Por Karina Toledo
Agência FAPESP – Um estudo em andamento no
Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IP-USP) busca avaliar se
um instrumento conhecido como Indicadores Clínicos de Risco para o
Desenvolvimento Infantil (IRDI) pode ajudar profissionais de saúde da atenção
básica a identificar sinais iniciais associados a transtornos do espectro do
autismo (TEA).
Resultados preliminares da pesquisa, coordenada
pelo professor do IP-USP Rogerio Lerner no âmbito de um acordo de cooperação
entre a FAPESP e a Fundação Maria Cecília Souto Vidigal (FMCSV), foram
apresentados durante o I Seminário de Pesquisas sobre Desenvolvimento Infantil,
realizado em março na FAPESP .
“Os resultados são bastante promissores no sentido
de indicar a sensibilidade do IRDI a quadros de autismo. Nossa amostra ainda é
pequena, mas estamos trabalhando para aumentá-la”, afirmou Lerner.
O protocolo IRDI foi desenvolvido entre os anos de
2000 e 2008 pela equipe multicêntrica de especialistas que integraram o Grupo
Nacional de Pesquisa (GNP). Coordenada pela professora do IP-USP Maria Cristina
Machado Kupfer, a pesquisa foi realizada a pedido do Ministério da Saúde e
contou com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq) e da FAPESP.
Com base em pressupostos teóricos psicanalíticos
sobre a constituição psíquica de crianças com até 36 meses, o grupo desenvolveu
e validou 31 indicadores clínicos para a detecção de sinais iniciais de
problemas psíquicos do desenvolvimento infantil observáveis nos primeiros 18
meses de vida.
“O IRDI foi requerido pelo Ministério da Saúde para
ser incorporado na caderneta da criança e servir de apoio a pediatras e demais
profissionais da atenção básica nas consultas de puericultura. Foram listados
31 indicadores de saúde, que expressam situações favoráveis ao desenvolvimento
do bebê. A ausência de um ou mais indicadores pode sinalizar problemas de
desenvolvimento”, explicou Lerner.
O protocolo é um dos instrumentos presentes nas
Diretrizes de Atenção à Reabilitação da Pessoa com Transtornos do Espectro do
Autismo do Ministério da Saúde, acessível pelo link
http://www.pessoacomdeficiencia.gov.br/app/viver-sem-limite/nova-cartilha-2013.
O instrumento é composto por itens que podem ser
observados e obtidos por meio de perguntas como: “A criança procura ativamente
o olhar da mãe?”, “A criança reage (sorri, vocaliza) quando a mãe ou outra
pessoa se dirige a ela?" e “Durante os cuidados corporais, a criança busca
ativamente jogos e brincadeiras amorosas com a mãe?”.
Embora o IRDI tenha sido concebido visando ao
contexto de promoção universal da saúde e não tenha a finalidade de
diagnosticar uma doença específica, esta pesquisa do IP-USP (uma dentre várias
envolvendo o instrumento) busca verificar se ele teria sensibilidade para discriminar
quadros de autismo, o que seria vantajoso do ponto de vista de saúde pública,
afirmou Lerner.
“Temos instrumentos específicos para o diagnóstico
de autismo, mas, se pensarmos em escala populacional, é melhor ter instrumentos
inespecíficos com sensibilidades conhecidas. Imagine a dificuldade de aplicar
em uma população de 200 milhões de habitantes um instrumento diferente para
cada condição que pode acometer a criança”, ponderou.
Grupo de risco
Até agora os pesquisadores da USP aplicaram o
protocolo em um grupo de 40 crianças de até 18 meses – sete consideradas com
risco de autismo em decorrência de aplicação de um instrumento para tal
rastreamento e 33, do grupo controle.
“A ideia é verificar se o instrumento é capaz de
destacar as crianças com risco de autismo das demais. Nós buscamos avaliar
irmãos de crianças que já têm o diagnóstico, pois a doença é de alta
herdabilidade. A chance de nascer um bebê com o transtorno em uma família que
já tem uma criança com autismo pode chegar a 20 vezes à de uma família sem
casos anteriores”, explicou Lerner.
A pesquisa vem sendo realizada em unidades da
Secretaria Municipal de Saúde de Embu, no Hospital Universitário da USP, no
Ambulatório de Autismo do Instituto de Psiquiatria (IPq) da USP, no Centro de
Referência da Infância e Adolescência da Universidade Federal de São Paulo
(Cria-Unifesp) e em 13 Centros de Atenção Psicossocial à Infância (Capsi) do
município de São Paulo.
“Os resultados são ainda preliminares, mas muito
promissores. Temos observado que, quando a criança apresenta um risco que não é
relacionado ao desenvolvimento de autismo no futuro, ela tem pouco indicadores
ausentes. Quando o risco está associado a um quadro de autismo, o número de
indicadores ausentes é muito maior”, contou Lerner.
O pesquisador ressaltou, no entanto, que a amostra
avaliada ainda não é suficiente para mensurar em termos estatísticos um índice
de sensibilidade do instrumento. O objetivo do grupo é aplicar o IRDI em pelo
menos 30 crianças com risco de autismo.
Ainda segundo Lerner, a pesquisa também teve o
objetivo de usar o IRDI para sistematizar uma proposta de educação permanente
de profissionais de enfermagem de unidades básicas de saúde e agentes
comunitários do então Programa de Saúde da Família (PSF) – atualmente
Estratégia Saúde da Família (ESF) – para a detecção, em consultas de rotina, de
sinais iniciais de problemas do desenvolvimento.
“A reação desses profissionais de saúde ao IRDI tem
sido muito boa. Eles referem que o protocolo ajudou a entender sinais que já
observavam, mas não conseguiam dar significado, pois não compreendiam a
importância deles para o desenvolvimento infantil. Quando o profissional tem
esse conhecimento, adquire condições de fazer uma orientação para o
desenvolvimento do bebê”, disse Lerner.
A ideia, segundo o pesquisador, é que, caso seja
detectado um sinal inicial de problema, uma avaliação mais aprofundada seja
feita pelo profissional da atenção básica. Se for observada uma condição
adversa ao desenvolvimento do bebê, a família deve ser encaminhada para uma
intervenção precoce. “Não é preciso chegar a um diagnóstico consolidado para
iniciar a intervenção”, defendeu Lerner.
Parte dos dados levantados até o momento foi
divulgada em artigos publicados nas revistas Psicologia: Ciência e Profissão e
Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental.
FONTE:
http://agencia.fapesp.br/18878