se uma criança está fazendo movimentos repetitivos, não quer dizer que ele ou ela não esteja escutando. De fato, ela escuta melhor se ela estiver fazendo esses movimentos. Eu estou estudando e ainda faço movimentos na classe. Eu tento ser discreta, como se estivesse enrolando um pequeno pedaço de papel nos meus dedos. Todos fazem movimentos repetitivos. Pense nos desenhos que você faz quando está no telefone, ou enrolando a ponta dos cabelos, ou enroscando o lápis entre os dedos. Isso é um "stim" (uma movimentação repetitiva). Não há nada de errado com isso, mas às vezes é melhor tentar ser discreto.

*GUSTAVO SERRATE
Jornalista e cineasta independente de Brasília. Interesses transitando pelo cinema, quadrinhos, fotografia, video making, motion design e toda forma de cultura independente ou marginalizada.
30.12.2012
PONTO CEGO
incubador de pensamentos
http://lounge.obviousmag.org/ponto_cego/2012/12/como-seria-estar-por-tras-dos-olhos-de-um-autista.html

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

DE DOMINGO A DOMINGO, VEJA O ANO DAS CRIANCINHAS ATACADAS PELA IGNORÂNCIA MIDIÁTICA



                                                                                      Por:  Silvânia Mendonça Almeida Margarida
 
Paráfrase da Mestra em Letras: Lya Luft

    O contrário do habitual, sempre escrevo sobre projetos de vida, sonhos, depressões e culpas, que para muitas pessoas caracterizam as festas de fim de ano. Escrevo como um ser humano, que não sei para onde vou e nem de onde vim, mas sei que estar aqui é ter um projeto de vida para manter a minha longevidade, a minha cabeça erguida e viver. Sentir-me depressiva e culpada faz parte do mundo e consigo sobreviver sempre mais perto de uma crença. 


     Assim, depressões e culpas vão e não me alcançam. E acreditar é sonhar com os acontecimentos do ano novo que virá. Por que não em festas?
     Considero-me qualificada para falar do tema que elegi, e não somente observadora das nossas glórias e das misérias humanas: mas às vezes não dá para calar. Refiro-me ao que, tendo ocorrido há duas semanas, ainda me faz arrepiar a raiz dos cabelos, quando a mídia brasileira, por intermédio de grande emissora de televisão, transformou a vida de nossas crianças numa claraboia de inferno, rotulando nossos filhos autistas em psicopatas. 


     Como se não bastasse todo o ataque em rede nacional, um famigerado magazine publica em editorial que o demente solto a fuzilar gente inocente tem tudo a ver com nossos filhos que estão dentro das nossas casas. Isto realmente é insano e provocador. São também inocentes e são confundidos como eternos debiloides.    Este é o termo exato da palavra, escrito e auditado em rede nacional. Pois bem, o ano que se passou foi aquele das criancinhas atacadas. 
     Ao continuar, tão grave paráfrase, num sentido emocional da palavra, não são tão-somente vinte criancinhas mortas (infelizmente), mas também milhares de anjos que se encontram dentro de casa, preconceituados, atacados por pessoas das academias das letras. 

     Bem, vários casos já ocorreram no Brasil, principalmente, Rio de Janeiro, São Paulo e outras capitais brasileiras onde o preconceito é formalmente cabal. Até nas regiões mais civilizadas como a Noruega e civilizadíssima Escócia, os filhos do preconceito e do sofrimento são vitimados. 
     Tais discrepâncias educacionais são criadas por gente que não entende nada, nadinha de nada mesmo, a não ser os holofotes das artes, almejando estar sempre na mídia, sempre que toda literatura for a arte da palavra. E sempre a literatura será a arte da palavra e das letras, com seus estilos de época e seus autores representados. Mas tem algo que o mundo das letras não pode dar conta, o sofrimento imposto às criancinhas do preconceito e da ignorância midiática. 

     Os intelectuais também matam dezenas de crianças, afogando-as num mar de convencionalismo, mesmo que eles estejam morando dentro uma ilha sossegada, ou seja, seus lares e suas escolas, perfeitamente incluídos, sem incomodar ninguém. 
     Há uma parte desta paráfrase que deixo para os entendedores da lei, para o Direito Penal e sua ultima ratio, ou quem sabe o princípio da significância. Não pretendo aqui postular sobre narcotráfico, tráfico de armas, política e outros interesses. 

     Os doutores da lei que se preocupem com o poder de polícia, com batalhas travadas em nome do crime e das suas ilicitudes. Esta parte eu me abstenho de escrever. 
     Não me importa também o que os políticos (digo, aqui neste rito de passagem, pois lógico que me importo) fazem nas beiradas das favelas ou embaixo dos viadutos. 
     Não me apraz também saber o que o Presidente dos Estados Unidos da América pensa, pois ele mudará em nada, a perseguição que nossos filhos sofrem constantemente nas escolas, nos ambientes de lazer, nos shoppings, nas praias, enfim, em todos os lugares. 
     Esta é uma arma mortífera nos corações de suas mães e pais e não é uma indagação ingênua. É necessário que grande emissora e magazine de bancas postularem tanta agressão aos nossos filhos? É evidente as suas perseguições. 

     A sua crueldade, aos nossos, criancinhas mortas pela insensatez e pelos ataques gratuitos são de enorme insensatez e porte e isto é o contrário do habitual. Quando isto irá parar? De domingo a domingo, conhece-se o ano que as nossas criancinhas foram atacadas pela ignorância midiática. 
Sim, claro, precisamos rever em toda parte os seus inúteis conceitos, leis e preconceitos. 

     A doença mental não é dilapidação, um anti-presságio de pessoas entendidas da força midiática da globalização, da pseudo-academia do conhecimento do que seja universidade da vida. 

     Não existe o politicamente correto para o doente mental, existe apenas o mínimo do mínimo em termos do Estado democrático de direito. Pais de “doentes mentais” (não gosto deste termo) pagam impostos e olha que são caros. 
     O politicamente correto agora para a mídia brasileira é a exclusão geral dos nossos filhos que estão dentro das nossas casas, significando também que as nossas crianças devem ser ludibriadas pela mídia sensacionalista e exclusivista ao pendor da ignorância. 


     Nossos filhos, que fique isto bem claro, podem ser incluídos nas escolas dos ditos normais (não gosto também desta palavra), pois é assim o seu direito fundamental. Leiam-se a Declaração dos Direitos Humanos, a Constituição Federativa do Brasil em seu artigo 5º., leis infraconstitucionais da legislação básica da educação especial e por aí vai. 
     Crianças especiais não perturbam outras crianças, mas afligem o coração dos ditos intelectuais, dos pseudo-intelectuais midiáticos. Quando não há o preconceito, nossas crianças podem se adaptar e agir além dos seus limites, - quando lhe for consagrado ser feliz. Isto pode acontecer se não for atacado por armas pesadas invisíveis e manipuladoras da palavra mal dita. 
     Pessoas com qualquer tipo de transtorno mental devem ser cuidadas conforme a gravidade do ataque que lhe são infligidos, pois, por incrível que pareça, eles sentem e ressentem. Quando o ataque é maior e em níveis nacionais os estados perigosos de tristeza atacam também pais que também são mestres, doutores, psicólogos, advogados, professores, pediatras, psiquiatras e todas as profissões louváveis, incluindo a maestria em linguística ou literatura comparada. 
     Mas em geral, não existe tremenda dor em termos um filho “com problema”. Filhos com “problemas mentais”, como diz a mídia, são transcendentais, únicos e quem não os têm nunca terá a dádiva de entender. 

     Não dá para fingir que a mídia é anormal (detesto essa palavra também). 
     Para pais de crianças “especiais” no mais bonito âmago da pronúncia não é feio levar seus filhos aos psiquiatras, não há nenhum desgaste em dar-lhes remédios controladores do seu pensamento, e não existem melhores clínicas que não sejam os nossos lares. E ao sair de suas casas ou lares é possível toda convivência com estes anjos infinitos. 

     O inábil que aprenda a lidar com eles e a gratificação da demanda logo serão sobrepostos ao sofrimento por dádivas e experiências que caem no mundo das artes literárias, onde as luzes da ribalta nunca se apagam. 
     Quem mata quem? Preconceituar e generalizar inocentes por um caso isolado, ou a mídia incauta que por sua própria faina se suicidou. Creio que a cada caso e a cada ataque o suicídio será coletivo. 

     Tome cuidado, Mídia, olhe a sua volta. 
     Os mesmos caminhos que vão, vem. 
     O mundo das crianças especiais precisa respirar em paz. Ou não? 
     Quando virá o próximo ataque? 
     Estamos preparando as nossas crianças, vestindo-as de roupas azuis. 
     Você, mídia ignóbil, não conhece esta metáfora.

FONTE:
Silvania  Mendonça Almeida Margarida
https://www.facebook.com/pages/Autismo-Mater-Po%C3%A9tico/398651120217265

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

A intolerância elitista de Lya Luft


       Se há uma atitude que não dignifica o ser humano, esta é a falta de solidariedade.
Os programas sociais do governo foram, para muitos, um espelho revelador do elitismo que caracteriza a sua visão de mundo: "Para mim, sim; para eles, não". Bolsa Família, Bolsa Escola, ProUni, Brasil Carinhoso, Brasil sem Miséria, Luz para Todos, Minha Casa Minha Vida, entre outros, foram combatidos pelos representantes desse elitismo, na grande mídia e no Congresso.
Esse combate refletiu a estranheza, o constrangimento e a revolta que muitos sentiam ao conviver, no dia a dia, com novos personagens em meios antes exclusivos:
"O que essa turma está fazendo no meu aeroporto?"

"O quê! Esta família vai jantar no meu restaurante?"
"Peralá! Shopping é lugar de passeio dessa gente?"
"O que o meu porteiro está fazendo na minha cidade estrangeira preferida?"
Um desses programas, baseado na visão solidária e inclusiva do mundo, acaba receber mais um petardo vindo de uma representante de um mundo que custa a perceber que já morreu. Uma escritora, uma intelectual que se orgulha do rótulo de "artista" (Lya Luft), escreve na edição mais recente da "Veja" (onde?), sobre a educação inclusiva, política pedagógica de convivência entre deficientes e alunos regulares, nas salas de aula:
"O politicamente correto agora é a inclusão geral, significando também que crianças com deficiência devem ser forçadas (na minha opinião) a frequentar escolas dos ditos 'normais' (também não gosto da palavra), muitas vezes não só perturbando a turma, mas afligindo a criança, que tem de se adaptar e agir para além de seus limites - dentro dos quais poderia se sentir bem, confortável e feliz".
http://meufilhotemmielo.blogspot.com.br/2012/12/absurdo.html
Ou seja, "inclusão geral" é somente um modismo politicamente correto – e não uma expressão do espírito de solidariedade do ser humano. Deficientes são "forçados" a conviver com seus coleguinhas da escola tradicional e se "afligem" por isso. Falando por eles, a escritora afirma que se sentiriam "bem, confortáveis e felizes" se segregados do convívio com crianças da mesma idade.
Na verdade, a escritora está somente projetando seus sentimentos sobre aquelas crianças: é ela que se sente "forçada" a conviver com realidades que preferia evitar; é ela que se "aflige" e se "perturba" com essa nova situação; é ela que sente dificuldade em se "adaptar" a algo que está "além dos seus limites" restritos – dentro dos quais vivia "bem, confortável e feliz". Um retrato perfeito do estrago que os novos tempos estão causando nos corações e nas mentes dos elitistas.
Por trás de supostos argumentos para defender direitos exclusivistas, vê-se claramente a imagem da tela de Edvard Munch, "O Grito". Da boca da imagem desesperada ouvimos: "Socorro! O que eles estão fazendo com o meu mundo?!".
No fundo, é simbólico: essa turma não consegue acessar sentimentos de solidariedade e congraçamento nem nas festas de fim de ano.
Um Ano Novo Solidário para todos.
Fonte: O Escritor
http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/a-intolerancia-elitista-de-lya-luft

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Lya Luft e o colunismo de Réveillon


            Por Lucio Carvalho *

Nas edições retrospectivas e prospectivas preparadas pelas revistas semanais, o que não faltam são análises e opiniões sobre os fatos marcantes do ano que fecha e suposições sobre o futuro que se aproxima imediatamente. Jornalistas e colunistas buscam apanhar do imenso cultivo de acontecimentos aqueles que julgam os mais relevantes, dentro do seu raio de observação, mas há quem tente ir além.
No caso da Revista Veja, é o que acaba de fazer a colunista e escritora Lya Luft. Lya, que previamente procura avisar aos leitores que não é alguém qualificado a falar a respeito do tema que elegeu, escolheu tratar em sua coluna dos assassinatos de crianças ocorridos nos EUA em 2012 (O ano das criancinhas mortas, p. 221, ed. 2302, nº1, 02/01/13). A escritora está longe de ter sido a primeira a abordar o tema e cabe indagar se existe, de fato, alguém especialista em morticínio infantil capaz de dar conta de tamanho drama. Seu aviso, portanto, deveria suavizar uma leitura mais rigorosa, mas empreender a tarefa resta impossível, pois o tema não é comercial de margarina e uma publicação com milhões de leitores também não pode ser comparada a um comentário inofensivo nas redes sociais ou um post em um blog remoto.
Mesmo considerando o salvo-conduto pretendido pelo aviso prévio da autora , é tranquilamente imaginável esperar encontrar-se uma análise emocional dos acontecimentos. Faz parte do espírito de fim de ano, do colunismo de Réveillon, tão impregnado de sentimentalismo. Além disso, o assunto é polêmico e envolvente, como tudo o que envolve a infância. Não é o caminho que Lya escolhe, pois ela tenta ir além das próprias emoções, como observadora do mundo, mas sem perceber ter dado passos aparentemente além da sua compreensão. Ela o faz ao mixar ideias envolvendo questões complexas como psicopatia, deficiência, doenças mentais e inclusão social.
Elucidar os mistérios da alma humana tem sido, ao longo do tempo, uma das buscas mais evasivas tanto para cientistas como para filósofos e escritores. Dentre as inúmeras possibilidades de abordagem, talvez a psicanálise seja o fazer que mais tenha se aproximado das bordas de onde se pode explicar o comportamento. Mesmo ela é contestada e, como se trata de um assunto intangível, não se pode pretender a primazia na emissão de opiniões. Todos estão convidados. Os colunistas das revistas semanais, pelo alcance de que dispõem, serão – entre todos – os mais visitados. Sua responsabilidade, entretanto, não pode ser exigida (afinal são convidados dos editores, não experts), mas despir-se dela como condição do inatingível é impensável, ainda mais quando se trata de escritores do porte de uma Lya Luft.
Ao induzir o leitor a crer que os brutais assassinatos de crianças ocorridos nos EUA tenha alguma ligação com a tendência atual, “politicamente correta” segundo a autora, de inclusão geral de alunos “anormais” entre “normais”, de acordo com seus próprios termos é, no entanto, uma suposição que extrapola a própria linha de argumentação da autora, além de reforçar estigmas e preconceitos que continuam a impregnar a sociedade no início do séc. XXI e, como se vê, em 2013 ainda estarão por aí.
Um esclarecimento urgente em relação ao texto de Lya compete em desfazer a ideia de que deficiência e doença mental sejam sinônimos. Parece simples verificar que uma coisa não tem nada ver com a outra, mas unir seus conceitos em uma mesma argumentação implica pensar que se tratam de pessoas indesejáveis para o convívio social. São pessoas que estariam, nas suas palavras, inclusive “não só perturbando a turma, mas afligindo a criança”. Outro esclarecimento fundamental para a compreensão do texto trata de verificar o que, de fato, uma afirmação como essa pretende explicar do tema principal, que é o terrível morticínio das crianças.
Até onde se sabe o assassino de Connecticut não possuía nem diagnóstico de deficiência nem de transtorno mental. Apesar das inúmeras suposições, a tentativa de enquadramento clínico a posteriori de seu comportamento apenas tem servido para que se procure razões imediatas para seu gesto. Parece que, com isso, resolve-se o impasse. Uma das formas de evitar novos acontecimentos do tipo seria separar os “normais” dos “anormais”. Sob o pretexto de preservar a sociedade dos sadios, exclui-se o doente. Em que pese soar novo o argumento de Lya, tal ideia já era verificável na primeira metade do séc. XX e mesmo antes disso, com as políticas de segregação e institucionalização.
Embora isso não seja mencionado em nenhuma parte do texto, é relevante considerar que o “politicamente correto” de agora, a “inclusão geral” é um elemento garantido constitucionalmente no Brasil, que se quer uma sociedade inclusiva. Além disso, o princípio de inclusão social é base da Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que o Brasil adotou como emenda constitucional em 2009, através do Decreto 6.949, após votação unânime no legislativo.
Se exigir que jornalistas e formadores de opinião estejam cientes dos avanços legais que envolvem minorias possa restar inefetivo, como se tem demonstrado, é algo que não se pode saber sem que se procure realizar um gesto nesse sentido. Há excelentes fontes de referência que estão disponíveis para aqueles que se dispõem a observar o mundo além da sua varanda. De alguma forma, parece que os textos de Réveillon pedem um toque de leveza que, no caso de um assunto como este, é bastante complexo de obter. Mesmo assim, é desejável que ao menos nesse momento de transição entre épocas, respire-se em relativa paz, como quer Lya Luft. Claro que não pela morte de  todos os psicopatas, como se isso fosse possível, mas pelo conforto que se pode obter pelo esclarecimento, já que pela vida real nem sempre isto seja possível.

* Coordenador-Geral da revista digital 
Inclusive – inclusão e cidadania (www.inclusive.org.br) 
e autor de Morphopolis (www.morphopolis.wordpress.com).

segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Ano Novo... Ano Bom... Ano Feliz

Que no Ano Novo continuemos juntos, 
e se solidifique a conscientização 
para o encontro dos nossos sonhos, tão desejados.
É o desejo da Família Vivências Autísticas
Nilton Salvador

domingo, 30 de dezembro de 2012

A Lei 12.764/12 e sua principal importância




http://aliberdadeehazul.com/2012/12/16/as-pessoas-com…om-deficiencia/

     Assim, as pessoas com TEA hoje no Brasil tem expressamente reconhecidos os direitos que todas as pessoas têm e, mais, todos os direitos que todas as pessoas com deficiência também têm, que estão previstos na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, na Constituição Federal, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e na Lei 7853/89, bem como no Plano Viver sem Limites.
     Evidentemente a Lei, por definir diretrizes gerais de políticas públicas, ainda necessita de regulamentação nesta parte, mas este parágrafo, que é o grande avanço, não precisa de regulamentação e pode ser aplicado imediatamente.
      Um exemplo, de aplicação imediata, é o art. 5. da Lei 12.764/12 que dispõe que “a pessoa com transtorno do espectro autista não será impedida de participar de planos privados de assistência à saúde em razão de sua condição de pessoa com deficiência, conforme dispõe o art. 14 da Lei no 9.656, de 3 de junho de 1998″.
     Portanto, todos os direitos garantidos em nosso ordenamento jurídico, incluindo os previstos nessa nova lei, que não necessitem de regulamentação já podem ser exigidos do Poder Público.
     Com isso não se pode negar as pessoas com TEA o direito à prioridade no atendimento conferido às pessoas com deficiência; o direito à adequação dos ambientes de acordo com suas necessidades seja na área da saúde, da educação, do trabalho; o direito de não ser discriminado em razão de sua deficiência; o direito a concorrer a vagas referentes a cotas na área privada ou pública; direito de adquirir veículos com isenção de impostos; o direito de estacionar em local destinado às pessoas com deficiência, entre outros tantos direitos que poderia passar horas citando aqui.
     Não há, então, qualquer dúvida do avanço obtido com a Lei 12.764/12. Quanto aos vetos os analisarei num outro post detalhadamente.
RENATA FLORES TIBYRIÇÁ 
Defensora Pública do Estado de São Paulo
Mestranda em Distúrbios do Desenvolvimento na Universidade Presbiteriana Mackenzie
Especialista em Direitos Humanos pela Universidade de São Paulo (USP) 2006
Bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) 1997